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História de Mulheres: Amor, Violência e Educação no Cariri Cearense

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Por: Cristina Couto.

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A busca para identificar os traços característicos do ethos do nosso tempo e, em particular, do território carirense, trouxe à tona, reflexões e iniciativas de pesquisa sobre vários aspectos e campos do conhecimento, incluindo a sociologia, antropologia, história, pedagogia, oralidade e psicologia. A inquietação dos pesquisadores dessa área se mistura para constituir um mosaico de histórias de mulheres, que não se mostra indiferente ao peso de ações guiadas por sentimentos como o amor, o ato impensado da violência e o sentido da educação por elas vivida.

A vida de uma grande e sofrida mulher carirense – vinda de uma classe social subjugada pela injustiça social – que modelou criaturas de barro e, numa imitação de Deus, transformando o barro em vida. Vida a que ela mesma deu a sua criação, emprestando–lhe voz, sentimento e história. Dona Ciça do Barro Cru modelou a partir do seu chão, histórias de personagens tão vivas e tão reais, quanto a sua fé na vida, no trabalho e na proteção do seu Padim Ciço.

O que aprendemos ao ouvir a oralidade popular é que do barro nasceu o homem, mas, aqui no Cariri cearense essa ordem, por vezes, pode ter sido invertida, pois, do puro barro nasceu, viveu e sobreviveu a mulher.  Sendo ela feita de uma argila de cor rubra feito sangue, que lhes corre nas veias e na terra, pois, quando mortas esse sangue se mistura à terra escura, transbordante de outra seiva feita de ódio, inveja, vingança e amor; sentimentos tão extremos, testados, quantas vezes, até as últimas consequências, por aqueles que se dizem seus protetores e provedores, mas que não suportam a fortaleza, a coragem, a valentia e a ousadia com que essas mulheres veem e enfrentam a vida.  

Como parte da absurda história brasileira, o sul do Ceará não foi diferente.  Por essas bandas, o patriarcado reinava único e absoluto, desde o começo da colonização se arrastando por todo o século XIX, esses senhores eram donos das terras, dos filhos, da mulher e dos escravos.  Embora pareça contraditório, há notícia de que foi nessas mesmas terras que surgiram mulheres com muita garra, determinação e coragem, assumiram posições e atitudes, até então, consideradas exclusivamente do sexo masculino.

Foram elas, como todas as outras: mães, esposas devotas e dedicadas, mas, várias delas nunca deixaram ou permitiram ser menosprezadas ou subjugadas por quem quer que fosse.  Houve aquelas que assumiram, assim como eles, a direção das suas vidas e das dos outros, impondo sua vontade e determinando seu destino, fosse através da negociação, do acordo, ou, quando nada conseguiam, era mesmo com a força e o poder do bacamarte, da violência e da morte.

Por aqui, reinaram mulheres reais e lendárias que apoiaram seus filhos chegando até as últimas consequências, como a revolucionária Dona Barbara de Alencar, que fez de sua residência um verdadeiro quartel general para apoiar seus filhos na luta pelo um país melhor; como Dona Ana Triste que enfrentando sol e chuva nunca deixou de acompanhar seu marido em épocas de luta; a destemida Dona Antônia Maria do Espírito Santo que mesmo depois de perder o marido e seu único filho, voltou e enfrentou uma justiça patriarcal para recuperar seus bens perdidos; a famigerada Dona Fideralina Augusto Lima que sozinha mantive o controle da família e do feudo com muito prestigio e poder em toda região e até no Estado;  a valente Dona Marica Macedo que ao ver seu filho morto, tomou a arma e lutou bravamente. Foram essas mulheres que mudaram conceitos, romperam barreiras e venceram preconceitos. Administraram seus feudos, criaram escravos, foram esposas, fizeram filhos, mas, trataram de fazer valer suas decisões e vontades. Mostrando a força e a determinação do substantivo feminino, quando desgarradas da rédea curta e tirânica dos patriarcas.

A composição do cenário nordestino naquele final do século XIX era de estruturas arcaicas, formadas por três grandes protagonismos que mantinham e detinham o poder sob a força do bacamarte, do punhal e do rosário: os coronéis, os cangaceiros e os beatos. Nesse efervescente conflito, muitas mulheres se atreveram a ingressar e desempenhar papéis fundamentais para a manutenção da ordem e da estabilidade do poder.

O papel relevante e determinante da mulher no decorrer dos séculos, por meio de relatos e acontecimentos diversos, nos deixam perceber o quanto a mulher está ligada às importantes decisões em todas as épocas, e, em todas as esferas da sociedade. Algumas, ou, a maioria delas, se fingindo submissas, mas, sabiamente, sendo capazes de influenciar os seus homens (quer fossem maridos, filhos, genros, irmãos ou pais) nas tomadas de decisões, quando não as faziam diretamente.

No caso do Cariri, destaco a preocupação e o zelo das mulheres em educar, escolarizar e formar seus filhos, e dos outros, quando professoras. Nesse sentido, elas foram de fundamental importância para o desenvolvimento da família e da região. Isto porque, cabia a elas a educação doméstica e estavam também no acompanhamento dos estudos em escolas e colégios, na luta para encaminhar seus filhos para estudar e chegar às mais longínquas faculdades. Segundo Sérgio Buarque de Holanda: o bacharelismo era uma forma de manifestação de poder, no espaço organizacional brasileiro, sob a hegemonia da aristocracia rural do século XIX. E todo o poder por aqui exercido, como todos sabem, foi à custa do latifúndio, das armas, das patentes, mas, sobretudo, do bacharelismo.

No interior dessa elite latifundiária, tais mulheres  pegavam em armas, lutavam e defendiam seus interesses, seus feudos e seus ideais; essas  mesmas mulheres foram capazes de amar e proteger seus filhos, seus homens e seus vassalos. Servindo a elas, estavam às mulheres da outra ponta da cadeia social, que embalavam a rede, trabalhavam na colheita, pisavam o milho, torravam café, eram fiéis aos seus senhores, se cobriam de luto e se recolhiam, quando um ente querido falecia.  O que queria dizer recolhimento sim, covardia, não. Por todo lado, estavam às mulheres a prover a sociedade de ações socializadoras, subjugadas ou indignadas; de forma clara ou às escondidas.

Foi com muita luta, sabedoria, sofrimento, violência, sangue e morte que a mulher chegou até aqui. Vale salientar que somos guerreiras integrantes de um amplo contingente feminino – nunca desistimos; perdemos algumas batalhas, é verdade, o que nos tem dado força para continuarmos a luta, afinal, somos todas descendentes das tribos guerreiras que dessas terras emergiram.  Somos Kariris, Calabaças, Karius, Icozinhos, Jucás, e de muitas outras etnias. Seja na tribo, no feudo, na roça, na feira ou na cidade somos o símbolo da resistência, da coragem, e, da ousadia sem perder a ternura jamais.

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1 COMENTÁRIO

  1. Mais uma vez a companheira Cristina Couto nos dá uma aula de sociologia e antropologia voltada para a coragem e o destemor das mulheres do sul do Ceará. Afora aquelas que foram citadas existiram heroínas anônimas que contribuíram para forjar a têmpora das guerreiras que lutam no dia a dia pelos maridos, pelos filhos e pelos amigos. A presença de Cristina nesse blog nos enriquece a todos.

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