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O Maniqueismo político na luta de classes

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Por: João Vicente Machado Sobrinho;

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Maniqueísmo etimologicamente é uma palavra classificada como substantivo masculino. O verbete é usado para representar o dualismo religioso que nomina a existência de um conflito cósmico entre o reino da luz (o bem) e o reino das sombras. (o mal)

Provavelmente o cineasta baiano Glauber Rocha, tenha enxergado no maniqueísmo a motivação adequada para o título do seu filme, Deus e o Diabo na Terra do Sol. No enredo, o dualismo maniqueísta é vivido entre um coronel rico e avarento, e o um camponês miserável que é  por ele explorado. A rigor é um  dualismo de classes, que confronta o capital e o trabalho. Melhor dizendo, escancara o confronto milenar entre a classe dominante detentora da riqueza  e a classe dominada que à riqueza não tem acesso.

A guerra de Canudos, tão bem descrita na narrativa magistral de Euclides da Cunha, é um clássico exemplo do maniqueísmo social e político de classe, que envolveu de um lado a força econômica  das oligarquias rurais, o latifúndio e a igreja, e do outro lado a resistência heroica dos deserdados.

Os miseráveis de Canudos eram vistos pela igreja católica da época como uma ameaça. Foram classificados como  cangaceiros,  fanáticos e místicos, convenientemente chamados beatos ou conselheiros, numa simplificação grosseira de um grave problema social que camuflava a exploração.

Atualmente o mundo vem atravessando uma voragem conservadora, expressa no recrudescimento preocupante do fascismo, que muitos julgavam fora de moda e morto. O fascismo é uma teoria política de extrema direita, criada por volta do ano de 1922 na Itália por Benito Mussolini. Ele ressurge agora repaginado e escamoteado,  usando palavras nacionalistas se escondendo por trás de um simpático disfarce de patriotismo místico, pregando “a salvação nacional cristã.”

Para os que conhecem na essência a filosofia e a prática evangélica do Cristo, é fácil perceber a incompatibilidade do verdadeiro cristianismo com a prédica e a prática do neofascismo que também usa o manto da religiosidade.

Quando os grupos antifascistas do norte da Itália executaram Mussolini e levaram o seu cadáver como troféu para exibição em praça pública, provavelmente tenham imaginado que também estavam executando junto com ele a filosofia do fascismo. Ledo engano!

Michael Löwy, em um artigo publicado em 20 de fevereiro de 2021 no periódico Esquerda, debruçou-se sobre o fascismo do nosso tempo, para defini-lo de forma didática e precisa. Esqueceu apenas de ressaltar que o neofascismo é um filhote bastardo do capitalismo.

Diz ele:

“O neofascismo não é a repetição do fascismo dos anos 1930: é um fenómeno novo, com caraterísticas do século XXI”, afirma, apontando que “a diferença mais importante” se situa no “terreno económico”. (grifo nosso) (1)

É ilusório pensar que o surgimento de figuras excêntricas como Donald Trump nos Estados Unidos da América do Norte-USAN, Jair Bolsonaro no Brasil, e por último Javier Milei na Argentina, tenha ocorrido por obra do acaso.

São personagens que podem até  serem  apontadas como um aleijo do terceiro mundo. No  entanto do grupo faz parte  Donald Trump que é a maior expressão entre os três, e já governou os USAN. Atualmente vive ameaçando a vida política daquele país com a perspectiva de um terceiro mandato como presidente da república de um país de 1° mundo, que é  a maior economia do planeta terra. (por enquanto)

Vejamos o que continua a nos dizer sobre o Fascismo, Michael Löwy:

“Jair M. Bolsonaro não é um caso único. Assistimos nos últimos anos a um espetacular ascenso, no mundo inteiro, de governos de extrema direita, autoritários e reacionários, em muitos casos com traços neofascistas: Shinzo Abe (Japão) – substituído recentemente pelo seu braço direito – Modi (Índia), Trump (EUA) – perdeu a presidência, mas continua a ser uma força política pesada – Orban (Hungria), Erdogan (Turquia) são os exemplos mais conhecidos. A isto devemos acrescentar os vários partidos neofascistas com base de massas, candidatos ao poder, sobretudo na Europa: o Rassemblement National da família Le Pen na França, a Lega de Salvini na Itália, o AfD na Alemanha, o FPÖ na Áustria, etc.” (1)

