Inúmeras vezes iniciei estes artigos falando da dificuldade em abordá-los. Não por desconhecimento do tema, mas, como mãe, avó e como mulher, algumas situações ainda vividas não só em nosso país, me chocarem de forma inenarrável. Dentre essas está a prostituição infantil.
Inspirada por Elie Wiesel (30 de setembro de 1928 – 02 de julho de 2016), quando ele disse: “jurei não ficar nunca em silencio, quando e onde os seres humanos tenham de suportar sofrimento e humilhação. Temos sempre de escolher um lado. A neutralidade ajuda o opressor, nunca a vítima. O silêncio encoraja o torturador, nunca o atormentado”.
São por depoimentos como este, que precisamos sim falar de temas que nos incomodam, que não nos fazem bem, pois sempre nos levam a pensar que poderia acontecer com alguém em nossa família, ou se não tivesse tido a família que tive, até comigo mesma, e jamais poderemos nos calar diante das atrocidades cometidas por pessoas de toda ordem. E enfatizo que são pessoas, sim, não monstros nem doentes: são seres humanos que fazem todas as monstruosidades nesse mundo.
Dar a eles a “escapatória” do título de doente ou mesmo de monstro, os tiraria da condição mais assustadora e perigosa do mundo: o homem.
Aprendemos com a Espiritualidade Amiga que quando não fazemos, ativamente, o bem, o mal já estamos fazendo. Nunca a neutralidade. O famoso ficar em cima do muro é uma das piores qualidades do ser humano. Não é só porque o bem está relacionado ao homem virtuoso, mas porque está ligado as Leis Divinas.
A prostituição infantil não está longe de nossa realidade. Professores ou educadores, principalmente, sabem o quanto é comum essa realidade, entretanto não é preciso ser nenhum especialista na área para observar, principalmente em regiões mais pobres, meninas, claramente menores de idade, em esquinas ou beiras de estrada desempenhando seu ofício. Obrigadas inicialmente pela pobreza em que nasceram e, em muitos casos, por pessoas que se aproveitam de sua total vulnerabilidade para explorá-las.
Pesquisas comprovam que a história da prostituição tem sua origem no próprio lar. Pelos pais, padrastos, irmãos, tios…
Assim, esta triste história descaracteriza o conceito do lar como lugar que deveria ser de acolhimento e segurança, transforma-se num lugar que oferece perigo. E também quase sempre, os casos de abusos contra menores têm lugar em casa, e seus abusadores são sempre pessoas próximas. Outros casos são os de meninas e meninos que vivem nas ruas e se prostituem por uma simples refeição ou para terem um abrigo, outros são atraídos (sobretudo os provenientes de classe média e alta), pela fantasia das “agencias de modelos”, existem também os que se prostituem e são usados naquilo que se convencionou como os “pacotes de pornoturismo”
Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito realizada ainda em 1994, já descrevia uma situação que ainda vemos hoje: a situação da prostituição infantil que é diariamente denunciada pelos meios de comunicação, pelas mídias sociais, antes de ser um “choque”, é um escândalo social. Segundo ainda o próprio Relatório, o número de meninas restituídas é maior que o de meninos, mas estes são encontrados também em grande quantidade.
Tudo isso é muito difícil, mas todas as vezes que estou a frente da TV e vejo uma propaganda de um ONG que arrecada fundos para tentar mudar essa realidade, me vem sempre à mente uma pergunta: onde está o agressor? O que os nossos parlamentares, realmente têm feito para mudar essa situação?
Para uma criança se prostituir, existe uma pessoa, normalmente, mas nem sempre, um homem, que a agride, violenta e explora da pior forma possível. Pode ser, inclusive, a própria mãe que coloca suas filhas para prostituição
Saber que existem crianças que se prostituem por um prato de comida, um lugar para se agasalhar, é a prova de que existe uma lacuna para resolução desse problema. Onde ficam as Políticas Públicas voltadas para apoiar as crianças em situação de vulnerabilidade social? Quantas pessoas em cada município, em cada Estado, estão envolvidas com recursos financeiros e humanos para dar um fim a essa prática? Neste País tem-se uma história de “Leis que não pegam”. Como assim? Elas não pegam porque, quem deveria ter a responsabilidade de fiscalizar, não o faz. Ou pior, lucra. Seja política ou financeiramente.
