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Petróleo no fundo do poço

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Por muitos anos tenho o hábito de ouvir as notícias do continente africano através dos programas da BBC África. Além de ser uma experiência enriquecedora a todos aqueles que dominam a língua inglesa, por nos mostrar histórias e notícias pouco divulgadas fora do continente, há momentos de bom humor, quando, ao final de cada transmissão, é dito um “Provérbio Africano”, que compreendendo a multitude de facetas de um continente tão grande e rico, nos mostra um jeito de pensar único. Um dos meus preferidos é um que vaticina que “Após a tempestade vem a enchente”, não a bonança como dizemos para cá do Atlântico.

Ainda que seja verdade que não há comparação entre o que acontece, hoje, no âmbito do governo federal, que volta aos debates sobre política, economia, meio ambiente etc. e não mais uma revoada de dispartes anticientíficos e, para dizer o mínimo, rasteiros. Ainda, a nós, enquanto povo e donos verdadeiros de nosso país, nos cabe vigiar sempre aquilo que fazem em nosso nome.

Na última quarta-feira, dia 24 de maio, ainda que sem o alarde dos motosserras e o calor dos incêndios, pudemos ver passar nas câmaras legislativas, com apoio do governo, passar uma serena boiada que aguarda sanção presidencial para que possa tomar conta de seu pasto.

Trata-se de uma série de Medidas Provisórias que emagrecem o Ministério do Meio Ambiente de instituições como a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) que passa a ser de competência do Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional. Fazendo prevalecer a noção de que a água é apenas um insumo para as atividades humanas, negligenciando-se sua importância para os processos biológicos, das comunidades e povos tradicionais e à adaptação às mudanças climáticas.

Ainda, busca-se aprovar outras duas MPs que visam facilitar a derrubada do nosso bioma mais impactado desde a chegada dos portugueses a nosso território: a Mata Atlântica; e, além, outra que prevê impor um limite a 1988 para a demarcação de terras indígenas. Também, o CAR (Cadastro Ambiental Rural) passa a ser competência do Ministério da Gestão e Inovação em Serviços Públicos (órgão responsável pela fiscalização de crimes ambientais em propriedades rurais, como o caso de grilagem), ao menos escapando da tentativa dos ruralistas de submetê-lo à chancela do Ministério da Agricultura.

Como golpe de misericórdia ao Ministério, e à própria Ministra Marina Silva, depois de mais de 10 anos de tramitação nas agências governamentais, o Ministério de Minas e Energia pediu que a Petrobrás traga à tona um projeto que já nasce ultrapassado e perigoso, que visa a exploração de petróleo junto à foz do Rio Amazonas, o qual não obteve licenciamento ambiental por parte do IBAMA.

Por mais que compreendamos a centralidade da matriz energética baseada em hidrocarbonetos à qual ainda somos dependentes, insistirmos em um projeto de tamanho impacto ambiental e social num de nossos biomas mais sensíveis (e mais observados internacionalmente) me parece capaz de nos trazer mais malefícios que vantagens.

Se considerarmos, ainda, que, de acordo com o relatório de impactos ambientais apresentado pelo IBAMA, em um caso de vazamento em uma plataforma de petróleo em meio ao oceano, a mancha de óleo demoraria apenas 10h para alcançar águas internacionais, enquanto a ajuda demoraria 43h para vir do continente, causando não só um desastre ambiental de proporções desconhecidas como um incidente diplomático capaz de envolver nossos vizinhos ao norte e talvez o Caribe.

Num momento em que ainda vivemos sob a sombra de um governo genocida e ecocida que há menos de 6 meses tentava um Golpe de Estado, precisamos não só mostrarmos ao mundo que somos bons, mas também que somos diametralmente opostos à catástrofe que passou. Devemos mostrar ao mundo que não somos uma república de bananas anticientífica e alheia às discussões do mundo que gira ao nosso redor.

Mesmo que ignoremos a consolidação do acordo de livre comércio com a União Europeia, que tem pouquíssima chance de sair do papel pelo perfil protecionista de muitos países do bloco, principalmente no que se refere ao setor agrícola (no qual seríamos uma competição nunca imaginada), ainda assim precisamos considerar que o Brasil, e fundamentalmente seu meio ambiente, é fundamental para todo o globo, ainda mais num contexto de crise climática.

Passamos por um contexto que não víamos há mais de um século (talvez nunca), em que uma pandemia que nos prendeu em nossas casas por dois anos, seguidos de uma das maiores guerras na Europa que já viu, gerou uma conjuntura de recessão econômica com retração na oferta global de bens e serviços, inicialmente derrubando os preços do petróleo e seus derivados por falta de demanda e, posteriormente, o elevando à condição quase de prisioneiro de guerra, fazendo a Europa buscar estocar gás natural, reativar usinas nucleares etc.

Passado mais de um ano do início da guerra, sem vislumbrarmos um fim para ela, e tendo a Europa passado o inverno (período em que se estimava serem necessárias até medidas de racionamento e elevação dos preços da energia) que se mostrou ser menos rigoroso que o esperado (Alô aquecimento global), as potências globais tentam rearranjar o tabuleiro global no novo contexto (Brasil incluso).

Parece que a emergência climática passou, parece que a crise do gás natural nunca aconteceu e que as cadeias globais de valor nunca foram questionadas durante a pandemia. Não podemos viver 2023 como se estivéssemos na mesma situação que dez anos atrás. A situação climática só se agrava, estamos num momento histórico em que pendemos para uma bipolaridade política que divide o mundo entre aqueles que apoiam a OTAN e aqueles que ficam dos lados dos “periféricos” BRICS. Aparentemente essa terceira década do século 21 será marcada por uma disputa entre os grandes poderes do passado e as potências do futuro.

Mas ainda assim friso: depois da tempestade vem a enchente. Temos de ser cuidadosos para que as disputas de poder não nos ceguem para o que o realmente importa: nossa sobrevivência nessa esfera azul que nunca esteve tão ameaçada.

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