Por: Cristina Couto;
O encurtamento da distância pela Internet nos possibilitou encontrar pessoas que há tempos não tínhamos notícias. Para minha surpresa, em novembro de 2022, recebi um presente de Natal em forma de mensagem, um belo e emocionante relato de gratidão de uma velha amiga que foi muito importante na minha tenra infância. Minha amiga, minha companhia nas brincadeiras de criança. Seu nome: Maria Jacinta Almeida Nunes de Andrade. Hoje reside em Worcester-MA, nos Estados Unidos da América.
A nossa casa da Volta era ampla, bonita, arborizada, abundante e muito próspera. Existiam muitas casas no seu entorno, algumas mais próximas, outras com uma certa distância e outras bem mais afastadas. Mas, quase todas habitadas com funcionários do Ministério da Agricultura, apenas uma, e, a mais próxima da nossa casa ficava desocupada, desocupada é um modo de falar, ela ficava disponível para pessoas que necessitavam de moradia e não tinham condições de pagar aluguel. Naquela época a vida era muito difícil, quase toda a população vivia da agricultura e da pecuária, a grande maioria não possuía terra. Eles eram moradores de quem tinha.
Os nossos vizinhos eram muitos solícitos, simpáticos e gostavam muito da nossa família. As noites, quando ficávamos em casa eles vinham para o alpendre, sentavam e conversavam entre uma rodada e outra de café.
Assunto não faltava, novidades da cidade, notícias que vinham através do Radio, único meio de comunicação daquele tempo, e como esquecer as histórias de João Grilo e Pedro Malasartes, as de Camões e as sabedorias de Jesus e Pedro quando andaram na terra. Todas eram de cunho moral.
Em meados de 1960 uma família muito querida ocupou a casa reserva como costumo chamar. O que foi bom para ambas uma troca salutar, troca de trabalho, de afeto. Uma parceria que deu certo. Foram anos felizes nas nossas vidas.
Nunca esperei que aquela amizade tivesse feito tão bem para eles, para minha família foi inesquecível, sempre nutri um grande afeto por todos. Jacinta me disse que mandaria um breve relato daquela época e dos seus sentimentos, Confesso que chorei de alegria, gratidão e saudades.
Como compartilho minhas alegrias e saudades com todos, mostrarei a mensagem que minha amiga, vizinha e parceira me enviou e recebi como um presente valioso de Natal em 30 novembro de 2022:
Lembro-me, eu tinha 9 anos. Morava na Rua do Rosário, em Lavras da Mangabeira. Éramos uma família de 12 pessoas. Meus pais e 10 filhos. Eu via muitas dificuldades na família. Meu pai sem condições de arcar com as responsabilidade, as minhas irmãs mais velhas procuravam trabalhar para ajudar a família. Principalmente, a Santinha que já tomou toda responsabilidade desde então.
Vivíamos sendo despejados, foi quando através da amada irmã Santinha, por sinal, muito querida por todos os Lavrenses e pela família Almeida/Couto, recebemos uma grande caridosa ajuda do Dr. Benevenuto Teles Couto, Dr. Bené como era conhecido.
Dr. Bené nos acolheu com amor em uma casa no Posto Agrícola a 3 km da cidade. Não só ganhamos a casa, mas também, uma linda família. Dr. Bene e Marilê já tinham dois filhos: Cristina Maria e Carlos Magno.
Eu ganhei uma agradável função; brincar com Cristina. Para mim parecia que estava vivendo um sonho. Não tive brinquedos antes, muito menos uma boneca, Ali me via em meio a muitos brinquedos, muitas bonecas e uma menininha linda para brincar comigo. Além de brinquedos tivemos oportunidade de conhecer estórias infantis que na ‘época chegava para a família em slides e discos de vinil. Íamos para casa da vovó Donana, para ver as estórias de Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve e os Sete Anões, Cinderela, João e Maria e outras.
Minha mãe era muito querida pela família, gostava de apertar o narizinha de Cristina, dizendo ela para afilar, ela tinha a função de lavar as roupas. Minha irmã Terezinha cuidava da casa e minha irmã Socorro cuidava da cozinha orientada pela Dona Marilê que era muito habilidosa em culinária.
Lembro-me que tinha época de cajú e goiaba todos nos ajudávamos com os doces. Muitas vezes ajudei a Dona Marilê enrolando docinhas para festas de aniversário das crianças. Aprendi também a fazer pasteis a partir da massa. Eu ficava maravilhada com todo aquele cenário. O mais importante é que éramos muito bem tratados.
Dr. Bené tinha dois filhos do primeiro casamento: Feitosa e José Emicles, muito educados, quando estavam em Lavras conviviam muito bem conosco. Meu irmão Dedé brincava muito com Jose Emicles e Carlos Magno. Cuidavam dos pássaros e andavam de bicicleta. O quintal era lindo! tinha viveiros com muitas espécies de pássaros. Aves diversas e coloridas, como Pavão, Perus e galinha d’angola.
De vez em quando ouvia-se gritos de Dr. Bené chamando ABDIAS. Ele era um senhor muito simpático que fazia variados serviços, como também cuidava da manutenção da casa e cuidava dos pássaros. Ele era muito amado por todos. Naquela família havia muita Paz e Amor.
Dr. Bené, teve outra participação especial na minha vida espiritual: Foi meu padrinho na minha Primeira Eucaristia. Onde me vi, chamava-me de afilhada.
Não sei bem quanto tempo moramos lá. Mas foi um tempo abundante.
Nunca vamos esquecer de todo Amor que recebemos desta família.
Worcester-MA, 30/11/2022.
Maria Jacinta Almeida Nunes de Andrade.
Depois que li sua mensagem chorei copiosamente de alegria e de gratidão e de saber que nossa família fez tão bem a essa família que acabou sendo nossa também. Guardo com carinho esse relato e em breve ele será o Prefácio do meu livro de Crônicas.
E como disse Fernando Pessoa: “Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!”