Por: Antonio Henrique Couras;
Hoje mais cedo percebi que algumas plantas estavam murchas. Mais uma vez percebi que as negligenciei. Nos últimos dias vim percebendo alguns episódios depressivos. Nada muito grave como outrora senti, mas ultimamente venho percebendo que talvez tarefas que para a maioria das pessoas sejam automáticas, para mim são atividades a serem observadas com cuidado. Meu sono está bastante desregulado, me esqueço de comer e por vezes passo o dia com apenas uma ou duas refeições. Sair da cama continua sendo um pouco difícil. Preciso me lembrar de tomar banho, escovar os dentes, alimentar os animais, regar as plantas, recolher a louça suja, forrar a cama…
Olho para as folhas amareladas, as pontas secas, e vejo um espelho do que acontece comigo. As plantas, assim como eu, também precisam de cuidado diário. Algumas exigem mais sol, outras mais sombra; algumas precisam de pouca água, enquanto outras não sobrevivem sem regas frequentes. Não há uma fórmula única para todas, como não há para as pessoas.
Nos últimos tempos, venho aprendendo que cuidar de mim é como cuidar de um jardim. É preciso observar, entender as necessidades do momento, respeitar o tempo de cada coisa. Há dias em que o sol bate forte e tudo parece mais claro e fácil. Nesses dias, rego as plantas, organizo a casa, preparo uma refeição completa e até me aventuro em algo novo. Mas há outros dias em que as nuvens encobrem tudo, e então até o simples ato de levantar da cama se torna um desafio.
No passado, eu me cobraria ferozmente. Eu me diria coisas duras, que talvez nem ousasse dizer a um estranho. Você já reparou nisso? Somos, muitas vezes, os nossos piores críticos. Se um amigo estivesse passando pelo que passo, eu o aconselharia com carinho, diria que tudo bem não estar bem o tempo todo. Mas, quando se trata de mim, a cobrança vem como uma tempestade.
No entanto, o tempo e algumas cicatrizes me ensinaram algo valioso: gentileza não é apenas para os outros. É para mim também.
Ser gentil comigo significa entender que alguns dias não serão produtivos, e isso não me faz menos capaz. Significa saber que esquecer de regar as plantas não me torna um fracasso, apenas alguém que, naquele momento, estava com a mente ocupada demais para se lembrar disso. Ser gentil comigo significa perceber que levantar da cama já é um feito, que tomar um banho quente pode ser um ato de autocuidado, que comer algo, mesmo que simples, é uma forma de me nutrir.
Mas nem sempre é fácil. A sociedade nos ensina que devemos ser produtivos o tempo todo, que devemos acordar cedo, cumprir todas as obrigações, sorrir para os outros e manter a casa impecável. Ensina que descansar é preguiça, que ter dificuldades em realizar o mínimo nos torna inadequados. Mas a verdade é que não somos máquinas. Não fomos feitos para operar no automático o tempo inteiro.
O que acontece quando insistimos em ignorar nossas próprias necessidades? Quando ignoramos a exaustão, quando fingimos que está tudo bem mesmo quando não está? O corpo fala. Ele nos dá sinais: cansaço constante, insônia, ansiedade, dores sem explicação. A mente também responde, tornando tudo mais difícil, mais nebuloso. E, quando isso acontece, o que mais precisamos não é de mais cobrança, mas de acolhimento.
E acolher-se significa permitir-se sentir. Significa entender que tudo bem não estar bem o tempo todo. Significa aceitar que há momentos de sol e momentos de chuva, e que ambos fazem parte da vida.
É um aprendizado constante. Ainda me pego me cobrando por não fazer tudo que gostaria, por não conseguir acompanhar o ritmo dos outros, por precisar de pausas frequentes. Mas, aos poucos, estou aprendendo que meu ritmo é meu, e não precisa ser comparado ao de ninguém.
Quando olho para minhas plantas, vejo que algumas crescem rápido, enquanto outras demoram mais para se desenvolver. Algumas florescem com facilidade, enquanto outras levam meses para dar sinal de vida. E todas estão vivas. Todas têm seu tempo.
Assim como elas, eu também estou crescendo, mesmo que às vezes pareça que não. Há progresso, ainda que lento. Há vida, ainda que, em alguns dias, pareça difícil enxergá-la.
Acredito que ser gentil consigo mesmo seja um dos maiores desafios que enfrentamos. Talvez porque, no fundo, tenhamos medo de que, ao afrouxar a disciplina, nos percamos de vez. Mas isso não é verdade. O que nos faz perder não é a gentileza, mas a rigidez extrema.
Se me permito descansar quando preciso, sou mais capaz de me reerguer no dia seguinte. Se me trato com carinho, posso encontrar forças para continuar. Se me dou tempo para respirar, posso florescer novamente.
E isso não significa que não haja espaço para disciplina. O cuidado próprio também envolve esforço. Significa criar hábitos que nos façam bem, mesmo quando não temos vontade. Significa lembrar-se de regar as plantas, de alimentar os animais, de tomar um banho quente. Mas sem culpa. Sem a exigência de perfeição. Apenas com a consciência de que somos seres humanos, imperfeitos e em constante construção.
Hoje, reguei as plantas. Amanhã, talvez eu consiga fazer um pouco mais.
E tudo bem.
Isso é suficiente.