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João Pessoa

O deserto fértil

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Imagens feitas a partir de uma das  unidades da Pousada Matuto Sonhador – Cabaceiras /PB

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Por: João Vicente Machado Sobrinho;

O título dado ao nosso escrito foi tomado por empréstimo in memoriam, ao indefectível e eterno pastor Dom Helder Câmara. Aquele prelado, de saudosa memória, dedicou toda a sua existência à luta por uma sociedade mais justa, mais isonômica e mais inclusiva. Foi autor de diversos livros e artigos, e um conhecedor profundo das chagas sociais do seu rebanho. Antes partir para a sua última viagem, Dom Helder nos presenteou com um livro cujo título é premonitório: O Deserto é Fértil.

O editor Ênio Silveira, na apresentação do livro citado, refere-se ao pontífice assim:

“Sabia discernir com sua abençoada sabedoria a diferença entre a caridade, que vê no pobre apenas o objeto de sua generosidade – do expurgo de suas culpas conscientes e inconscientes -, daquela que é a verdadeira caridade: a que tenta resgatar os desamparados, ofertando possibilidades concretas de alcançar o que não lhe foi proporcionado na infância ou ao longo da vida, como direito à educação, saúde, salário digno, moradia descente, ou seja, esperança e não apenas esmola.

Schopenhauer dizia que “talento é quando um atirador atinge um alvo que os outros não conseguem. Gênio é quando um atirador atinge um alvo que os outros não veem”. Quando muitos se esforçavam para ‘catequizar’ os jovens, Dom Helder enxergava além e serenamente apontava o caminho: “Os jovens estão sempre com suas antenas ligadas, e sabem muito bem como captar os sinais do amor apaixonado e apaixonante de Deus;” (1)

Na condição de sertanejo convicto, e um catingueiro  de origem rural, sempre tivemos o anseio  de descobrir a adequada vocação econômica que viabilize  cada uma das regiões encravadas no nosso semiárido nordestino.

Crescemos presenciando a ansiedade do sertanejo quanto a  escassez de chuvas. Por incontáveis vezes, assistimos o ritual da quase impositiva migração de parentes e de amigos para o Sudeste do país. O êxodo era invariavelmente uma imposição ditada por problemas socioeconômicos desalentadores, onde a ponta do iceberg era os rigores do clima.

Por uma dessas coincidências da vida, nos deparamos com o professor e mestre Manoel Dantas Vilar Filho, o Dr. Manelito, como aluno que fomos da Escola Politécnica de Campina Grande, a saudosa Polí. Manelito era um engenheiro civil competentíssimo, pertencente a uma família ilustre e de classe média, média. Ao longo do tempo e com muita bagagem cultural acumulada, virou um pensador apaixonado das coisas do semiárido, uma tarefa compartilhada com Ariano Suassuna, seu primo.

Soltou as rédeas da imaginação, correu atrás da sua utopia e terminou por provar por A mais B que o semiárido é viável de fato.
A agropecuária e a seleção de raças | Site do João Vicente Machado

Com ele aprendemos entre outras coisas, que o Nordeste não é seco e sim uma região onde as chuvas são irregulares e mal distribuídas espacial e temporalmente. Que a situação climática do semiárido é um fenômeno natural contra o qual não podemos lutar, e força humana alguma é capaz de interferir com o propósito de mudar. O máximo a conseguir é conviver harmonicamente com essa realidade.

Destarte, na nossa região semiárida, mesmo com a irregularidade e a má distribuição das chuvas, é habitada por 30 milhões de pessoas, sendo a mais habitada do planeta terra.

 

Após completar o nosso ciclo de estudos acadêmicos na Polí, ingressamos na vida profissional exercendo o nosso oficio na CAGEPA. A essas alturas também  matriculado  na universidade da vida, tendo como grande e insubstituível mestra a mãe natureza.

A nossa percepção nos permitiu observar que os propósitos da natureza quando da arrumação inicial do planeta terra, foram sempre voltados para o balanço energético, no mais amplo sentido da palavra, além do equilíbrio e da harmonia entre as diversas espécies existentes, sejam elas animais ou vegetais.

Para o olhar da natureza não há privilégios e a todos os seres vivos tudo é dado, de forma proporcional e equânime. Para a natureza, as criaturas do reino animal ou vegetal são enxergadas com o mesmo olhar materno generoso. Para ela tanto faz o bioma belíssimo do lago cristalino com  flora e fauna aquática exuberantes, quanto o charco escuro, feio, putrefato e fétido. A mãe natureza mede os seres aeróbicos e anaeróbicos com a mesma trena.

No seu acariciamento de mãe, a natureza não coloca nenhum deles no colo, nem tão pouco lhes dá comida na boca. De forma incansável ela ensina pacientemente às sucessivas gerações, que a adaptação é a forma racional  para a plenitude  dos  seus ciclos de vida em convivência harmoniosa.

