Memória arranhada

Por:José Nunes;

Na minha terra vivia o tempo de menino silencioso, extasiado olhava as estrelas, andava pelas capoeiras escutando os pássaros cantando.

Chegando do interior com as mãos calejadas e nos pés as marcas do barro vermelho, andava por esta cidade como um camponês, olhava constantemente o chão, sem ainda entender o sentimento do poeta português. Cumprimentava autoridades com profunda inclinação da cabeça, em reverência e respeito. Parava diante de monumentos conhecidos pelas fotografias que chegavam à Serraria.

Em 1971, chegando de uma longa viagem em João Pessoa, tudo era deslumbramento para mim. Do Varadouro caminhava pelo aceiro da Rua Maciel Pinheiro até cruzar a Rua da Areia e ao Ponto de Cem Réis. percorria a Praça 1817, para depois passar pela Praça dos Três Poderes, onde o encanto se espalhava a partir dos monumentos construídos pelos jesuítas, onde está a imponência arquitetônica da Capital. O Pavilhão do Chá, chamava a atenção pelo formato do cocuruto, semelhante a um chapéu coco.

A cidade das acácias acolhia brejeiros, caririzeiros, curimatauzeiros e sertanejos que se misturavam como mesmo sentimento, alguns carregando as mágoas ou as alegrias de caboclos da roça que andavam com a cabeça baixa, como estando no mundo da lua.

A década de 1970 conservava o rastro de prédios e monumentos que identificavam a paisagem de séculos passados, o apogeu da cidade mantida pela bonança da pecuária, do algodão, agave e cana-de-açúcar, símbolos que se destacam em nossa bandeira, um tanto esquecida.

Cinco décadas depois, a paisagem se transformou em saudade. O rasto da imponência política, econômica e religiosa ficou em poucas páginas de jornais ou no imaginário popular que pode também desaparecer. Muita coisa desapareceu como se espalham as nuvens no infinito, ficando a poeira na memória.

É fácil identificar no abandono de prédios residenciais e públicos, um pouco do apogeu de outrora. As beiras e as eiras dos prédios residenciais, sinais de ostentação, hoje representam a saudade e caminham ao esquecimento.

Cheguei aos poemas de Augusto dos Anjos onde estão o coração das catedrais imensas. Lembro dos pórticos de Florença, de arquitetura do século quinze, decantados no imaginário metafórico de poetas, como também aos templos das longínquas construções medievais, até passear com o poeta paraibano pelas ruas da Parahyba do início do século vinte, e chegar a outro poeta do nosso tempo, aquele que definiu um roteiro lírico da cidade. Para depois caminhar com o professor em busca dos lugares onde estão os passos da poesia de Augusto.

A força econômica saindo dos canaviais, a cidade fincou os alicerces nas margens do Sanhauá para se espraiar a partir do alvorecer do terceiro milênio, tudo cantado por Jomar Morais Souto.

Os poetas dos tempos presentes, Augusto e Jomar, retiraram da retina as imagens observadas, aquilo que Gonzaga Rodrigues e Luiz Augusto Crispim compuseram na crônica sem reboco. Os cronistas do cotidiano da cidade pintaram com pincel de rimas livres as imagens que os poetas observaram com o olhar metafórico.

Os quatro, poetas e cronistas, vitaminaram o professor Milton Marques Júnior para vasculhar a cidade em busca dos vestígios por onde passou o poeta maior.

O mato que outrora infestava os quintais das casas existentes nos aceiros dos rios Jaguaribe e Sanhauá, e nos pequenos riachos formados nos declives dos arrabaldes da cidade, chegou às paredes das casas abandonadas depois que os donos fizeram a viagem definitiva.

Raros os recantos da cidade antiga que não se encontre um arbusto na fresta das casas. O olhar poético do arquiteto Germano Romero, descobriu as madressilvas crescendo nas cumeeiras das casas onde antes o sol reluzia. Os monumentos ornados pelas nuvens amontoadas no horizonte avermelhado, nos entardeceres sobre as margens do Sanhauá, ficaram mais tristes.

Os edifícios majestosos que se tornaram invisíveis ganharam vida no fluxo da criação dos quatro artistas da palavra, seja na poesia ou na crônica, ou na atitude do professor. Seus gritos ressoarão. Não seja tarde demais para preservar a memória da cidade.

A cidade foi perdendo aparência da arquitetura antiga, enquanto escutava frases finas e tocantes, com estão nos poemas de Jomar e nas crônicas de Crispim e Gonzaga. Os gestos do professor Milton em buscar os caminhos de Augusto é uma tentativa de manter viva a memória dele e, consequentemente, de uma época. Mesmo que a memória da cidade continue arranhada.

 

Fonte: Todas imagens foram da internet/divulgação

Comentários Sociais

Mais Lidas

Arquivo