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A agropecuária e a seleção de raças

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Vez por outra o espírito do  capa gato se manifesta e nos leva a divagar sobre os animais domésticos ditos irracionais e a sua seleção racial. Nesses devaneios, o nosso pensamento voa, mas sempre voltado para a busca de uma vocação econômica que seja a mais adequada à viabilidade da região semiárida do nordeste brasileiro, o nosso chão.

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Ainda guardo na memória o pequeno rebanho com o qual tomamos contato ainda criança, lá na Nova Floresta. O manejo rudimentar  adotado pelo meu pai Joaquim Vicente Machado e pelos meus irmãos mais velhos, me parecia a última palavra em trato com os animais, uma prática intuitiva dele e dos demais pequenos agropecuaristas circunvizinhos.

Quando adolescente e por ocasião das férias escolares, passei a observar com mais acuidade as técnicas de manejo mais apuradas e postas em prática pelo meu saudoso irmão Machadinho, um veterinário prático muito conceituado, que se tornou gestor do Posto Agro Pecuário da cidade de Jucás no Ceará.

O Fomento Agrícola, esse era o nome pomposo do órgão federal de assistência técnica e extensão rural do ministério da agricultura. Teve uma boa concepção de origem no segundo governo Vargas, sendo criado na metade do século XX nos anos de 1950.

Feneceu definitivamente nos fins da década de 1970, por falta de políticas públicas que o norteasse, sendo  inicialmente esvaziado e depois extinto.

Manteve no início, um pequeno plantel bovino de elevado grau de pureza, que tinha por finalidade à melhoria genética dos pequenos rebanhos na sua área de influência, tudo ainda de forma muito amadorística e de forma voluntária.

Na juventude, com uma visão de mundo mais ampla, recebemos a fundamentação teórica sobre  agropecuária, ministrada através das aulas de zootecnia do professor Marcondes Costa Pinheiro, no saudoso Colégio Agrícola de Lavras da Mangabeira no Ceará.

O Colégio pertencia à Superintendência de Ensino Agrícola e Veterinário – SEAV, órgão de formação técnico acadêmica do Ministério da Agricultura.

Além das diversas escolas técnicas de nível médio espalhadas pelo Brasil, teve ainda sob sua gestão a Escola de Agronomia do Nordeste – EAN em Areia e a Escola de Agronomia de Itaguaí Rio de Janeiro (KM 47), ambas de nível superior.

Era um conglomerado de unidades de ensino profissionalizante, que formaria mão de obra para consumo interno do próprio governo federal e para outros órgãos públicos e até para a iniciativa privada.

Não é difícil perceber a falta de um mínimo de planejamento por parte dos governantes que sucederam a Vargas. Ora, os postos agrícolas foram criados simultaneamente com os colégios agrícolas e as escolas superiores de agronomia que lhes serviria como reservatório de mão de obra especializada.

O sonho começou a desmoronar quando os postos foram extintos sem sequer entrarem em funcionamento pleno como já ressaltamos. Depois foi a vez dos colégios agrícolas, também extintos e fechados nos governos militares.

Apesar de tudo isso ainda tivemos tempo de concluir o curso, recebendo o diploma e o epíteto de capa-gato ou técnico agrícola como queiram, o qual muito nos honra e que guardamos carinhosamente com muito respeito e pouco uso.

Na eficiente Escola Politécnica de Campina Grande, a saudosa Polí, mãe da atual UFCG, tivemos a sorte de ter como lente de saneamento, o engenheiro civil, professor e depois agropecuarista, Manuel Dantas Vilar Filho, o saudoso professor doutor Manelito.
Por ocasião da sua passagem para outro plano, tivemos a honra de homenageá-lo com um artigo por nós escrito sob o título: E Agora Sertão?

Fui seu aluno na disciplina de saneamento ambiental, que envolvia: o planejamento, o projeto, a construção, a operação e a manutenção de sistemas de abastecimento de água e de esgotamento sanitário.

Manelito foi uma das raras inteligências que tivemos a oportunidade de conhecer e a sorte de ser seu  aluno.

Como engenheiro civil e ainda muito jovem, transformou-se numa referência nacional, tendo sido juntamente com Guarani Marques Viana que nos deixou recentemente, um dos fundadores da CAGEPA.

Conseguiram transformar uma empresa pública num projeto piloto nacional e num verdadeiro laboratório de saneamento. Chegou a ser um dos consultores do Banco Nacional da Habitação, órgão idealizado para financiar a habitação e o saneamento do país através do PLANASA.

