Por: João Vicente Machado Sobrinho;
É impressionante assistir, ver e ouvir o excesso de zelo que a burguesia brasileira dispensa à saúde financeira do capital nacional e transnacional.
Os veículos de divulgação que integram aquilo que chamamos imprensa oficial, agindo em consórcio com redes sociais e com as milícias digitais aliadas, amaciam as fragilidades e se encarregam de relativizar a incompetência do ente empresarial privado. Reproduzem a priori, tudo aquilo que interessa ao grande capital, aparentando agir sempre de acordo com os humores da ideologia dominante.
Desprezam o modo dialético e o senso crítico no conteúdo daquilo que informam e, ao relativizarem as tropelias dos agentes econômicos privados, caem na vala comum de meros difusores de notícias analógicas para consumo diário dos incautos. Em assim procedendo, fazem de conta que informam, enquanto a grande maioria faz de conta que está sendo bem informada.
Em se tratando dos ativos nacionais que foram privatizados, eles são cuidadosamente retirados do noticiário e recebem um tratamento por demais generoso. Só retornam à cena quando se encontram em dificuldades financeiras, na maioria dos casos por má gestão, reclamando o socorro financeiro por parte do estado e na maioria dos casos conseguem. Foi assim com o Véi da Havan que conseguiu indulto de R$ 123 milhões devidos à previdência e ao imposto de renda. Os gestores privados podem tudo e todas as suas peraltices são justificáveis e perdoadas.
Enquanto isso, os ativos públicos e as suas respectivas gestões, além de padecerem por falta de recursos e contingenciamentos orçamentários constantes, estão submetidos ao rigor crítico da imprensa e as vezes experimentando solertes campanhas difamatórias, com o fito de demonizá-las perante à opinião pública, tornando-as potencialmente privatizáveis. É assim que tratam a Petrobrás e o BNDES.
Um exemplo concreto de empresa privada incompetente é o da operadora de energia elétrica do Estado de São Paulo, a ENEL que foi recentemente privatizada. Em novembro de 2023 ela foi protagonista do pior apagão da história da capital paulista que durou mais de uma semana. Os olhos míopes da imprensa oficial não conseguiram enxergar nela, nem culpa nem responsabilidade direta. Para isentá-la arranjaram mil e uma desculpas, desde a chuva intensa, até a falta de poda de árvores por parte do ente público que é a Prefeitura. Pelo visto a intenção real era passar pano na ENEL e retirá-la sutilmente dos comentários diários da longa falta de energia.
Em se tratando das empresas mineradoras privadas, costumazes devastadoras ambientais, elas têm sido protagonistas de desastres ecológicos recorrentes, de grande magnitude e de forte impacto ambiental. Foi o que aconteceu com o rompimento da barragem da cidade mineira de Mariana, gerida pela mineradora Samarco, sob o controle da Vale e da BHP Billiton.
Segundo os especialistas, a catástrofe provocou um impacto ambiental que se espalhou ao longo de quase toda bacia hidrográfica do Rio Doce, deixando sequelas que poderão perdurar por mais de 100 anos.
Vejamos alguns detalhes importantes:
“Em 05 novembro de 2015, ocorreu o pior acidente da mineração brasileira no município de Mariana, em Minas Gerais. A tragédia ocorreu após o rompimento de uma barragem (Fundão) da mineradora Samarco, que é controlada pela Vale e pela BHP Billiton.
O rompimento da barragem provocou uma enxurrada de lama que devastou o distrito de Bento Rodrigues, deixando um rastro de destruição à medida que avança pelo Rio Doce. Várias pessoas estão desabrigadas, com pouca água disponível, sem contar aqueles que perderam a vida na tragédia. Além disso, há os impactos ambientais, que são incalculáveis e, provavelmente, irreversíveis.
O rompimento da barragem afetou o rio Gualaxo, que é afluente do rio Carmo, o qual deságua no Rio Doce, um rio que abastece uma grande quantidade de cidades. À medida que a lama atinge os ambientes aquáticos, causa a morte de todos os organismos ali encontrados, como algas e peixes. Após o acidente, vários peixes morreram em razão da falta de oxigênio dissolvido na água e também em consequência da obstrução das brânquias. O ecossistema aquático desses rios foi completamente afetado e, consequentemente, os moradores que se beneficiavam da pesca.
A grande quantidade de lama lançada no ambiente afeta os rios não apenas no que diz respeito à vida aquática. Muitos desses rios sofrerão com assoreamento, mudanças nos cursos, diminuição da profundidade e até mesmo soterramento de nascentes. A lama, além de causar a morte dos rios, destruiu uma grande região ao redor desses locais. A força dos rejeitos arrancou a mata ciliar e o que restou foi coberto pelo material.
Por fim, espera-se que a lama, ao atingir o mar, afete diretamente a vida marinha na região do Espírito Santo onde o rio Doce encontra o oceano. Biólogos temem os efeitos dos rejeitos nos recifes de corais de Abrolhos, um local com grande variedade de espécies marinhas.”