Não obstante, se por um lado não devemos  subestimar o Fascismo, não devemos por outro lado superestimá-lo. Lembremo-nos de uma frase bem conhecida dos navegadores, marujos e caiçaras do nosso litoral, quando sugerem prudência a alguém: Nem tanto ao mar, nem tanto à terra!

O que aparenta ser uma pandemia política sinistra, na verdade são casos que emergem pontualmente  em um determinado período histórico, os quais não nos sugere resignação e conformismo, a ponto de de considerarmos a época contemporânea como o fim da história como o fez o estadunidense Francis Fukuyama nos corredores da Escola de Chicago.

A despeito disso, não devemos cruzar os nossos braços, e ficarmos aguardando um mito salvador da pátria que venha nos ministrar um medicamento político com a eficácia anódina de um placebo. Essa seria uma atitude saudosista do sebastianismo do século XV em Portugal.

O neofascismo que recrudesce nos dias atuais, tem características próprias e não pode nem deve ser comparado ao velho fascismo da década de 1920. Ele, por mais que queiram negar, é um filhote bastardo do capitalismo de quem herdou a criativa capacidade de transfigurar-se para adquirir aparência inofensiva.

Quem teve a oportunidade de ver o filme de Martim Scorsese A Ultima tentação de Cristo deve ter percebido que nas suas aparições, o satanás não tem uma aparência única. Ora ele se apresenta como uma cobra, ora como um leão, ora como uma criança agradável e inocente e ora como um pilar de fogo. Essa mesma estratégia é usada com muita eficiência pelo liberalismo capitalista e o pelo seu filhote que é o neofascismo. Ele hoje em dia  é presente até no púlpito das igrejas fundamentalistas pentecostais, que gradualmente estão apartando  a sua pregação, do texto bíblico do  Novo Testamento, provavelmente pelos “maus exemplos” do Cristo.

Vejam um trecho do filme A Última Tentação de Cristo onde o satanás aparece com variadas transfigurações:

Os comentários sobre a pantomima que foi armada na av. Paulista no dia 25/02/2024,  amplamente noticiado pela imprensa oficial, pelas redes sociais ou pelas milícias digitais. Deram a panorâmica  de um palanque conservador de extrema direita, organizado por Silas Malafaia da Assembleia de Deus, com  o fito de desagravar Bolsonaro.

Como tudo que acontece nas nossas vidas  tem uma utilidade, o ato da Paulista  teve o condão de mostrar à nação brasileira que o neofascismo não está morto. Muito pelo contrário, ele está vivo e à procura de um outro rosto para assumir de forma sutil e menos espalhafatosa, o comando do protagonismo da extrema direita no Brasil.

Bolsonaro além de haver  esgotado o seu período de validade, perdeu também o que lhe restava de credibilidade, até por parte dos próprios filhos. Pelo que se informa, dos quatro cavaleiros do apocalipse apenas o senador Flavio Bolsonaro, chamado “o zero um” esteve presente no palanque

O número de participantes presentes, apesar de inexpressivo segundo a apuração da USP, (185 mil presentes) foi o suficiente para servir de amostragem  aos institutos de pesquisa. As sondagens feitas, revelaram a identificação de novas lideranças da extrema direita, dispostas a concorrer à presidência da república.

O nome de Jair Bolsonaro não fez parte da pesquisa pelo simples fato de estar ele inelegível até o ano de 2030, em decorrência das suas tropelias e indiciamentos. Hoje é semelhante a um galo apanhado.