Ao afastar-se voluntariamente da cátedra e do saneamento, virou um pesquisador auto didata, para depois se consagrar como a maior autoridade nacional em agropecuária da região semiárida, um verdadeiro cientista.

Ouvimos por várias vezes as suas preleções teóricas, num primeiro momento sobre o saneamento ambiental e seus benefícios e num segundo momento sobre a caprino- bovinocultura.

Ele enxergava nesse segmento econômico, um vocacionamento natural para o alcance da tão sonhada viabilidade econômica do Nordeste.

Depois de um incansável e aprofundado estudo e da realização de experimentos diversos, com a parceria do seu primo, compadre, sócio e amigo Ariano Suassuna, se fixaram consensualmente na adoção de um modelo de desenvolvimento adequado para a região.

A opção convergiu para: a escolha de animais rústicos e aclimatados para dar início à seleção genética de caprinos, ovinos e bovinos, a definição por cultivares de forrageiras resistentes ao pisoteio dos animais e ao processo de silagem. Além disso definiram o manejo que as evidencias mostraram como mais adequados, passando a utiliza-lo na Fazenda Carnaúba em Taperoá no cariri paraibano que era o laboratório.

Decorrente de todo esse esforço e depois de muitos experimentos genéticos, surgiu uma raça de caprinos, a Parda Sertaneja, com exemplares com capacidade para produzir até 3kg de leite em duas ordenhas.

No tocante à bovinocultura já havia um plantel bovino definido que era o Guzerá, ao qual foi incorporado o Sindi, ambos de dupla aptidão.

Fonte fotos: ABCPD.

O espirito preservacionista fez com que acolhessem na fazenda, uma raça rústica primitiva que estava em processo de extinção, denominada SRD-Sem Registro Definido, o chamado pé duro.

O seu propósito era alcançar, como conseguiram, a tão sonhada viabilidade econômica das Fazendas Carnaúba e Pau Leite, dois excepcionais laboratórios permanentemente abertos à pesquisa e aos pesquisadores, além de interessados curiosos de boa vontade.

Todos esses estímulos até então recebidos, mantiveram acesa em nós a chama da nossa esperança, de ver e de contribuir para a disseminação da ideia de um semiárido sustentável.

Caprino-bovinocultura é a escolha da raça adequada, a seleção, a criação, a multiplicação e o manejo de: bovinos, caprinos e ovinos, de modo a obter ganhos de produção e mais do que isso, melhorar a produtividade do rebanho.

A missão de qualquer agropecuarista numa região de chuvas irregulares, é encontrar uma forma de assegurar ao rebanho o alimento volumoso em quantidade suficiente e qualidade satisfatória, em qualquer época do ano.

A produtividade do rebanho deve se manter num crescendo ou no máximo estabilizada para fazer frente aos custos. Sabemos da necessidade das chuvas, mas temos de aprender a conviver com as irregularidades das precipitações, sem a sandice  de querer brigar contra ela. Esse foi um dos equívocos do Departamento Nacional de obras contra a Seca – DNOCS

Alguém já disse que a raça entra pela boca e para que essa premissa se materialize com êxito é preciso escolher cultivares de gramíneas e leguminosas adaptadas e adaptáveis que atenda ao binômio custo benefício.

Essa é outra etapa revelada pelas pesquisas, porque essas forrageiras vocacionadas para os campos de pastagem já foram identificadas, bem como a forma de manejo mais eficaz e o seu adequado armazenamento.

Quanto a proteína, parte dela pode ser presente na forragem escolhida e o complemento que é em muito menor quantidade, pode ser adquirido e ministrado ao rebanho misturada junto  com o volumoso e os sais minerais que devem estar sempre disponíveis em abundancia e espalhado em cochos nos cercados do pisoteio.

As raças de Caprinos nativos do semiárido são: moxotó, canindé, repartida, marota, gurguéia, azul, graúna e nambi.

O cruzamento entre essas raças nativas com um reprodutor pardo alpino de alta aptidão leiteira, fez com que Manelito e o primo Ariano Suassuna, depois de muitas tentativas e cruzamentos, chegassem por aproximação sucessiva a uma raça made in Taperoá que é a parda sertaneja de alta produtividade leiteira.

Animais nativos de grande rusticidade como o moxotó e canindé, foram mantidos para composição do banco genético e ajustes genéticos futuros.

