Sabedoria popular



Por:João Vicente Machado

O tempo e a idade me ensinaram a não duvidar da sabedoria popular e a procurar sempre uma razão cientifica nem sempre encontrada, para saciar a minha incredulidade e justificar as minhas elucubrações. 

Esnobar o depoimento de uma pessoa humilde sobre uma descoberta inusitada, fruto da observação de gerações, além de soar como uma deselegante grosseria pode revelar o limite da nossa inteligência humana e das nossas limitações que a empáfia esconde. O assunto é polêmico e nos meios científicos circula a hipótese de estagnação da inteligência humana que começa a ser aventada e questionada, mas deve ser mais bem estudada.

Em edição do ano de 2018, a revista superinteressante,  de responsabilidade da editora abril, publicou uma matéria  assinada por Alexandre de Santi e Juan Ortiz, onde são apresentados e discutidos, alguns estudos iniciados no ano de  1930, onde o tema é discutido e a meu ver é passível de um aprofundamento. 

Não é nosso propósito abrir uma polêmica nesse espaço e sim apenas narrar um caso verídico que presenciei,  deixando a critério dos leitores as conclusões, embora tenhamos as nossas. 

Repetimos por oportuno o poeta maranhense Gonçalves Dias, autor do poema Juca Pirama I, quando insistia  num bordão enfático: “Meninos, eu vi!”

   Uma vez aprovado no concurso público da CAGEPA no ano de 1976, fui imediatamente nomeado pelo então Presidente, o Dr. Guaraní Marques Viana hoje meu fraterno amigo e guru, como Gerente Regional do Rio do Peixe sediada  em Sousa. 

Naquela época a jurisdição da Gerência citada, incorporava o que hoje é a área territorial da Gerência Regional do Alto Piranhas em Cajazeiras. Portanto, fui Gerente de ambas.

Em uma época anterior ao Projeto Canaã, de mananciais mais escassos e rarefeitos, o abastecimento de São João do Rio do Peixe era feito a partir de um poço amazonas construído na margem esquerda do Rio do Peixe, bem próximo à Cidade, também chamado Cacimbão como o exemplo mostrado na fotografia abaixo, que mostra um poço idêntico no Jardim Botânico.
 
Poço Amazonas do Jardim Botânico

Na região citada, o índice de pluviosidade registra uma média anual de 700mm, além de estar sujeita aos  efeitos da escassez de chuvas. Diante disso é compreensível que o lençol freático sofra variações, além  de risco de falência.

Um dos operadores de elevatória do sistema era o senhor Francisco Félix (seu Chico Félix), conhecido por suas  estórias fantásticas e não muito verossímeis. Em lá chegando em companhia do pessoal da manutenção, enquanto eles trabalhavam no reparo de uma pane elétrica, eu entrevistava seu Chico Felix sobre o dia a dia do serviço e  como dizemos “la in nois,” assuntando, especulando.

Era mês de dezembro e a preocupação com o inverno já era presente e por isso despertando a minha curiosidade de sertanejo, perguntei para ele se, como agricultor, tinha alguma experiência com os sinais naturais  de chuva. Ele respondeu que apesar do leque de experiências correntes na região, pessoalmente só tinha o poço amazonas  como indicador e referência. Eu insisti no assunto e ele me respondeu:  sempre que vai chover o poço sobe de nível.

A resposta instigou o meu ego de engenheiro recém-graduado e confesso que achei a história fantasiosa, em que pese não ter elementos para contestá-la, quer por respeito à idade de seu Chico Félix, quer pela minha insegurança ou limitação técnica.

A partir de então fiquei matutando na mente, procurei o professor Josemir Vasconcelos de Castro, um cientista que houvera sido meu professor na Polí. Discutimos juntos várias hipóteses cientificas possíveis e inconclusas, até o tema se dissipar insolúvel, nos deixando frustrados, mas decididos a prosseguir nas investigações.

Transferido para Patos como Gerente Regional das Espinharas,  coube-me à responsabilidade  de operação e manutenção do sistema de abastecimento de água da  cidade de Piancó,  que  era abastecida da mesma maneira  de São João do Rio do Peixe, 247 Km distante, tendo como  operador  seu José Moreira que jamais conheceu seu Chico Félix.  

Em lá chegando em visita rotineira de inspeção, dessa vez eu fui direto à pergunta sobre experiências de inverno e a correlação com o  poço e a resposta foi também direta: “quando vai chover o poço aumenta de nível !”. 

A partir daí fui ficando cada vez  mais intrigado e comecei a acreditar na veracidade da  tese desses homens que   conviviam mais com o poço do que com a própria família, sendo natural  conhecerem-no como ninguém.

Como é que, mesmo retirando água continuamente de um poço precário, o lençol freático ao invés de rebaixar ascende? Perguntava a mim mesmo!

Na mesma viagem meu destino foi Conceição, 90Km distante de Piancó e  que possuía um sistema idêntico aos outros dois,  na  margem esquerda do Rio Piancó. O operador era seu Zé Gomes , que falava  pelos cotovelos e  a história se repetiu ipsis liters!
Veio-me à mente o ditado chinês que  nos ensina uma lição lógica: “Se o cavalo ganhar uma vez é por sorte! Se o cavalo ganhar duas vezes é por coincidência. Porém se o cavalo ganhar três vezes, pode apostar no cavalo!” 

Foi o que fizemos e por acaso mexendo nos meus alfarrábios, me deparei com um livro do segundo grau que era distribuído no período da ditadura pelo Programa Aliança para o Progresso (olhem o nome),  ilustrado, uma novidade para a época e  de autoria de Blackkwood&Autores.
Nele eu descobri uma fotografia atribuída ao cientista italiano Evangelista Torricelli, (1608-1647) testando o barômetro, instrumento ainda hoje usado e uma invenção atribuída a ele, justamente dentro de um poço.

Livro de Física Blackwood&autores

Imaginei eu, ora se as condições para chover no sertão (valei-me Marle Bandeira) entre outras variáveis são: umidade relativa do ar igual ou acima de 85%; pressão barométrica em torno de 1015mm/Hg; ventos de  moderados a forte, temperaturas altas, quando a pressão  barométrica aumenta,  o poço como um espelho livre tem a sua água empurrada para cima   impulsionada pela pressão sobre a terra e  tende a subir de nível  como mostra a figura autoexplicativa  abaixo:

Concluo sugerindo nunca duvidar de sabedoria popular, que encerra séculos de observação e merece respeito.

Referências: Chico Félix,Apolônio,Antonio Medeiros, Zé Moreira, Zé Gomes, Crizólogo, Julio Paulo, Zeca e Chico Morais(inmemoriam)
Fotografias: Qconcursos.com; produto.mercadolivre.com.br

João Vicente

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