Por conseguinte, essa é a única forma de perpetuarem as suas espécies. Se assim não se comportarem, a natureza jamais irá se queixar mesmo agredida. Ela irá isso sim,  se vingar  inclementemente sem distinção de classe ou espécie. Aqueles que conseguiram se adaptar as condições naturais dirão resistir às intempéries desde que aprendam a viver e conviver de maneira sustentável.

Pelos parcos registros históricos disponíveis através de fosseis, de pinturas rupestres e de alguns sinais naturais, é fácil perceber que muitas espécies que transgrediram as regras naturais desapareceram. Para que chegássemos a esse estágio de desequilíbrio, houve a intervenção danosa de uma única espécie que é a espécie humana. Mas essa é uma outra história que pelo andar da carruagem teremos de abordar com frequência, em outras oportunidades.

Voltemos então à questão das vocações econômicas no semiárido, exibindo algumas  iniciativa exitosas que foram implementadas no município de Cabaceiras na Paraíba.
Quais seriam então as opções de que disporíamos para alcançar a viabilidade? Vejamos:
As ciências econômicas nos oferecem um leque de oportunidades de empreendimentos que podem ser implementados nos seus segmentos econômicos: primário, secundário e terciário. Essas etapas econômicas são classificadas de acordo com o modo de  de exploração dos recursos naturais, com a transformação da matéria-prima ou com a prestação de serviços.

Podemos, então, separar a economia em três campos distintos:

Setor Primário: onde o foco é a extração de matérias-primas, à cargo da agricultura e da mineração, entre outros.
Setor Secundário: onde o foco é o processamento e a transformação, um trabalho artesanalmente ou através da  indústria.
Setor Terciário: onde o foco é a venda de mercadorias, serviços e bens imateriais, à cargo do comércio.

A primeira regra importante a ser levada em conta por quem se interessa em desenvolver um negócio em uma determinada região, é descobrir o seu vocacionamento natural. Essa é a lição preliminar que a mãe natureza nos ensina: “não contrarie nem brigue com a natureza!”

Destarte, se uma região é cultural e vocacionalmente produtora de algodão, seria um contrassenso transformá-la em produtora de café. Ou por outra, se há um vocacionamento natural para a caprinovinocultura, é uma imprudência uma criação de avestruzes e etc.

Tivemos recentemente a oportunidade de um breve convívio de final de semana com algumas experiências que julgamos exitosas, que vêm sendo implementadas na região polarizada pela cidade paraibana de Cabaceiras situada no agreste meridional do nosso estado.

A minha companheira de vida e de ideias Maria Gorette, com o seu olhar clinico, descobriu um refúgio muito agradável numa pousada rural de Cabaceiras, com a qual tivemos uma empatia surpreendente.

À primeira vista a pousada era o local ideal para um repouso bucólico daqueles de nada a fazer e apenas contemplar. Em lá chegando e em cada contato com as pessoas, íamos percebendo a razão  da tão decantada  transformação socioeconômica daquele rincão. Foi aí que largamos o ócio e fomos explorar a jazida sociocultural diante da qual estávamos postados.

A pousada é simples, sem luxo. Porém é funcionalmente muito bem disposta e aconchegante, com uma equipe de trabalho muito  dedicada, competente e solicita. Para nós ela se transformou no epicentro da explosão de novidades com as quais iriamos nos  deparar.

Descobrimos  que Cabaceiras que  de ha muito vem a procura de uma atividade viável e sustentável não é uma novidade de agora pois desde a década de 1960/1970 já desenvolvia de forma incipiente e amadora, atividades no segmento de couros e tanantes e sediava alguns curtumes artesanais. Além disso tornou-se  conhecida pela pujança da produção de alho na região da Vila da Ribeira, nas margens do rio Taperoá, no seu encontro com o  Rio Paraíba.

A proximidade com o espelho d’água da bacia hidráulica da represa do açude de Boqueirão, oportunizou o acesso a água e viabilizou o desenvolvimento de um pujante plantio de alho, o qual padecendo de vocação veio a fenecer cedendo espaço para o artesanato de couro e o turismo de contemplação.

A resiliência do seu povo que já estava contaminado pelo contágio artesanal, foi o gatilho para a modernização da curtição de couros, e a organização de alguns artesãos em torno da Cooperativa de Trabalho dos Curtidores e Artesãos de Couro da Ribeira de CabaceirasARTEZA, que teve em José Carlos um exemplo exitoso de tenacidade e perseverança.

