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Meu Lugar

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Para os que se enveredam nas alamedas das ciências geográficas, se faz necessário entender alguns termos, que diferente da utilidade que lhes damos no dia a dia, representam coisas muito precisas. Um desses termos é o “Lugar”. No coloquialismo cotidiano, essa palavra pode ser trocada livremente por tantas outras: espaço, recinto, local…, mas na Geografia esse termo define especificamente não apenas um espaço geográfico, cidade, paisagem ou qualquer outro. Define um espaço dotado de significados particulares e relações humanas.

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Correndo o risco de cair no clichê, ouso usar as palavras de Saint-Exupéry que diria que o “Lugar” é um pedacinho do mundo que eu cativei, do qual eu faço parte e pelo qual me responsabilizo. E me aproveitando dessa reflexão filosófico-geográfica para discorrer um pouco por um daqueles pensamentos que, como uma mosca intrometida, me veio incomodar o “juízo”. Talvez o Lugar não se trate, necessariamente, de um espaço geográfico específico.

Nunca ouvi dizer “não vejo a hora de ir para o apartamento”, ou mesmo “esqueci a carteira na quitinete”. Invariavelmente, nos referimos a “Casa” como esse Lugar a que pertencemos, o lugar em que nos refugiamos e que faz parte de nós. Assim, venho pensando que Mãe também é algo mais além de uma pessoa. Mãe é um Lugar. Mãe, mais do que a mulher que nos gerou, ou nos acolheu, é uma pessoa que tem significados que extrapolam a sua mera condição humana.

Mãe, para mim, além de ser, fundamentalmente, um lugar seguro, um lugar de acolhimento, é um abraço, um cheiro, cumplicidade e proteção. Tenho a sorte de ser filho de minha mãe, que com a licença dos leitores, é a melhor mãe do mundo. Eu sei que cada um de nós pode afirmar a mesma coisa e entrarmos numa discussão que se estenderá ao infinito. Mas com toda essa conversa a respeito da “localização” materna, venho compreendendo que nem sempre nosso “lugar materno” está na pessoa que nos deu a luz, cuidou de nós durante a infância, ou qualquer outra concepção mais comum de maternidade.

Esse ano, neste espaço, resolvi falar sobre esses “Lugares” que independente de possuírem a patente de mãe, são, para nós, indiscutivelmente mães, colos, cuidadoras. Minha mãe conta constantemente da tenra memória que guarda de ser embalada num ninho formado pelas saias da avó. Dos cuidados das tias e, ainda, o carinho de uma sogra que lhe acolheu como filha.

Eu, apesar de possuir a mãe solar, a mãe que faz parecer que o universo gira ao seu redor e que o calor que emana dela é o responsável pela vida no mundo, também me deu de presente duas mães postiças. Lembro-me de uma entrevista em que a atriz Fernanda Torres falava de sua mãe, Fernanda Montenegro, da seguinte forma: “A mamãe estava ocupada fazendo coisas sérias”. E prossegue falando que seu pai, Fernando Torres, era o responsável pelas travessuras da infância. No meu caso, tive minhas irmãs de quem era vítima e protegido.

Mamãe também era a mulher das “coisas sérias”. Ainda é. Então me sobravam duas adolescentes magrelas com quem conviver, aprender e crescer. Algum tempo atrás, quando minha irmã se tornou mãe e punha sua filha para dormir, cantava as mesmas cantigas que usava na tentativa de me fazer adormecer.

Invariavelmente ela adormecia e eu permanecia acordado brincando. Mas ao ouvir o som das cantigas me lembrei que outrora já ocupei o cantinho na rede que hoje pertence à minha sobrinha.

Mas além de prestar a minha homenagem a essas “mães lugares”, eu gostaria de refletir também que, como os lugares físicos, nossas mães também são mutáveis. Mutáveis em sua forma, constituição e até mesmo na posição que ocupam em nossa vida. Não raro vejo filhos que ao se depararem com as mudanças em suas mães não sabem como reagir. Seja ao descobrirem que para elas a maternidade não é suficiente para preencher suas vidas, seja ao entenderem a humanidade materna, ou até mesmo ao se depararem com o envelhecimento e a incontornável certeza de que, infelizmente, mães não são eternas.

Por experiência digo que minha “mãe solar”, minha mãe das “coisas sérias” muda cotidianamente. Em nossas longas conversas descubro partes dela que não conhecia, e cada vez mais me deparo não penas com minha mãe, mas com um ser humano complexo, mutável, falho, enfim, completo. Me fascina o pensamento de que tive a sorte de que a mulher que me gerou, me amamentou, cuidou e cuida de mim também é o meu Lugar. Penso também na sorte que tenho de conviver com uma mulher excepcional que mostra cotidianamente não só que as mudanças em nós mesmos acontecem, mas que elas são fundamentais para que continuemos sãos e felizes.

Apesar da boa fortuna me dada por Deus, penso naqueles que não a possuem da mesma forma. A esses digo: todo Lugar é o resultado de uma construção sentimental que leva tempo, esforço e fundamentalmente amor. A falta de uma mãe não nos condena, invariavelmente, à uma existência sem Lugar, sem pertencimento. Qualquer amontoado de tijolos e telhas pode ser uma casa, mas um lar demanda muito mais de nós, e, graças a Deus, pode existir das mais variadas formas.

Àquelas que nessa data sentem um vazio, seja ele pequeno ou grande, digo que observem ao seu redor. Observem se, sem perceberem, vocês não são o “Lugar” de alguém. Também convido a todos a quem esse artigo alcançar que se permitam e se proponham a serem o Lugar de alguém. O mundo é um lugar duro demais, extenso demais. Precisamos de Lugares em que possamos nos acolher, nos proteger e crescermos e mudarmos.

Feliz dia das Mães  

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