Pois bem, em se tratando da Vale e para desespero dos entreguistas de plantão, o estado nacional que após a sua privatização tornou-se um dos seus acionistas minoritários, foi espalhafatosamente censurado, “por ter a ousadia” de indicar um representante entre os 12 que compõem o seu conselho de administração. Mal comparando são 12 apóstolos do capitalismo escolhidos à dedo e ilustres desconhecidos.
Não sabemos se a atitude da Vale que foi intensamente repercutida pela imprensa, é apenas para preservar o sigilo administrativo, ou se ela estaria escamoteando algo comprometedor. Talvez seja essa a causa do histerismo da imprensa oficial, depois da decisão do presidente Lula em indicar o nome de Guido Mantega para fazer parte do Conselho de Administração daquela empresa.
Mantega como um economista renomado que já foi ministro de estado, deve conhecer muito bem o trato intestinal da Vale. A sua presença no Conselho tomando conhecimento de algumas decisões que considerasse esdrúxulas, poderia “atrapalhar” os gestores. O fato é que a indicação do nome de Guido Mantega, para o establishment, causou polvorosa e talvez tenha soado como uma ameaça. Mistéeeerio!
Se a situação se invertesse e ao invés da empresa privada fosse uma estatal que estivesse na berlinda, mesmo sendo ela de eficiência mundialmente reconhecida como é o caso da Petrobrás, a carga difamatória seria uma rotina.
Aliás, o assedio à Petrobrás não é novidade. A nossa eficiente estatal do petróleo, vem sendo assediada por grupos econômicos transnacionais, desde a sua fundação ocorrida em 1954, durante o governo nacionalista de Vargas. Era o tema preferido da chamada banda de música da UDN, regida pela batuta entreguista de Carlos Lacerda.
Naquela época Assis Chateaubriand que era o grande timoneiro dos Diários Associados, e o chamado “vice rei do Brasil,” escancarou as portas para Carlos Lacerda e juntos fizeram carga cerrada sobre a Petrobras.
Com o passar do tempo e com a modernização dos meios de comunicação, a imprensa oficial além de omitir convenientemente as informações, ainda omite da opinião pública as fragilidades das empresas privadas, das empresas privatizadas e até das privatizáveis, como ocorre atualmente com a Vale, que já foi do Rio Doce.
A grande maioria dos profissionais de imprensa, seja por necessidade ou por servilismo, faz coro e reza na catedral do capital a ladainha do liberalismo. A banda do jornalismo oficial, é constituída desde figuras amorfas endinheiradas que vivem à espreita de virar outsider político de sucesso, até os jornalistas mais humildes. Todos eles se autoproclamam capazes de emitir juízo de valor sobre a macroeconomia neoliberal e sobre os devaneios e anelos da figura metafísica do mercado.
Um exemplo claro do que afirmamos pode ser visto diariamente no dia a dia jornalístico da rede CBN de rádio, ou no Globo News, (leia-se Rede Globo de comunicações). Alguns deles, mesmo sem formação acadêmica que os credenciem, assumem as funções de comentaristas econômicos, e no afã de agradar ao establishment, fazem uso dos microfones para difundir “as maravilhas” do liberalismo econômico. São verdadeiros arautos sem corneta das “excelências” do ultraneoliberalismo, sem quaisquer zelo ou imparcialidade.
Essa é uma prática recorrente no dia e ao fazermos menção à rede globo, não significa isentar os demais veículos. É tão somente pelo fato de ser a globo, a detentora da maior audiência.
E ai daquela liderança política que ouse ameaçar ou pelo menos arranhar os postulados macroeconômicos do capitalismo liberal. Dogmas financeiros como: o limite de investimento público; o teto de gastos públicos, a lei de responsabilidade fiscal ou altas taxas de juros, para eles são sagrados e inatacáveis.
Além do imbróglio mais recente sobre o preenchimento da vaga de conselheiro da Vale, a imprensa já havia reprovado veementemente a nomeação do professor e doutor em economia Marcio Pochmann para a presidência do IBGE; a escolha do jurista Cristiano Zanin para o STF; a ida do ex juiz Flávio Dino para o STF e a nomeação do ex-ministro da Suprema Corte, Ricardo Lewandowski, para o Ministério da Justiça.
O bordão ultraneoliberal parece inspirá-los a repetir a frase de cariz anarquista e supostamente de origem mexicana:
“Hay Gobierno? Soy Contra!”
Censuram até as ações administrativas de oficio do poder executivo, como vem acontecendo cotidianamente com a decisão do presidente Lula de fortalecer alguns segmentos do Estado, como é o caso da ideia da reindustrialização, e a revitalização da Petrobrás que está em curso.
Para o olhar permanente e vigilante dos grupos entreguistas, o restabelecimento pleno da capacidade de refino por parte da Petrobrás causou urticárias na elite econômica por considerá-la danosa aos interesses das petroleiras privadas. Outro exemplo de protecionismo é a grita para que a Petrobrás venda o óleo cru prospectado pelo mesmo preço com que chega às suas refinarias, mesmo tendo prejuízo. O caso mais recente é o da refinaria Landulfo Alves que foi adquirida por grupos orientais ligados ao petróleo e que o governo Lula planeja ré estatizar.
