O título deste artigo é muito conhecido dos cinéfilos e faz referência a um filme francês e italiano, dirigido pelo famoso cineasta francês Luís Buñuel, que foi rodado em 1972.
No enredo ele critica de forma satírica a frivolidade e a superficialidade do gênero burguês, tendo como centro das atenções um grupo de casais, num total de doze pessoas, que não consegue agendar uma refeição noturna conjunta pelos mais diversos motivos. Esses motivos protelatórios vão desde o esquecimento da data do jantar, até um possível treinamento militar que iria ocorrer na região.
Mutatis mutandis, o charme da burguesia, ou melhor, da pequena burguesia brasileira, também tem seus caprichos, tem seus amuos e seus lunduns, carregados de frivolidade e superficialidade. Via de regra a burguesia tupiniquim não tem ódio da classe trabalhadora, ela tem nojo. Esse nojo aumenta na medida que estão mais próximas do limite superior de classe e é nesse estágio que ela seduz e terceiriza o pequeno burguês, esse sim acometido de ódio, para realizar o serviço sujo da opressão, em nome da elite. O terceirizado, acometido da síndrome da miragem de classe, se esforça para mostrar serviço e conseguir o seu passaporte para o olimpo.
O maior e mais prático exemplo com o qual temos convivido com mais intensidade nos últimos tempos, é o rancor que a pequena burguesia tem nutrido pelo presidente Lula, isso desde a sua primeira eleição. Aliás esse é um sentimento que perdura até os dias atuais e as vezes viceja até em meio aos chamados pobres de direita, os quais são também sujeitos dessa oração sórdida, abjeta e suja. O pior, mais deprimente e vergonhoso, é que na maioria das vezes esse chaleirismo é em troca do afago de algumas migalhas caídas da mesa do banquete da alta e média burguesia, ou seja, é servilismo e bajulação pura e simples.
O ódio que devotam a Lula advém do preconceito e de todo ranço de classe que é a causa maior e mais profunda diante das demais. Ora, pensam eles, como pode um retirante nordestino famélico, que foi tangido pela seca e pela mais profunda necessidade de sobrevivência, impulsionado pela fome, ser jogado em cima de um pau de arara para chegar em “Sun Palo” e virar presidente da república? O retirante atrevido chegou ao cúmulo de ultrapassar até os paulistas de 400 anos e hoje ensina política a eles. Como é que pode?
A outra causa, ou outro recalque como queiram, é o fato de o retirante ter se tornado torneiro mecânico, oficio em que perdeu um dos dedos da mão e, mesmo sem adquirir um nível de escolaridade formal, construiu uma liderança internacional que lhe credenciou a assumir pela terceira vez, o cargo de maior relevância deste país que é a presidência da república. Nesse passo, os rancores que são explícitos, alimentam o ódio de classe que lhes foi inculcado pela alta e média burguesia e que passou a ser verbalizado através dos seus veículos de comunicação.
Os comentários dos últimos dias dão conta de uma entrevista concedida pelo produtor e diretor de um programa humorístico de televisão, chamado Carlos Alberto de Nóbrega, o qual também é membro da imprensa oficial. Na desastrada e infeliz entrevista, vomitando o ódio de classe, ele tenta desclassificar e reduzir o papel e a importância do presidente da república, pelo fato de não ser ele, portador de um título acadêmico formal, de nível superior. O sr. Carlos Alberto de Nóbrega, certamente desconhece a Constituição Federal de 1988, que no seu artigo 14 inciso 3° nos ensina:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante:
§ 3º São condições de elegibilidade, na forma da lei:
I – a nacionalidade brasileira;
II – o pleno exercício dos direitos políticos;
III – o alistamento eleitoral;
IV – o domicílio eleitoral na circunscrição;
V – a filiação partidária; Regulamento
VI – a idade mínima de:
a) trinta e cinco anos para Presidente e Vice-Presidente da República e Senador;
b) trinta anos para Governador e Vice-Governador de Estado e do Distrito Federal;
c) vinte e um anos para Deputado Federal, Deputado Estadual ou Distrital, Prefeito, Vice-Prefeito e juiz de paz;
d) dezoito anos para Vereador.
