Pois bem, mudando um pouco de assunto, já que abordamos a longevidade e alguns de seus problemas, vamos falar quase do mesmo assunto. Enveredando desta feita o casamento. Foi vendo a comemoração de bodas de porcelana (20 anos) de uma prima, que me inspirou a abordagem das bodas. Também me recordando de uma amiga que, ao completar 43 anos de casamento – as Bodas de Azeviche, que resolvi trazer além da reflexão uma espécie de retrospectiva na vida de um casal que já está junto a tanto tempo. Um amigo uma vez me disse:
“Ninguém fica tanto tempo casado assim, com o mesmo homem ou com a mesma mulher”!
Dito daquela forma, eu respondi: claro que existe, eu mesma sou um desses exemplos. Estava me preparando para a comemoração de minhas Bodas de Prata.
O tempo passou, muitas coisas vão acontecendo em nossas vidas, nossas vivências vão nos ensinando, os problemas e a vida dos amigos também contribuem para nosso aprendizado, daí comecei, não muito recentemente, a ler, pesquisar e fazer meus “apanhados”, sobre esses casamentos tão longevos.
Evidentemente, não irei abordar nomes de nenhum desses amigos ou familiares, mas hoje, posso afirmar como disse meu amigo, casamento nenhum dura tanto tempo assim. Sei que muitos de vocês irão discordar com essa afirmativa, mas vou tentar me justificar, e, posteriormente, façam suas análises.
Fui buscar em minhas memórias, algumas pessoas de nossa família que viveram tanto tempo casados, que não sei nem se tem título a ser dado a cada um deles.
A primeira festa de comemoração de uma Bodas de Ouro que ouvi falar, ainda era tão pequena, mas me lembro tantos detalhes daquela comemoração! Foi a irmã de minha avó, a quem chamávamos “Pepenha”. Não sei nem seu nome completo.
Depois, muito tempo depois, assisti uma outra grande festa de uma prima de minha mãe, e como foi a primeira vez que participei ativamente de uma festa como aquela, fiquei encantada. Nunca esqueci de uma serenata feita para o casal e a música cantada repetitiva vezes foi: Bodas de Prata de Carlos Galhardo, gravada em 1959. Os versos: “25 anos vamos festejar de união e a felicidade continua em meu coração…” Eu estava com 17 anos mais ou menos, não tinha nem experiência para contar de namoro, ainda mais de casamento. Só nunca esqueci da música, e ainda os tenho em minha mente.
Depois dessas festas, não me lembro mais de outras, mas tive a oportunidade de ouvir inúmeros depoimentos das mulheres que viveram algumas dessas uniões, que para quem nada sabia das suas histórias, achavam que a união era perfeita.
Vou contar-lhes uma delas, que na verdade, foi a que mais me ensinou. E foi por saber de tantas histórias como esta, que de vez em quando sinto a necessidade de dividir com outras pessoas. Tudo é aprendizado, quando nos colocamos no lugar do outro. Essa é a empatia. Quando nos colocamos no lugar do outro, somos capazes de sentir suas dores, tristezas, decepções e alegrias.
Vou iniciar como contávamos as histórias infantis. Era uma vez uma moça muito bonita, rica e cheia de talentos. Apaixonou-se por um rapaz mais pobre, mas de família respeitada e honrada. Eles moravam no sertão da Paraíba, num distrito de difícil acesso, mas que apresentava um certo desenvolvimento.
No entanto, com o advento da seca no Nordeste, a partir de 1915, iniciaram-se os estudos para a construção, pelo DNOCS, de grande açudes, e um desses foi construído nessa localidade, e parte das terras da família da matriarca da família, foi, de certa forma “entregue” ao governo, para não dizer um nome mais forte.
Causando a essas famílias verdadeiras dilapidações de seu patrimônio, causando grandes impactos sociais decorrentes da construção do Açude conhecido como Engenheiro Ávidos, no município de Cajazeiras. Sem querer mudar o foco, mas esse acontecimento, causou vários problemas nessa família, fazendo com que, por desgosto com o que o governo da época fez, fossem embora para o Ceará.
Com a partida da família para outras terras, a linda moça, por amor e por uma enorme coragem, coisa não muito encontrada nas mulheres daquela época, resolveu, por conta de seu casamento, permanecer em Engenheiro Ávidos e lá formar a sua família. Foi uma prole de 17 filhos, mas apenas nove sobreviveram às intempéries do clima e da forma de vida da época. A criação dos filhos não foi fácil, o marido se tornou caminhoneiro, e ela passou a criar os filhos praticamente sozinha. Costurava e administrava um pequeno rebanho bovino que garantia parte do sustento da família. Também se plantava milho, feijão e um pouco de arroz.