Não adianta falar a respeito da exploração e prostituição infantil, quando não vemos por parte do Estado uma preocupação de fato relevante com esse problema. Quando se trabalha com o Desenvolvimento Humano e Social, o que encontramos é uma deficiência de recursos, ainda mais por sabermos da complexidade dos temas sociais de desenvolvimento humano.
Temos abordado várias situações de vulnerabilidade humana que fazem nossas entranhas se remexerem. Quantas mulheres que vivem em situação de vulnerabilidade dentro de seus próprios lares, ameaçadas por seus maridos, convivendo com quem sabe, uma situação de prostituição infantil dentro de seus próprios lares, e não denunciam.
Dirão talvez: “existe a Lei Maria da Penha”, sim. Essa lei melhorou muito a situação da mulher que é agredida. Contudo, eu pergunto: se esta mulher resolver sair de casa com seus filhos, para que lugar ela iria, com total segurança para ela e seus filhos e com recursos financeiros que possibilitem um mínimo de dignidade para essa família? Situações de vulnerabilidade social, são, em sua grande maioria, relacionadas a situações de vulnerabilidade econômica.
Quantas casas de acolhimento existem em seu município? Ou melhor: você sabe se em seu município tem um lugar de acolhimento para essa família, ou para essas crianças e mulheres para que elas tenham a garantia de lá estarem realmente seguras? Teremos a certeza o ciclo do abuso será encerrado?
Imaginemos quantas crianças abusadas de todas as formas, nunca puderam realmente ser crianças assim como nossos filhos. Com direito a crescerem e a se desenvolverem cercadas de carinho e de amparo.
Já estive do lado do Estado, atendendo situações que aqui descrevo que não vêm de um conhecimento teórico, de ouvir falar. Eu trabalhei assumindo cargo de chefia em municípios que quando apresentávamos a necessidade de recursos para dar um pouco de assistência aos que mais precisavam, e não eram poucos, a resposta era sempre a mesma: não temos recursos para atender o que a Senhora deseja.
Até quando não teremos? Enquanto os que estão nos cargos, eleitos ou indiretamente indicados pelos eleitos não priorizarem o ser humano, principalmente os mais vulneráveis, viveremos por muito tempo ainda a segregação racial, social… enfim, humana. Enquanto o ser humano não for considerado o mais necessitado de atendimento na cadeia social, a cadeia produtiva não será plena. Na verdade, acredito que o conceito de Capital Humano, que nem é mais discutido nos Planos de Governo, é o principal, e a falta dele é um dos principais empecilhos para o crescimento econômico do Brasil se comparado a outras nações emergentes.
Será que continuaremos matando sonhos e vidas? Ou pior, vidas de crianças que possivelmente não sobreviverão a esse tratamento social que leva aos vulneráveis apenas as dores que ficarão em suas almas. As flores que poderiam desabrochar no jardim de nossos lares, continuarão sem cuidados, sem afeto, sem o amor tão necessários a se tornarem cidadãos do mundo, direito dado a todos pelas Leis Humanas e pelas Leis divinas?
Concluo com a mensagem de esperança de um Irmão e Amigo Espiritual:
“(…) Um sonho nosso pode ter sido desfeito, uma parcela de nossa vida também pode ter sido perdida. Mas, tudo, não! O mais importante ficou: nós.
Nós possuímos em nosso interior todas as forças para nos refazermos, para nos reconstruirmos, recomeçando sempre.
Não podemos permitir que nos condicionemos e nos limitemos pelas derrotas ou desilusões sofridas. Bem sabemos que todo mundo passa por situações semelhantes ou até piores. Por isso, acreditemos mais em nós e aproveitemos todas as oportunidades que surgirem para trabalhar e lutar por aqueles que não tiveram as mesmas oportunidades e a mesma sorte que nós”.
Não percamos a oportunidade de fazer algo por alguém quando a oportunidade surgir. Mesmo que seja um grãozinho, um cisco, como dizia Chico. Mas façamos algo para mudar as situações de injustiça e de desamor. Sejamos a mudança que queremos, fazendo a nossa parte.