Mesmo falando por conta própria, o entrevistado representa na sua fala o pensamento da alta e média burguesia brasileira e também das oligarquias rurais que querem alijar o presidente Lula da política de qualquer maneira. Chegaram ao cúmulo de intentar até um golpe de estado em 08 de janeiro de 2023, que felizmente debelado pelo povo. Talvez tentem justificar a sua intolerância preconceituosa baseados no inciso 4° do mesmo artigo 14 que diz:
§ 4º São inelegíveis os inavistáveis e os analfabetos
A grande dificuldade encontrada pela burguesia para enquadrar alguém como analfabeto, é devida à amplitude do adjetivo, que com certeza alcançará representantes burgueses tanto em meio à sua militância quanto nos próprios bolsões conservadores da academia. A eles se dirigiu muito bem o dramaturgo, poeta e pensador alemão Bertolt Brecht que disse com muita propriedade:
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os bandidos que é o político vigarista, pilantra, o corrupto e lacaio dos exploradores do povo.”
Nesse nicho rancoroso e odiento estão enquadrados não apenas Carlos Alberto de Nóbrega, porém mais de 90% da alta, média e baixa burguesia brasileira que apesar de ser em números pequenos, é a chamada minoria esmagadora. A imprensa oficial, as milícias digitais e parte das redes sociais, são pródigas na produção de analfabetos políticos e Carlos Alberto de Nóbrega é apenas um desses exemplares.
O jornalista profissional, têm por obrigação cumprir as formalidades acadêmicas que lhe habilita a exercer o seu mister. Todavia, por necessidade de sobrevivência o que seria compreensível, ou por pura ambição de acumular riqueza, muitos deles rasgam o código de ética sobre o qual juraram, e passam a leiloar seus préstimos.
A bem da verdade esse é o modus operandis nas relações burguesas de trabalho e de um modo geral não ocorre apenas no meio jornalístico e sim em todas as profissões. É uma prática recorrente em toda atividade profissional, onde também pontificam raras e honrosas exceções de talento e de genialidade. No meio jornalístico muitos profissionais exercem o seu mister apenas por notório saber e, mesmo sem a titulação acadêmica exigida, têm talento suficiente para se tornarem inigualáveis naquilo que fazem de forma magistral. Outros tantos, celebram um casamento bem sucedido entre a educação formal e o talento para se tornarem profissionais de escol.
Diante dos vários exemplos de excepcionalidade profissional estão aqueles que trafegam no limiar da genialidade, que os transforma em paradigmas inimitáveis.
Um caso muito conhecido ocorreu na literatura, a qual tem um parentesco bem próximo com o jornalismo, e com ele guarda uma certa similaridade. É o caso exemplar do celebrado escritor Joaquim Maria Machado de Assis, para nós e sem nenhum favor, o maior escritor da língua portuguesa em todos os tempos.
O jornal espanhol El País, por ocasião do 178° aniversário de nascimento de Machado de Assis, publicou em 21 de junho de 2017 uma ampla matéria em sua homenagem, classificando-o como um gênio autodidata da literatura brasileira em que diz textualmente no corpo da matéria:
“Era filho de dois ex-escravos mulatos alforriados: o pintor de paredes Francisco José de Assis e a lavadeira Maria Leopoldina Machado de Assis. Ficou órfão quando era muito pequeno e foi criado por sua madrasta Maria Inês que lhe apresentou e ensinou as primeiras letras. Machado de Assis enfrentou muitos desafios por ser um mestiço do século XIX, incluindo o acesso limitado à educação formal. Passou pela escola pública, mas sua formação na verdade foi autodidata, já que nunca foi à universidade. Por outro lado, uma grande ambição intelectual o acompanhou por toda vida. Em um de seus primeiros trabalhos, na padaria de madame Guillot, aprendeu a ler e a traduzir francês, e quando já estava perto de completar 70 anos quis começar a estudar grego.