Por muito tempo, os habitantes do interior, viviam dessa forma. Os filhos, ao chegar a hora de ir pra escola, muitos eram colocados, neste caso, no seminário de cajazeiras, e posteriormente foram para os colégios agrícolas até de outros estados.
Voltando à questão do casamento longevo, pelos depoimentos ouvidos dessa senhora e de outras com histórias parecidas, não era nenhum conto de fadas. No entanto, os casamentos eram instituições que principalmente pelo acompanhamento religioso, não se desfazia. Nenhuma mulher se atrevia a deixar seus maridos, porque não eram aceitas pela família nem pela sociedade. É evidente que nem todos os casamentos foram exemplos parecidos com os que aqui descrevo. Existiram, e existem ainda, as chamadas almas gêmeas, que realmente cultivam o amor, o companheirismo e o respeito até o fim de suas vidas.
Mas, os exemplos que compartilho com vocês hoje, não fizeram parte desse amor verdadeiro apesar de terem ido até a partida de um dos cônjuges. Mas é essa questão que preciso chamar atenção nestas histórias. Nos dois casos as mulheres, foram traídas por seus maridos todo o tempo que passaram casadas.
Desrespeitadas, humilhadas, não só por palavras, mas sobretudo por atitudes. Uma delas me falou que seu marido todos os dias “visitava” a outra, ela vendo de sua calçada, quando ele entrava e saia da casa da outra mulher. O relacionamento teria iniciado, durante o resguardo de um dos filhos, e durou até o dia da morte de seu marido. Que teve sua morte apressada pelo uso de “certos medicamentos”, mesmo aos 80 anos de idade, fazendo com que seu coração não suportasse os efeitos do medicamento.
Assim sendo, voltamos a questão da longevidade, mas como viviam essas mulheres, que não podiam nem falar de seus sofrimentos, e suas mágoas?
Quando a primeira mulher que relatei me falou de sua vida, com os olhos cheios de lágrimas, me perguntou: Você suportaria isso? Naquele momento, desfilou em minha mente, o sofrimento guardado por aquela mulher forte, que criou seus filhos, respeitada por todos em sua comunidade, tida como uma mulher bem casada, mas a que custo para sua alma, ela viveu todos os anos aquele relacionamento abusivo. Nem as filhas, tão pouco os filhos, jamais pararam para pensar, nem para olhar para ela como um ser humano digna de carinho, afeto e respeito.
Dentre os dez mandamentos recebidos por Moisés no monte Sinai, um dizia. Não cometerás adultério. Sabemos que para época de Moises, os mandamentos eram as Leis que precisavam ser respeitadas.
Evidentemente, mesmo nos dias de hoje, como alguém pode ser feliz, traindo sua esposa e seus filhos? As dores causadas pela traição são muito fortes. Muitas mulheres caem em depressão, desequilibram seus organismos e acabam desenvolvendo patologias que não se alcança a verdadeira Cura. Nós mulheres precisamos sermos mais parceiras, mais cuidadoras umas das outras. Se um homem é traído, a mulher que o traiu se torna um horror para a sociedade.
Muitas deixam até de ser consideradas, ainda hoje, como mulheres de respeito. Mas quando a traição vem do homem, em primeiro lugar, nunca ele trai só uma vez, mas é sinal que ele é um garanhão e é aplaudido pelos companheiros e amigos.
Casamento para receber esse nome, precisar existir respeito mutuo, companheirismo, e como diz a música de Carlos Galhardo, a felicidade, apesar do tempo, precisa palpitar em nossos corações. Olhar as estrelas e o cair da tarde de mão dadas, e as carícias de um abraço, jamais cairão de moda.
Vivemos em outros tempos, hoje a mulher já conseguiu garantir muitos direitos, políticas de proteção, e tantas outras ferramentas que lhe amparam, mas o silêncio, a falta de coragem ou as dificuldades financeiras ainda são obstáculos para uma tomada de decisão. No entanto, mesmo com outros tipos de situações, por exemplo doença de um dos parceiros, que às vezes nos impede uma mudança de vida, precisamos aprender que não temos donos, que somos livres e precisamos, ainda mais nestas situações, desenvolver nossa autoestima e, mesmo que a liberdade seja parcial, precisamos aprender a construí-la.
Nascemos para sermos livres e felizes, e uma prisão, ainda que tenha como símbolo uma aliança, não pode nos deixar prisioneiras para sempre. Nossa liberdade de autopreservação e amor próprio é moda em todas estações de nossa existência. E como dizia a seresta sobre a felicidade no coração, quando essa não mais existir, está terminada a relação. E, para além, as leis mosaicas dizem que devemos honrar nossos pais, mas não esqueçamos de honrar a memória de nossas mães não usando os direitos que elas tanto lutaram para que tivéssemos.