Cuide de mim

Por: Neves Couras;

Nesta semana, tivemos a tristeza de assistir pela TV à morte de um jovem de 19 anos que, sem controle de suas faculdades mentais, entrou na área onde vivia uma leoa, no Parque Arruda Câmara, a Bica, e foi atacado e morto imediatamente.

Muitas coisas foram ditas, buscando-se culpados para justificar a referida morte. Foi divulgado que a mãe também sofre de esquizofrenia. Tal transtorno, segundo estudiosos, tem grande dificuldade de ser identificado. Essa história não é tão simples assim.

Do ponto de vista da ciência, as causas da esquizofrenia ainda estão sob investigação, mas os estudos, até o presente momento, evidenciam que componentes genéticos, sociais, pessoais e neurobiológicos estão presentes, intermediando o aparecimento e a expansão da doença. A esquizofrenia acomete ao redor de 1% da população, principalmente homens jovens, e está presente em culturas, regiões geográficas e estratos sociais diversos (Razzouk & Shirakawa, p. 18, 2001).

Segundo os mesmos autores, os critérios para diagnóstico da esquizofrenia vêm passando por mudanças ao longo de um século, assim como o controle terapêutico — não apenas nos surtos, mas também na reabilitação e na prevenção.

Não posso deixar de abordar essa enfermidade sob o ponto de vista espiritual. É dito pelos espíritos que muitos jovens desenvolvem a doença, como tantas outras de cunho neurológico, que poderiam ser tratadas espiritualmente, mas nem todos têm esse conhecimento e, infelizmente, o preconceito religioso ainda impede o tratamento de muitos enfermos.

No caso da esquizofrenia, por exemplo, essa pode não ser uma enfermidade, mas um dom chamado mediunidade, que já foi tratado como doença. Segundo Kardec (1986), médiuns são pessoas sensíveis à influência dos espíritos e mais ou menos dotadas da faculdade de receber e transmitir suas comunicações. O médium é um intermediário; um agente ou instrumento mais ou menos cômodo, segundo a natureza ou o grau da faculdade mediúnica (Couras, 2014, p. 78). Assim, as vozes ou alucinações tão comuns na esquizofrenia, podem, nesses casos, ser apenas uma comunicação com os espíritos.

Durante minha vivência em Mesa Mediúnica como “doutrinadora”, já vi muitos jovens chegarem à Casa Espírita com diagnóstico de esquizofrenia e, após tratados, tornarem-se grandes médiuns. Convivi com uma jovem cuja mediunidade não era fácil de ser conduzida por qualquer doutrinador. Ainda que seguisse o seu tratamento psiquiátrico cotidiano, havia momentos de crise que só se acalmava com o tratamento espiritual, não fazendo efeito sequer os fortes medicamentos ministrados nas crises.

No caso dessa jovem, como toda a família era católica, não permitiram que ela fosse tratada pelos espíritos. Desencarnou aos 56 anos, passando pelos piores sofrimentos que um ser humano pode enfrentar. A família tinha recursos financeiros para que ela fosse tratada pelos melhores médicos, psiquiatras e psicólogos, mas quando entrava em crise — desenvolvia uma força descomunal, que nenhum homem conseguia conter. Após doses altíssimas de medicamentos, desmaiava; quando acordava, não sabia o que havia acontecido. Foi internada em casas especializadas, mas o tratamento era apenas paliativo.

Quando isso acontece, ou seja, quando o tratamento não é feito pela medicina espiritual e pela medicina tradicional de forma integrada, a doença se torna insuportável. Para melhor explicar, sem ser muito técnica: é como se a doença, no início, fosse uma gripe. O tratamento é simples, contudo, se não for tratada evolui para uma pneumonia. Mais medicamentos são aplicados e nada de cura. Assim, a doença pode avançar e se tornar um câncer terminal.

Esclareço, entretanto, que de forma nenhuma estou aqui para dizer que psiquiatras e psicólogos não são capazes de tratar tais enfermidades. Até mesmo porque jamais afirmaria que não há males apenas corpóreos, contudo sempre ressalto que nem sempre esse é o caso. Os males da mente, muitas vezes, são males do espírito.

Voltando ao caso do jovem que entrou na jaula da leoa — a quem culpar? A sociedade? A família? A Bica?
Acredito que a culpa está em um sistema de saúde totalmente despreparado para acolher tais pessoas.

Para as questões sociais, quase nunca há recursos. O cuidado com quem mais precisa raramente aparece como prioridade para o poder público. Alguns leitores podem até se perguntar: “Como essa mulher sabe disso tão de perto?”. Eu sei porque vivi essa realidade. Fui Secretária de Ação Social — era assim que o cargo se chamava na época. E, sempre que eu levava ao prefeito demandas urgentes da população vulnerável, a resposta era invariavelmente a mesma: “Pode ficar para depois.”

E esse “depois”, todos nós sabemos, quase nunca chega.
Uma das maiores conquistas de Nise da Silveira foi libertar os pacientes psiquiátricos das grades, devolvendo-lhes dignidade. Mas, mesmo hoje, muitos desses pacientes pertencem a famílias que simplesmente não têm condições financeiras de oferecer um cuidado adequado.

A grande verdade é que inúmeras famílias sobrevivem com um salário mínimo, complementado por um benefício social que mal cobre os medicamentos — quanto mais acompanhamento especializado, terapias, cuidadores ou internações apropriadas.

Será que alguém já parou para calcular quanto custa cuidar de um paciente com um transtorno neurológico grave — ou mesmo de um idoso? Tomemos como exemplo o cuidado de um idoso que necessita de atenção integral: para cumprir todas as exigências trabalhistas, o custo apenas com cuidadores, há cerca de um ano, girava em torno de 17 mil reais por mês.

A paciente que conheci, que precisava de cuidadoras 24 horas por dia, recebia apenas um salário mínimo. E o restante desse valor? Era dividido entre sobrinhos e irmãos, porque ela não tinha filhos nem cônjuge para compartilhar a responsabilidade.

Caros leitores, vamos culpar quem, pela morte do jovem que, como uma criança procurando um brinquedo que lhe desse amor, entrou na jaula de uma leoa?

Em vez de buscarmos culpados, precisamos cobrar de quem tem poder de decisão. Aqueles mesmos políticos que disputam espaço e benefícios deveriam voltar seus olhos — de verdade — para os que mais necessitam. Pensemos nas crianças rejeitadas por nascerem com alguma enfermidade, nos idosos abandonados que acabam em instituições mantidas por doações, nas famílias que carregam sozinhas um peso que deveria ser compartilhado pela sociedade e pelo Estado.

A pergunta que fica é simples e dolorosa: onde está a classe política quando a vulnerabilidade bate à porta?

 

 

 

 

 

 

 

Obras Consultadas:
• O Desafio da Esquizofrenia, editores: Itiro Shirakawa, Ana Cristina Chaves, Jair J. Mari — São Paulo: Lemos Editorial, 2001.
• Cirurgia Espiritual como Prática Terapêutica, Couras, Raimunda Neves de Almeida — João Pessoa, 2014.

 

Comentários Sociais

Mais Lidas

Arquivo