A pesquisa dos nomes que se dispõem a concorrer ao pleito de 2026 como candidato a presidente da república, foi realizada pelo Correio Brasiliense e apontou o seguinte resultado: o outsider Tarcísio Freitas com 61% da preferência dos presentes; Michele Bolsonaro com 19%; Romeu Zema com 7%; Eduardo Bolsonaro e Damares Alves, (a da goiabeira)  cada com 1% das preferências.

O ato foi marcado para São Paulo por motivos óbvios:

1São Paulo é o maior bolsão de extrema direita, portanto o nicho político mais acolhedor e o maior produtor de outsiders do Brasil.

2São Paulo é o endereço da grande maioria dos grupos econômicos e financeiros, tanto no bioma industrial da Avenida Paulista, quanto no bioma financeiro da Faria Lima.

3-São Paulo é a sede da Assembleia de Deus, uma seita fundamentalista pentecostal, que segundo consta teve no capo Silas Malafaia o coordenador do ato.

4-São Paulo tem assegurado o apoio logístico à extrema direita, tanto por parte do prefeito Ricardo Nunes, quanto por parte do governador Tarcísio Freitas, que pode ser o maior beneficiário do espólio eleitoral de Bolsonaro.
É bem verdade que 185.000 pessoas em uma população de 12.000.000 de habitantes representa apenas 1,54% do universo.

O enfrentamento ao status quo que deve ser uma atribuição das forças populares e progressistas, as quais se aglomeram no campo da esquerda. Essas forças no entanto  têm tido grandes dificuldades. de decodificar as astúcias da direita e da extrema direita. À despeito disso, têm incorrido em erros capitais, os quais têm retardado o processo de libertação dos oprimidos.

Na nossa modesta opinião o maior e mais grave desses erros, é não fazer uso de lentes de aumento para enxergar e mais do que isso entender, que estamos numa encarniçada luta de classes. Afetado por uma miopia política endêmica e num devaneio utópico, parte do campo da esquerda imagina em chegar ao poder e promover as grandes transformações sociais pela via eleitoral.

A história contemporânea não registra nenhuma mudança política pela via eleitoral. A que esteve mais próxima dessa perspectiva foi a experiência do Chile de Salvador Allende, onde ocorreu um dos golpes de estado mais violentos e cruéis da história.

Recordemos um pouco dos fatos ocorridos no Chile:

“O período em que Allende governou o Chile passou a ser identificado como a experiência chilena. Allende acalentava a ideia de que seria possível a construção do socialismo mediante a manutenção e o aprofundamento da democracia. A isso ele chamou de “via chilena ao socialismo”. Tratava-se de uma proposição inédita de revolução, de repercussão universal.
Allende era um presidente minoritário: foi eleito com 36% dos votos e sua posse se deu no Congresso, com o apoio pontual da Democracia Cristã (DC). A política chilena da época estava dividida em três blocos: os liberais e nacionalistas, a democracia-cristã e o eixo socialista-comunista. Cada bloco sustentava seu próprio projeto de sociedade e, ao extremarem suas posições, dificultaram o equilíbrio do sistema político; as reformas implementadas por Allende evidenciaram-se excessivamente maximalistas e o caminho adotado para realizá-las, por meio do Executivo e sem negociação com o Congresso, tornou-se um problema incontornável; e o apoio dos EUA à oposição e, por fim, ao golpe de Estado, não deixa dúvidas a respeito do que se passou no Chile, transformado num dos palcos da “Guerra Fria.” (2)

A história tem sido pródiga em mostrar, que a via eleitoral pode e deve ser utilizada pela classe dominada sim, porém exclusivamente  como forma de acumular forças. Vivemos uma fase de opressão que certamente é efêmera em que a educação popular e a organização das massas exploradas deve ser continua, como fase preparatória para  as lutas sociais futuras.

Nas eleições presidenciais de 2002, provavelmente num dos raros cochilos da extrema direita, pela primeira vez as forças populares venceram uma eleição presidencial. A eleição emblemática de um operário fabril como presidente da república, depois de três tentativas eleitorais frustradas, foi um fato deveras surpreendente. Ora, um simples torneiro mecânico chegava ao governo depois de haver saltado por cima de toda espécie de preconceito, inclusive o do flagelo da seca, como retirante dela fugido e tangido pelo fantasma da fome.