Vejamos um resumo da epopeia dos artesoes da Vila da Ribeira:

“A atividade com couro na região é centenária, ensinada de pai para filho há muitas gerações. Durante muito tempo, foi uma atividade secundária para a produção das vestimentas de trabalho para o homem do campo. A cooperativa ARTEZA foi fundada com 28 cooperados em 1998, como uma alternativa de trabalho diante da escassez de chuvas. Tem como objetivo fortalecer e agregar valor à atividade de curtimento e artesanato em couro.
Devido à adaptabilidade do animal à vegetação e à escassez de água, o couro trabalhado provém do bode. Esse couro se caracteriza por ser um material macio e flexível, com uma área ideal para a confecção de peças pequenas e médias, como sandálias, cintos e bolsas. Os artesãos também produzem, em menor quantidade, cadeiras, estofados e painéis de decoração. Há uma grande diversidade de produtos ofertados pela cooperativa, visto que cada ateliê de artesanato tem suas especialidades, divididos pelas características do trabalho
Nos ateliês de confecção dos produtos, que estão espalhados por todo distrito, o processo de modelagem, corte, costura, pintura e cola são feitos manualmente, preservando signos da identidade local, como os desenhos tradicionais de gibão e pespontos grossos, traços da cultura.
A cooperativa é responsável pela venda dos produtos a lojistas e participação em feiras. Também participam de redes de cooperação de Comércio Justo e trocas de saberes com produtores de couro do Nordeste, de Goiás, Rio Grande do Sul e Amazonas.
Atualmente, o distrito da Ribeira, com 1200 habitantes, produz produtos em couro, gerando trabalho e renda para aproximadamente 400 pessoas, inclusive dos distritos e municípios vizinhos. Assim, a atividade evita o êxodo de jovens e promove o desenvolvimento e bem-estar de sua população.” (2)

A nossa observação nos autoriza a assegurar que as atividades artesanais e turísticas de  em Cabaceiras estão consolidadas.

Dos 28 cooperados iniciais a cooperativa conta hoje em dia com 75 cooperados ativos como mão de obra direta. A demanda exigiu e a Cooperativa montou, um curtume de porte e capacidade suficiente para suprir com celeridade à demanda de matéria prima fornecida aos artesãos. O empreendimento conta ainda com uma loja para comercialização, instalada na  sede da Cooperativa na Vila da Ribeira.

Uma segunda atividade observada e que vai florescendo, é o turismo contemplativo e de eventos, com visitação permanente ao vizinho sitio geológico e arqueológico de nome Lajedo de Pai Mateus município de Boa Vista. Os gestores do turismo das duas cidades e de forma criativa, celebraram uma cooperação informal, nos moldes do que existe hoje  entre os municípios de Gramado e Canela no Rio Grande do Sul. A visitação turística é permanente e tem o seu ápice durante o mês de junho com os festejos juninos de Campina Grande e a festa do Bode Rei e a Cabra Rainha em Cabaceiras.

Uma terceira atividade sócio cultural econômica se verifica no campo da indústria cinematográfica que acabou por conferir a Cabaceiras o título de ROLIUDE NORDESTINA, e a cidade  já serviu de cenário para alguns filmes e documentários.

Por fim devemos revelar um fato,  um misto de surpresa e alegria, que foi  constatar após os mais de 150Km percorridos nos limites do município,  a inexistência de mendicância e miséria. Todas as casas da zona rural e urbana construídas de alvenaria revestida, sem uma única casa de taipa. As ruas da cidade e da Vila da Ribeira todas elas  calçadas e rigorosamente limpas e uma população majoritariamente pobre sim mas sem nenhum indicio de miséria.

Um país em que 85% da sua população está morando nas cidades, tangida que foi pela fome e o desalento, precisa disseminar iniciativas como as de Cabaceiras, como forma de conter o êxodo e por extensão  a criminalidade.

Nos entristece e nos desalenta, a atitude de alguns parlamentares do estado empenhando emendas de milhões para o carnaval, indiferentes às tentativas do seu povo no sentido de alcançar a sua independência. Será que essa é a forma de manter os currais eleitorais?
Atenção senhores governantes, prefeitos, deputados e senadores eis aí uma pauta importante para quem quer fazer uma politica séria!

 

 

 

 

 

 

 

 

Referências:
O deserto fértil de Dom Helder – O Arcanjo no ar; (1)
ARTEZA – Cooperativa de Trabalho dos Curtidores e Artesãos de Couro da Ribeira de Cabaceiras – Artesol; (2)
Rota do Couro, uma imersão na história e na cultura de Cabaceiras (PB) (mercadoeeventos.com.br);
Empaer e Embrapa executam programa para fortalecer caprinocultura no semiárido — Governo da Paraíba (paraiba.pb.gov.br);
IBGE | Cidades@ | Paraíba | Cabaceiras | Pesquisa | Produto Interno Bruto dos Municípios | PIB a preços correntes;

Fotografias:
但Esperança 🌎 no X: “Agora até quando dão comida aos pobres. Protejam o padre Júlio. https://t.co/iHTseQDbtE” / X (twitter.com);
A agropecuária e a seleção de raças | Site do João Vicente Machado (joaovicentemachado.com.br);
°HOTEL POUSADA MATUTO SONHADOR CABACEIRAS 4* (Brasil) – de R$ 391 | iBOOKED;
Lago cristalino com vista para as montanhas e florestas circundantes criadas com ia generativa | Foto Premium (freepik.com);
Despejo de esgoto sem tratamento nos rios, lagos e mares: problema ambiental, social e de saúde pública (ecodebate.com.br);
Cabaceiras – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org);
Cabaceiras – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org);
capapdf.php (anpur.org.br);
(2) Facebook;

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