Ouvimos muitas vezes de Manelito, nas suas palestras e preleções, que os criadores do semiárido, uma região carente de proteína, não podem dar as costas à produção do leite, que é uma proteína tão ou mais importante do que a carne. Portanto a melhor alternativa para eles e com a qual concordamos, é por animais de dupla aptidão no caso dos bovinos e tripla aptidão no caso dos caprinos e ovinos.

Foi com essa decisão tomada, que o pai de Manelito,  Manoel Dantas Vilar, trouxe para Taperoá uma raça zebuína indiana originaria de uma região parecida com o nosso semiárido, que é o guzerá leiteiro.

Ao assumir os negócios da fazenda carnaúba, a esse plantel racialmente definido e provado, foi agregada uma outra raça indiana que é o Sind leiteiro.

O espírito preservacionista da dupla Manelito e Ariano, inspirou e sensibilizou os filhos aos quais ensinaram o oficio, para se capacitarem a tocar juntos os negócios da fazenda.

Os cuidados com o banco genético fizeram com que numa experiência similar àquela realizada pela Universidade Federal do Piauí, mantivessem na fazenda uma preciosidade genética que estava ameaçada de extinção que é o gado sem registro definido o SRD, chamado também curraleiro ou pé duro, de secular rusticidade.

Quanto aos ovinos a opção foi pelo santa Inês, uma raça deslanada, mais aclimatada e de melhor rendimento para a região.

Quando insistimos em nos referir com tanta recorrência aos exemplos da Fazenda Carnaúba e ao seu idealizador é por termos a certeza de que é a melhor referência genética existente no Brasil em termos de sustentabilidade do semiárido brasileiro, além de um centro de inovações por excelência.

Vale ressaltar que a tão desejada viabilidade pressupõe uma genética vocacionada, mas também um cuidadoso manejo do rebanho e a produção de pastagem para alimentá-lo.

Todo leite produzido em qualquer fazenda da região, ou através de parceria associativa com os vizinhos, poderá ser beneficiado na própria fazenda em pequenos laticínios, destinado à produção de derivados do leite, agregando valor à produção e melhorando a rentabilidade.

A viabilidade econômica do semiárido, do nosso ponto de vista, passa pela pecuária de pequeno porte e pela agricultura familiar, que têm o condão de incluir a grande maioria dos 30 milhões de habitantes do semiárido, conferindo-lhes a dignidade de que são merecedores.

Experiências industriais nós já tivemos com o advento da SUDENE. No entanto a maioria não deu a resposta social pela qual aguardava Celso Furtado e ainda hoje assistimos o processo migratório do nordestino em direção ao sudeste.

A grande indústria de transformação, sempre é instalada ou próximo da matéria prima ou próximo do mercado e nesse caso o Nordeste não nos parece um bom endereço.
Todavia a agro indústria leiteira do Nordeste, é uma realidade e tem tido um crescimento significativo nos últimos anos.

Aqui na Paraíba temos o exemplo bem sucedido da Indústria de Laticínio Belo Vale Ltda, instalada no município de Sousa no alto sertão.

O empreendimento que começou pequeno, hoje é uma indústria pujante com capacidade de consumo de leite diária crescente, hoje avaliada em 120 mil litros. Sousa tinha o maior rebanho bovino do estado, mas a produção de leite não correspondia ao tamanho do plantel.

Foi onde entrou a Belo Vale que contratou agrônomos e veterinários para orientar a evolução genética da região, que ganhou muito em produtividade, virando uma grande bacia leiteira, transpôs as fronteiras do estado chegando ao Sul do Ceará e ao Rio Grande do Norte com os seus produtos lácteos. Em uma interessante parceria com pequenos produtores, abarcou 15% do mercado com produtos lácteos de boa qualidade da marca Isis.

Outro empreendimento exemplar, esse de grande porte, é a Fábrica de Laticínios Betânia com a sua maior planta no município de Morada Nova no Ceará que processa em torno de 450 mil litros de leite diários e em processo de expansão para outros estados do nordeste.
As análises revelaram ser o leite de cabra um atrativo não somente para a ingestão medicinal, por ser aquele que mais se assemelha ao leite materno, mas também pela perspectiva do seu aproveitamento na fabricação de queijos finos de grande aceitação.

O pequeno laticínio da Carnaúba foi o exemplo que motivou outras pequenas agroindústrias que vão surgindo, produzindo com boa qualidade e com muito boa aceitação, como é o caso de um deles instalado no município de Soledade e já em  produção.