O campo da esquerda e as forças progressistas, que foram  decisivas no êxito do  processo eleitoral, cometeram o grande equívoco de, ato continuo, abandonar a organização e a educação popular. Foram embalados pelo sonho chileno que acabou virando pesadelo, por   imaginar que com  a vitória de Lula a classe operária teria  chegado ao paraíso.

Esse foi um erro capital que voltou  se repetir novamente, na terceira eleição de Lula que, sem maioria parlamentar virou refém de uma plêiade de políticos insaciáveis.  

O programa Fome Zero, que foi imaginado por Frei Beto ainda no primeiro mandato de Lula, foi bombardeado pela extrema direita que enxergava não sem razão, ser ele o grande portão de acesso ao poder. A custa de muita pressão o programa foi transformado numa necessária e simples distribuição de renda, com o nome de Bolsa Família, e foi arrebatado definitivamente do controle do governo e entregue às prefeituras municipais nem todas elas de prática republicana, transformando o programa num guarda chuva político para parentes e amigos.

Vejamos um resumo da ideia inicial de Frei Beto, sob influência de  Josué de Castro: A matéria a seguir foi publicada em 11 de dezembro de 2002, 20 dias antes da posse do primeiro governo Lula:

“Só quem não conhece o projeto Fome Zero pode julgá-lo assistencialista. Além de combinar 25 diferentes projetos de políticas públicas, do Bolsa-Escola à reforma agrária, há o propósito de promover a educação cidadã, saciando assim não só a fome de pão, mas também a de beleza.
Os beneficiados deverão assegurar a presença dos filhos na escola e frequentar cursos profissionalizantes, tornando-se pessoas produtivas, capazes de obter renda a partir de seu próprio esforço. Mas é dever do governo garantir-lhes os recursos, como o crédito agrícola, para que possam dar o passo decisivo da exclusão à inclusão social.
Pessoas dispostas a trabalhar no projeto e a doar recursos terão sinalizados os caminhos a percorrer tão logo o novo governo assuma. Por enquanto, é preparar a sua implantação e criar vínculos com os parceiros institucionais.
Para quem deseja, ansiosamente, já contribuir para aplacar o drama de tantos famintos, sugerimos que participe da campanha Natal Sem Fome.
No Ano Novo, a meta será um Brasil sem fome.” (3)

O resultado de tudo isso é que parte do campo da esquerda assumiu de vez o sistema eleitoral liberal burguês, e passou a seguir o sistema eleitoral burguês navegando num  Rio político de duas margens. Na margem esquerda  o espaço é reservado à esquerda autentica minoritária, e a margem direita está instalada a esquerda liberal, acometida da  virose  eleitoral burguesa,  que só enxerga o carreirismo político e o usufruto de grupelhos, em grande esforço para se perpetuar no poder.

Até quando?

Mas essa é uma outra história à qual com certeza voltaremos oportunamente para discutir com os leitores.

 

 

Referências:
deus e o diabo na terra do sol – Pesquisar (bing.com);
O avanço do fascismo no mundo e no Brasil | Esquerda; (1)
Tarcísio é o preferido para presidência, diz pesquisa feita no ato pró-Bolsonaro (correiobraziliense.com.br);

Para filósofo, “fim da história” pode acontecer – de novo | Exame;
Jornal da Unesp | Há 50 anos chegava ao fim o Chile de Allende; (2)

Fotografias:
La trampa del maniqueísmo cultural | La Mañana (xn--lamaana-7za.uy);
Milei na Argentina e Trump nos EUA, o eixo do mal para Lula | Metrópoles (metropoles.com);
Para filósofo, “fim da história” pode acontecer – de novo | Exame;
Antes de ato na Paulista, Temer foi ao STF levar promessa de Bolsonaro de não atacar ministros | Blog da Daniela Lima | G1 (globo.com);
Batalha do La Moneda: do último discurso ao golpe fatal, os | Política (brasildefato.com.br);

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