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Reencontro

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Por:Antonio Henrique Couras;

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Um dos problemas de se mudar de ideia é que temos que nos habituarmos com a nova realidade trazida por nossas escolhas. Passei, literalmente, metade de minha vida me preparando para buscar uma carreira, contudo, há alguns meses vi que isso não era mais o que fazia meus olhos brilharem.

Assim, decidi trilhar um caminho que ainda não sei bem o que é. A ideia de viver viajando pelo mundo longe da minha família, que outrora parecera um sonho, hoje fica ofuscada pelas manhãs tranquilas ao som dos passarinhos, cafés da manhã calmos e bolinho feito com as laranjas do quintal.

Hoje busco uma carreira que me permita viver minha casa e minha família e ainda assim poder ser de serventia para o próximo. Não sei se irei trilhar um caminho pelo serviço público, iniciativa privada ou terceiro setor. Sei que todo começo é complicado. Até minhas novas raízes se firmarem terei um longo caminho.

Hoje, ainda meio perdido e tentando me reencontrar, me vejo, em muitos momentos sem ter o que fazer. As atribuições do trabalho ou do estudo estão em dia, a casa está organizada e a ideia de sair da cama não parece fazer sentido.

Mas ontem resolvi, já no final da tarde, com o clima mais ameno, ir capinar o jardim. Ali enquanto respirava um pouco depois de arrancar o mato que crescia nos caminhos e nos canteiros, fui, aos poucos, me reconectando com a pessoa que eu era quando projetei aquele espaço, quando plantei aquelas plantas.

É curioso, principalmente nesses momentos em que estamos perdidos, no reencontrarmos com quem um dia, não muito distante, já fomos. Os planos que tínhamos, como a nossa vida era… Mais do que qualquer coisa, esses reencontros nos mostram que somos capazes de coisas que não sabíamos, nos iludíamos com coisas que hoje consideramos tolice, no apaixonamos por pessoas que, hoje, sabemos não serem certas para nós.

Da mesma forma nos deparamos com os “eus” do passado que foram capazes de muitas coisas estupendas. Ainda me surpreendo com a vivacidade e energia que tinha quando mais jovem. Entrei na faculdade falando umas quatro línguas que aprendi enquanto estudava para o vestibular e ainda coordenava a construção da casa onde hoje moro. Coisas demais para um adolescente que não sabia nada da vida.

Hoje, um pouco mais maduro, olho para o passado com um inconteste orgulho. Vejo as árvores que plantei se tornarem gigantes, a casa que projetei se tornar o xodó da minha sobrinha. Lembro-me das incontáveis aulas que sofri para aprender um idioma se pagarem ao me dar conta que participo de reuniões em espanhol, assisto filmes em inglês, e, ao ouvir uma música, percebo que uma palavra que não conheço é de algum dos dialetos da península itálica e não da língua de Dante que aprendi já faz mais de uma década.

Assim como as árvores que plantamos levam tempo para frutificar, as nossas ações e escolhas na vida levam tempo para dar resultado. Também, devemos sempre contar com a participação inevitável do acaso. Na vida e no jardim.

Uma das árvores mais queridas do meu jardim nasceu por acaso, plantada por alguém que arremessara seu caroço à beira do caminho ou por um passarinho. Uma enorme pitombeira que nunca deu frutos, mas que ano atrás de ano, perfuma seus arredores com uma florada que faz dançar centenas de abelhas todos os dias.

Enquanto limpava os canteiros e pensava em podas e adubações, percebi que a pitombeira apresenta as primeiras folhas amareladas do ano. Sinal de que em poucas semanas derrubará toda a sua folhagem, se recobrirá de novos brotos e se encherá de perfumadas flores. Quantos anos não faz que vi aquela plantinha que achava ser mato, e hoje é um dos grandes espetáculos da natureza que eu tenho a honra de presenciar?

Da mesma forma que a pitombeira nasceu firme e resiliente no meu jardim, sem planejamento algum, espero que a nova fase da minha vida, que se mostrou de forma totalmente inesperada, também seja uma grata surpresa, e que ano após ano me brinde de incomparável alegria.

Se assim não quiser o destino, que assim seja. Precisamos semear, mas também nos acostumarmos que nem todas as sementes vingarão. Outras vezes, como no jardim onde plantei incontáveis bulbos de amarílis, que demoraram três anos para me dar uma florada completa, mas que no ano seguinte foram devoradas por lagartas. Talvez tenha perdido as plantas que cultivo há uma vida. Talvez um sacrifício natural para alimentar centenas de lagartas que virarão borboletas. Talvez, daqui a uns meses seja brindado com uma inesperada floração dos bulbos escondidos. Quem sabe?

O meu jardim, sendo um microcosmos da natureza me ensina cotidianamente. Ensina que coisas que não planejamos podem dar bons frutos, coisas que cultivamos com afinco não florescerão pois essa não é sua natureza, mas que muitas coisas, mais cedo ou mais tarde, darão seus frutos como nos esforçamos tanto para que o fizessem. O importante é persistirmos e nos permitirmos perdermo-nos e nos reencontrarmo-nos nesse processo.

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