Por: João Vicente Machado Sobrinho;
De um modo geral os seres vivos que integram os diversos ecossistemas, por obra e graça da mãe natureza vivem em harmonia quase perfeita. A bem da verdade, vez por outra acontecem alguns desvios climáticos também naturais, os quais não chegam a comprometer o equilíbrio das diversas cadeias alimentares, nem o universo da diversidade.
O tão propalado desequilíbrio climático que é real, tem o condão de alterar profundamente o modus vivendis entre as espécies, seja por causas naturais como ocorreu com os dinossauros, seja por interferência do homo manus, responsável direta pela extinção de inúmeras espécies.
O uso dos recursos naturais para promover o desenvolvimento e o bem estar dos seres vivos, é possível sim e mais do que isso, é recomendável. Para tanto é imperativo que sejam rigorosamente respeitadas as regras de sustentabilidade e além do mais que as intervenções humanas obedeçam às formas mais sustentáveis de manejo.
O Rei Luiz XV da França, frequentemente recorria a uma frase que revelava a pura essência do egoísmo. Referindo-se ao seu Delfim o futuro Rei Luiz XVI ele dizia:
“Après moi, le déluge.” (Depois de mim, o dilúvio)
A história da humanidade registra alguns casos de desequilíbrios ambientais, com graves e deletérios impactos, que causaram grandes prejuízos pontuais, os quais felizmente puderam ser revertidos em tempo hábil. Vamos ao exemplo de um deles:
A saga da marcha para o Oeste dos Estados Unidos da América do Norte-USAN, conseguiu atrair um significativo número de pioneiros, os quais aspiravam uma vida digna para si próprios e para os seus descendentes. Os bucólicos filmes de faroeste, são pródigos em mostrar as comitivas de carroções em marcha lenta e decidida, a procura de um lugar adequado onde pudessem se fixar.
Uma das atividades econômicas agrárias mais preferidas por eles era a criação extensiva, preferencialmente a pecuária de gado bovino ou de ovinos, adaptáveis ao clima das imensas pradarias do meio oeste estadunidense.
O bioma do meio oeste dos USAN, prevalece vocacionalmente uma vegetação rasteira preferencialmente formada por gramíneas. É também uma região pródiga em animais diversos, em meio aos quais viviam também felinos como os lobos cinzentos ou coiotes do gênero canis lúpus. Uma espécie de mamífero carnívoro, sobrevivente à era do gelo.
No reino animal que é regido por cadeias alimentares, os herbívoros são as presas preferenciais dos felinos e se reproduzem em muito maior número do que os seus predadores. É o que acontece com as lebres, com os preás, com as capivaras, com os antílopes, com os servos, com os bovinos, com os ovinos e com caprinos etc.
Enquanto as femeas herbívoras chegam a parir até 4 vezes no ano, as femeas dos carnívoros têm um ciclo reprodutivo de frequência mais lenta e em número bem menor de filhotes. O que aconteceu foi que os rebanhos de pastoreio dos colonos que eram criados em pastagens extensivas fartas, começaram a se reproduzir em abundancia e vez por outra um filhote era capturado pelos lobos coiotes, o que despertou a ira dos colonos.
Diante desse quadro aflitivo, os criadores colocaram o couro do lobo cinzento à prêmio e os caçadores deram início a uma matança indiscriminada de lobos.
Simultaneamente os herbívoros foram se multiplicando e ao invés da perda de dois ou três filhotes capturados pelos lobos, os colonos passaram a perder um número cada vez maior de filhotes de ovinos e até de bovinos que morriam de fome. Somente assim foi possível descobrir a necessidade imprescindível do equilíbrio da cadeia alimentar e da importância do papel dos lobos. A matança foi suspensa e os lobos passaram a viver devorando um exemplar de vez em quando.
Voltemos então para o nosso tema que é a invasão das tilápias. Apreciemos as suas origens, investiguemos as causas e as consequências que poderão advir dessa real invasão e as possíveis soluções a serem adotadas para evitá-las.
A tilápia é uma espécie de peixe nativo da África e do Oriente Médio, muito presente na parte baixa do Rio Nilo, à jusante da Barragem de Assuã. Existem algumas espécies de tilápias e as mais conhecidas entre elas são a tilápia nilótica, (oreochromis nilóticos), a tilápia de Moçambique, (oreochromis moçambicus) e a tilápia azul (oreochromis aureus).
Apesar de ser catalogada como um peixe de água doce, a tilápia é facilmente adaptável à diversos níveis de salinidade e de temperatura da água, como é o caso das águas das lagunas litorâneas e dos deltas ou estuários de diversos rios.
Os primeiros registros históricos da tilápia foram feitos no Egito Antigo e a comprovação desse fato está na estampa da sua imagem na arte milenar dos egípcios.
Por ser uma fonte de alimento por excelência, a tilápia é considerado um valioso bem socioeconômico. A sua disseminação global teve início no século XX quando houve a difusão de uma aquicultura comercial de larga escala. A criação de tilápias é também usada para o controle biológico de algumas ervas aquáticas daninhas, bem como na proliferação e desenvolvimento descontrolado de mosquitos, inclusive aqueles do gênero anófeles e aedes aegypti.
