Hoje tem espetáculo?

 Por: Cristina Couto

Final da década de 1960 e toda a década de 1970, em Lavras da Mangabeira o divertimento e entretenimento da população eram as calçadas a noite para os adultos, para os jovens os encontros na praça, e para as crianças brincadeiras de roda, pega-pega, bigorrilho, pular cordas, dramas nas salas das residências, sempre copiando os espetáculos circenses que se apresentavam na cidade por longos períodos, e quando partiam deixavam um enorme vazio, uma grande saudade e muitos ensinamentos. Nossas brincadeiras de criança eram incontáveis, seria impossível enumera-las aqui.

Esporadicamente chegava a pequena cidade uma Companhia de Circo que se instalava no lugar e demora meses; o Circo Araújo chegou a passar mais de um ano, alugando casa na cidade. Sem sombra de dúvidas era casa cheia e sucesso garantido. A alegria e expectativa tomava conta de todos; o vai e vem de gente indo olhar a armação das lonas, tendas, picadeiro, trapézio, e até mesmo se prontificando a ajudar era uma constante. Os buchichos nas portas, calçadas, comércios e cafés eram em torno da novidade. Quantos são? Quem apresenta o que? Como se chamam? E quais as atrações?. Muitas senhoras de hoje receberam o nome de bailarinas do circo, são muitas Liduínas do Circo Araújo, as Mércias do Circo Acadias e quantos William? E Washington?

Na estreia a peça fundamental era o Palhaço da Perna de Pau ele percorria as ruas da cidade em cima daquelas altas pernas feitas de madeira na mais perfeita destreza e no mais desafiante equilíbrio, fazendo da madeira uma extensão do próprio corpo, e atraindo para si a atenção de muitos meninos que o seguiam fielmente, fazendo algazarra, gritando, rindo e enchendo a cidade de alegria. Como prêmio recebia como a entrada franca no espetáculo vesperal. A garantia era um carimbo no braço indicando a cortesia, o que desmotivava a criança do banho no final da tarde.

O trajeto percorria as principais ruas da cidade, onde o palhaço era seguido pela meninada, muitas frases eram ditas e respondidas com euforia, alegria e rapidez. Era a  divulgação e garantia de casa cheia nos dois turnos. Cassioto um dos últimos pernas de pau que andou por Lavras da Mangabeira vestia uma calça muito colorida, larga e curta e animava as ruas dizendo assim:

Palhaço: Hoje tem ESPETÁCULO?

Meninada: Tem, sim sinhô.

Palhaço: AS 8 HORAS DA NOITE?

Meninada:  Tem, sim sinhô

Palhaço: O palhaço, o que é?

Meninada: É ladrão de mulhé.

Palhaço: Oh! Benedito Bacurau?

Meninada: Tá no oco do pau.

Palhaço: Oh! Dona Mariquinha meu cachorro entrou aqui?

Meninada: Entrou, entrou e nunca mais saiu.

Palhaço: Pompeu, Pompeu 

Meninada: Sua mãe morreu!

Palhaço: E a cabeça do palhaço? 

Meninada: O urubu comeu!

Palhaço: Hoje tem marmelada?

Meninada: Tem, sim sinhô.

Palhaço: Hoje tem goiabada?

Meninada: Tem, sim sinhô.

Palhaço: O palhaço, o que é?

Meninada: É ladrão de mulhé.

E assim seguia o palhaço, arrastando pelas ruas a criançada da minha pequena cidade. Hoje seguem a memória, o passado e a saudade… 

     

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