Com apenas 16 anos, Machado de Assis entra em contacto com um grupo de escritores que se reuniam numa livraria central do Rio de Janeiro e publica o seu primeiro poema, Um Anjo. A partir desse momento, sua atividade intelectual será contínua até a sua morte, em 1908.”
Como podemos constatar, exemplos é o que não faltam para caracterizar a genialidade das pessoas simples, muitas vezes vistas com o olhar de ódio pela mediocridade da burguesia.
Elas passam a ser objeto de ódio, a serem reduzidas, a serem perseguidas, e a serem cassadas, durante toda suas existências. Foi o que ocorreu com Machado de Assis no século XIX, e muito tempo depois, em 1989, aconteceu também com um atrevido torneiro mecânico chamado Lula. Com apenas nove dedos como eles cruelmente sempre escarnecem e sempre debocham, Lula vem fazendo com eles o que os seus críticos raivosos e odientos nunca tiveram capacidade de fazer com os seus dez dedos. O nome completo dele, que o mundo sabe de cor é: Luiz Inácio Lula da Silva.
“O analfabeto” atrevido que espalhou por todo Brasil, 214 escolas técnicas e 14 universidades públicas e até 2020 tinha sido condecorado como doutor honoris causa 36 vezes, além de uma quantidade enorme de Ordens de Mérito de diversos órgãos.
A propósito do trato com a genialidade vimos um exemplo de clarividência na esfera do futebol. Lemos certa vez uma entrevista do ex-treinador da seleção Argentina campeã do mundo de 1978, César Luiz Menotti que em 1968-1969, chegou a jogar no Brasil, mais precisamente no Santos de Pelé.
Perguntado pelos repórteres sobre a descoberta de craques, Menotti deu uma lição de humildade e reconhecimento aos talentos individuais muitas vezes de aparência inexpressiva. Dizia ele:
Uma última coisinha em forma de aviso aos navegantes de águas turvas:
sempre que algum de vocês for exibir o discreto charme de uma burguesia decadente, e for vomitar o ódio asqueroso que carrega na alma sobre alguém, ou sobre qualquer outro flagelado sofredor e retirante nordestino, abra bem os seus olhos, pois você pode estar diante de um Lula!
Referências:
O discreto charme da burguesia – Lei em Campo;
Crítica | O Discreto Charme da Burguesia (Luís Buñuel, 1972) (planocritico.com);
htps://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4737compilado;
Analfabeto Político – Disciplina – Sociologia (seed.pr.gov.br);
Machado de Assis, um gênio autodidata da literatura brasileira | Cultura | EL PAÍS Brasil (elpais.com);
htpps://pt.wikipedia.org/wiki/Prêmios_e_honrarias_recebidos_por_Luiz_Inácio_Lula_da_Silva#:~:text=Lula;
Fotografias:
Le charme discret de la bourgeoisie (O Discreto Charme da Burguesia): Análise e Impressões – Cine Grandiose;
A humilde e difícil infância de Lula, novo presidente do Brasil (uol.com.br);
Lula é presidente do Brasil pela terceira vez – Agência de Notícias Brasil-Árabe (anba.com.br);
Chamado de ‘sem diploma’, Lula manda indireta para Carlos Alberto de Nóbrega · Notícias da TV (uol.com.br);
1933: Brecht fugia da Alemanha nazista – DW – 28/02/2022;
Machado de Assis: biografia e obras – Toda Matéria (todamateria.com.br)
César Luis Menotti: «Não tenho cabeça, estou destruído» – Internacional – Jornal Record;
https://www.ogol.com.br/foto;
Pelé, a história do maior gênio do futebol mundial (1ª parte) – Jornal Opção (jornalopcao.com.br);
Mané Garrincha, o anjo das pernas tortas – Ricardo Shimosakai;
Diego Maradona: carreira, polêmicas, morte – Mundo Educação (uol.com.br);
Piramide del sistema capitalista (bfscollezionidigitali.org)