“A tilápia é atualmente a segunda espécie mais cultivada no mundo, perdendo apenas para as carpas. Sua produção global supera os 6 milhões de toneladas anuais, com a China sendo o maior produtor. A popularidade da tilápia na aquicultura deve-se a vários fatores:
1. Economia: A tilápia é relativamente barata para criar, exigindo menos ração comparada a outros peixes carnívoros.
2. Nutrição: A carne da tilápia é rica em proteínas e baixa em gordura, atendendo à demanda dos consumidores por alimentos saudáveis.
3. Versatilidade Culinária: A tilápia pode ser preparada de diversas formas, como frita, grelhada, assada ou cozida, o que a torna atraente para diferentes paladares e tradições culinárias;”
A grande maioria dos peixes conhecidos no ecossistema do semiárido nordestino são peixes de piracema, tais como: a curimatã, o piau, a traíra, o salmão, o surubim, a piranha, os bagres de água doce etc, os quais somente se reproduzem por ocasião das enxurradas. Como a grande maioria dos rios do Brasil tropical são rios temporários, não seria exagero afirmar que a reprodução dos cardumes dos peixes de piracema, somente acontece uma vez ao ano, dependendo das chuvas.
Por sua vez tilápia um peixe considerado exótico no Brasil, onde foi introduzido na década de 1960, tal e qual uma sereia de água doce mesmo sem cantar, exerceu um grande fascínio nos piscicultores brasileiros, atraídos muito mais pela sua capacidade reprodutiva permanente e a enorme capacidade de rendimento financeiro, predicado que respondeu muito bem ao binômio custo x benefício. A sua adaptabilidade às águas de alto teor salino foi um achado para os criadores que dispunham das águas salinizadas em açudes do semiárido, nas lagunas e nos estuários dos rios temporários ou perenizados.
Segundo os números obtidos do Ministério da Pesca e Aquicultura, a produção de peixes no Brasil de um modo geral havia aumentado em 6,2% em 2023. Ela teria gerado R$ 6,2 bilhões de reais, o que corresponde a um aumento de 6,2% ou R$ 10,2 bilhões em 2023, num total de 655 mil toneladas de pescado de água doce.
A tilápia nesse filme, representa 67,5% da produção de todo pescado de água doce no Brasil, ou seja 442,125 mil toneladas.
Diz um adágio popular que “nem tudo que reluz é ouro,” e essa é uma grande verdade em relação aos peixes exóticos chegados ao Brasil, como foi o caso da tilápia, do salmão, da carpa e do panga.
A biodiversidade do Brasil é grandiosa e mundialmente conhecida. Somente os peixes de água doce, representam em torno de 9,8% da nossa fauna e têm catalogadas 3500 espécies. Destarte, não haveria nenhuma necessidade além da ambição humana desmedida, de importar essas espécies exóticas e estranhas aos nossos biomas.
A tilápia em virtude da sua grande produtividade, encheu os olhos dos aquicultores brasileiros e, rapidamente foi eleita como a garota propaganda dos viveiros e criadouros.
Tudo pelo simples fato de ser o pescado que melhor atende ao binômio custo x benefício.
O lado negativo da tilápia que nem é tão somente nem dela, é do seu modo de reprodução. Existe uma falha ambiental recorrente e imperdoável cometida pelos criadores inadvertidos e, mais do que isso, “descuidados” que durante o manejo dos viveiros e confinamentos deixam escapar exemplares que irão infestar as águas já citadas.
Poder-se-ia conferir à traíra, um predador natural, a grande missão de controlar a infestação dos nossos biomas aquáticos por peixes exóticos. Acontece que a traíra também tem sido vítima do homo manus que, armado da sua tarrafa de malha fina, está eliminando além da traíra, outras espécies predadoras, levando-as à extinção.
O governo federal tem a obrigação de endurecer a legislação e obrigar os aquicultores a obedecer a um rigoroso licenciamento ambiental, através de normas legais e rígidas, de proteção aos biomas citados, para evitar os peixes invasores como tilápia, salmão, pango etc. Por sua vez, os governos estaduais e municipais, através dos seus órgãos de extensão rural, se encarregariam de ministrar o treinamento adequado para esclarecer os aquicultores a fazer um manejo sustentável.
Do contrário, os invasores ao invés de alimento, irão se transformar num grave problema ambiental de dificílimo controle e exemplos é o que não nos faltam, como é o caso do saboroso tucunaré da fauna aquática amazônica, dos pardais no gênero das aves, e o nin indiano e a algaroba na espécie vegetal, os quais se transformaram em pragas.
Ha experiências em andamento como a modificação do gen da tilápia femea transformando-a em macho. Mas esse é assunto ao nosso ver melindroso que trataremos em um próximo artigo.
Referências:
A Tilápia: Origem e Importância na Aquicultura Global – Pescaria Total;
www.cnabrasil.org.br-197-TILAPIAS.pdf;
www,gov.br/mpa/pt-br/assuntos/noticias/copy-off-3png
Fotografias:
Lixo Urbano: Desequilíbrio na Cadeia Alimentar Criação;
Criação de tilápias: um negócio rentável e promissor | Cursos a Distância CPT;
www.gov.br/mpa/pt-br/assuntos/noticias/copy-3png;
Tilápia Micrpchiping – Pesquisar Imagens;
Entenda por que a invasão de Tilápias é motivo de preocupação no Brasil