Há por parte dos produtores, a queixa com relação a dificuldade legal no registro dos seus produtos que sinceramente esperamos que sejam superadas. É o mínimo que o poder público pode fazer em prol deles, dentro do que dispõe a legislação que se atrapalha deve ser modificada.

https://www.dinheirorural.com.br/o-queijo-do-poeta/

Na esfera pública a Empresa Paraibana de Pesquisa e Extensão Rural-EMPAER, tem realizado um trabalho de aprimoramento do banco genético de caprinos e bovinos que coloca a Paraíba numa posição de destaque no cenário nacional como maior produtor de leite de cabra do Brasil.

As estações de monta das fazendas Pendencia em Soledade, onde há a seleção de caprinos; a estação de monta João Pessoa em Umbuzeiro, onde há a seleção da raça gir leiteiro; a estação de monta da Empaer em Alagoinha que cuida da seleção das raças guzerá, gir e Sindi leiteiros; além da estação de monta de Tacima para a seleção de caprinos e ovinos.

Há uma infraestrutura pronta para a assistência ao pequeno e médio produtor rural e as coisas só não acontecem na sua plenitude por conta da limitação de recursos do governo federal para custear o Pronaf e pela falta de políticas públicas na esfera governamental, mesmo consciente que a agricultura familiar é a responsável pelo suprimento da mesa dos brasileiros, inclusive do palácio da redenção e dos palácios do planalto e da alvorada.

Ainda segundo a observação de Manelito, o nordeste brasileiro tem sol, tem energia, tem solo, tem clima podendo  deixar de ser um problema para se transformar numa região perfeitamente viável, desde que nos rendamos às evidencias e não inventemos de brigar com a natureza e sim conviver harmonicamente com ela.

O Oeste dos Estados Unidos é uma região muito mais seca do que nosso semiárido, tendo grandes áreas desérticas. Pois bem, lá está concentrada a maior criação de bovinos de corte do país. Porque será?

A Espanha é quase toda ela seca e de solo muito pobre, como seco é o sul da Itália e grande parte da Austrália e ninguém ouve  falar nisso. Porque será?

Ninguém ouve falar nisso porque a seca para eles é um problema resolvido!
O nosso semiárido tem precipitação média de 600 a 700 mm. Isso seria seca ou uma irregularidade temporal e espacial de chuvas?

O êxodo rural vem crescendo ano a ano e esse é um problema social que precisa ser enfrentado com firmeza, sob pena do tecido urbano entrar em putrefação em todos os sentidos.

A definição de políticas públicas voltadas para a população rural no seu próprio habitat, tem um custo social, sentimental e financeiro muito menor do que a prestação feita na cidade, em áreas de ocupação irregulares ou áreas degradadas de grande fragilidade.

O preço social que as populações egressas da zona rural têm pago na periferia das grandes e médias cidades é muito alto. A desqualificação já os exclui naturalmente do mercado de trabalho, os filhos são criados juntos ao flagelo da droga e da prostituição o que lhes desalenta e acende na mente a chama da saudade imorredoura do seu chão, do seu habitat.

Tudo isso poderá ser evitado se lhes for dado acesso à terra improdutiva para que exerçam o seu trabalho com dignidade. Que sejam disponibilizados além da água, a habitação digna, a escola de qualidade e o serviço básico de saúde para ele e a família.

Para o seu oficio que lhes seja proporcionada assistência técnica para lhes orientar, além do acesso ao credito para investimento e custeio. Isso não seria despesa e sim um inteligente investimento social para deter a onda de violência que grassa nas cidades e no campo.

A fotografia do êxodo rural em 62 anos

É contínua a grande marcha migratória do campo em direção a cidade a partir do ano de 1960, quando 54,9% da nossa população era rural. Em 2010 esse índice caia vertiginosamente para 15,6% e a curva mostra uma tendência de queda.
Que a viabilidade existe é um fato real e comprovado. O que nos falta é uma política pública de enfrentamento.

Todavia e ao que parece, esse estado de penúria interessa às oligarquias dominantes no sentido de manter e agravar o quadro de pobreza do nosso povo para baratear o voto. Pense nisso e leve sempre a sério o ato de votar. Não caia na sandice de dizer que odeiam  política porque a classe dominante adora.  E  adora muito  mais quando têm certeza do seu ódio por ela!

Pense nisso!

 

 

 

Consulta:
https://www.embrapa.br/publicacoes-e-bibliotecas
https://www.google.com/search?q=Manual+do+criador+de+Bovinos.
Manoel Dantas Vilar Filho- Manelito- uma biblioteca ambulante;
Vivencia pessoal e observações do próprio autor

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