Comentam-se até que o processo de privatização da referida refinaria, ocorreu depois da dádiva generosa de joias caras, o que torna todo processo no mínimo suspeito e passível de auditoria.
A Vale do Rio Doce como empresa estatal nasceu da visão de estadista de Getúlio Vargas, para atender as necessidades de suprimento do minério de ferro necessário à produção de aço, através da Companhia Siderúrgica Nacional-CSN, inaugurada em 1941.
A Companhia Vale do Rio Doce foi criada no ano de 1942, e para o cumprimento do seu mister, passou a explorar as minas de ferro na região de Itabira, terra de Carlos Drummond de Andrade nas Minas Gerais.
Ao chegar ao governo em 1995, o sociólogo Fernando Henrique Cardoso após recomendar que esquecessem tudo quanto ele falou ou escreveu, sancionou a lei das concessões afirmando:
“O presidente Fernando Henrique Cardoso disse ontem ao sancionar a lei das concessões que o ato inaugura o momento em que o governo deixa de ser investidor para ser regulamentador e fiscalizador dos serviços. E resumiu: é o fim da era Vargas e a introdução da reengenharia no governo.
“É chegado o momento de começarmos a separar a função regulatória e a fiscalizadora, tarefa do Estado, da ação do investimento e da ação de competição”, afirmou.
Na opinião de FHC, acabou o tempo de criação de empresas estatais. Ele disse que a transformação do país, depois da Segunda Guerra, foi uma ação decidida do Estado, com a poupança nacional sendo feita através de mecanismos de impostos e de contribuições.” (1)
Dito e feito, pois já em 07/05/1997 Fernando Henrique Cardoso, em sequência ao governo Collor que havia privatizado a CSN em setembro de 1991, entregava em um leilão tumultuado e a preço irrisório, a Companhia Vale do Rio Doce, por pasmem, 3,3 bilhões de reais.
Vejamos o que publicou a Folha de São Paulo, na edição de 07/05/1997:
“PRIVATIZAÇÃO
Após batalha judicial, consórcio liderado pela CSN arremata estatal em leilão que está sendo contestado
Vale é vendida por R$ 3,3 bi e ágio de 20% (grifo nosso).
Frederico, que bateu o martelo às 17h47; após o encerramento do leilão foi tocado o Hino Nacional. (pasmem)
Em Montevidéu (Uruguai), ao saber do resultado do leilão, FHC disse: “Já esperava isso. Houve ágio. Isso é bom e mostra que o governo agiu direito. Agora é torcer para que as coisas continuem certo”. (2)
As tropelias da Vale tiveram sequencia e mesmo que ela começasse a ressarcir as vítimas do desastre de Mariana, se envolveu em outro desastre desta feita em Brumadinho. Em ambos os casos até hoje o passivo ambiental provocado pela Vale tanto no desastre de Mariana como no de Brumadinho ainda não foi sequer acordado e vez por outra aparecem restos mortais das vítimas.
Além de não dar respostas para as duas catástrofes, já circulam notícias que dão conta de mais três barragens de rejeitos da Vale em condição de risco.
Esse rosário de fragilidades por parte da Vale, provavelmente justifique o pavor dos dirigentes da empresa em relação à nomeação de representantes do governo Lula para o seu Conselho de Administração.
Os indicados pelo presidente Lula são quadros capacitados, como o é o caso de Guido Mantega. Talvez seja esse o medo de que possam surgir outras revelações tenebrosas a respeito da incompetência da Vale, o que agravaria ainda mais o conceito já arranhado da mineradora privada.
O pavor dos grupos empresariais privados quiçá seja a causa do histerismo da imprensa oficial.
Referências:
Folha de S.Paulo – FHC diz que lei é ‘fim da era Vargas’ – 14/2/1995 (uol.com.br); (1)
Folha de Paulo – Vale é vendida por R$ 3,3 bi e ágio de 20% – 07/05/97 (uol.com.br); (2)
https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/nos-anos-90-leiloes-da-usiminas-da-csn-no-rio-terminaram-em-confronto-10448430;
Acidente em Mariana (MG) e seus impactos ambientais – Mundo Educação (uol.com.br) (3)
Três barragens de resíduos da Vale em MG correm o risco iminente de rompimento | Jornal Nacional | G1 (globo.com);
Ideologias do Século XIX – ppt carregar (slideplayer.com.br);
Fotografias:
A imprensa como poder ideológico – Pesquisa Google;
Imagens liberadas do apagão da Enel em são Paulo – Pesquisa Google;
Perfil Chateaubriand | Chatô – O Rei do Brasil (wordpress.com);
Petrobras aprova venda da Refinaria Landulpho Alves; Unidade industrial é sediada na Bahia e será a primeira de 8 refinarias a ter o contrato assinado pelo Governo Bolsonaro – Jornal Grande Bahia (JGB);
Vale inaugura centro de operações integradas em Nova Lima, MG – Forbes;
Os postulados do ultraneoliberalismo – Pesquisa Googles;
O leilão de venda da vale do rio doce – Pesquisa Google;
O desastre de brumadinho – Pesquisa Google;