Em alguns escritos passados de nossa autoria, já tivemos a oportunidade de tecer comentários, aqui mesmo no nosso sitio, sobre a febre de consumo que contamina a população nas datas comemorativas. De mãos dadas com a curiosidade, passamos em revista o calendário, e constatamos que existem efemérides comemorativas para todos os gostos durante os 365 dias do ano.
O fato mais curioso que percebemos, foi a avidez do comercio por disponibilidade de datas, a ponto do desejo se tornar maior do que o próprio número de datas disponíveis no calendário durante o ano.
Foi através de constatações como essa, que nos foi possível entender a razão pela qual algumas datas durante o ano têm comemoração dupla.
Existem algumas datas inacreditáveis, outras impublicáveis parecendo até ter como única finalidade o popular enchimento de linguiça, ou seria dos bolsos? São comemorações de todos os sabores, numa prova de que os marketeiros vivem a pensar em fazer o possível para faturar mais.
É evidente que algumas comemorações são de maior prestigio, de maior envergadura. São aquelas que pela própria essência, calam mais fundo e sensibilizam mais facilmente muitas pessoas. O apelo comercial astucioso, sempre mira a emoção, a ponto de não haver questionamento nem dor de consciência na hora da compra do presente.
As agências de propaganda, desde aquelas mais profissionais e sofisticadas até as mais humildes, estarão sempre atentas para fazer as alterações e as adaptações necessárias, de modo a conseguir a maior arregimentação possível de compradores, independente do nicho social ao qual pertençam.
Nós vamos tentar fazer aqui um breve resumo mensal das datas de maior apelo comercial, intercalando a cronologia com alguns comentários que se fizerem necessários para um melhor entendimento do nosso ponto de vista.
Janeiro é o primeiro mês do ano e no seu primeiro dia, celebram-se a chamada confraternização universal também chamada Réveillon, que em linguagem pé-duro poderemos chamar Reveion. O verbete exótico nada mais é do que o significado em francês, da virada festiva do ano, com nome francês, para parecer mais chick.
Nesse período de início de ano as pessoas sempre aproveitam para fazer uma repaginação no ambiente doméstico. Dentro da capacidade financeira de cada um, renovam parte do enxoval de casa, adquirindo roupa de cama, mesa e banho e vez por outra algum pequeno móvel.
Por ser o mês das férias dos filhos, geralmente organizam viagens. (“até porque ninguém é de ferro”) A partir de então o comércio passa a colher a grande safra turística do setor hoteleiro, que se prepara com esmero para competir naquela que costumam chamar de alta estação do ano. A receita do período é compartilhada com as agências de viagens, com as empresas de transporte aéreo e terrestre, com as lojas de artesanato, com os bares e restaurantes.
Fevereiro é o mês consagrado ao carnaval que é uma festa móvel de maior incidência nesse mês.
O clima carnavalesco beneficia comercialmente as agências de viagens, o setor de transportes, e envolve com mais intensidade o setor de hotelaria, de bares, de restaurantes e até de vendedores ambulantes. Com relação às compras no comércio varejista, estão mais direcionadas para a aquisição de fantasias, de roupas de banho e de aquisição de bebidas.
Há pouco tempo surgiu no mês de fevereiro uma novidade, que ainda está no berçário, que é um tal de Valentine’s Day, ao que dizem dedicado aos namorados. Na verdade, nada mais é, do que mais um espasmo do velho complexo de vira-latas do qual falava Nelson Rodrigues.
É o mês da merecida homenagem prestada às mulheres em que o ponto culminante da celebração são as solenidades comemorativas do dia 08 de março a elas dedicado.
Todavia também é um mês de desagravo internacional, a toda forma de opressão que é praticada contra as mulheres, que na maioria das vezes têm sido: massacradas, oprimidas, discriminadas, excluídas, torturadas, e até mesmo cruelmente assassinadas. Como se fosse pouco, as mulheres ainda têm sido vítimas da opressão machista doentia e abjeta, que tem resistido ao tempo e ainda prevalece em pleno século 21. Àquelas mulheres que também fazem parte do mundo do trabalho, têm sofrido juntamente com as diversidades, toda exploração e opressão a que está sujeita a classe trabalhadora, consequência de um modelo econômico liberal burguês inerente à luta de classes.
É possível e desde que haja coincidência, que a semana santa também seja celebrada com presentes, que se somam aos presentes dados às mulheres, aquecem as demandas comercias do período, e de certa forma se assemelham ao período do carnaval em termos de: viagens, transportes, hotelaria, culinária e lazer. Culmina com a celebração da páscoa e a grande demanda comercial pelo consumo de chocolates que a cada ano cresce mais. Em que pese o Brasil ser um dos maiores produtores de cacau do mundo, paradoxalmente não é o maior produtor de chocolates. Não faz parte da nossa cultura, nem temos clima propicio para o consumo daquele grande energético. Todavia ele foi consagrado como símbolo da celebração da páscoa e conseguiu em parte obscurecer a figura do pranteado, subestimando até o suplício do Cristo que passou a ser secundário.
No mês de abril, afora a páscoa que as vezes coincide com ele, como aconteceu nesse ano de 2023, celebram-se no dia 21 a inconfidência mineira, sem mais nenhuma data de grande relevância. Porém, por mera coincidência de datas, pode acontecer um feriadão em que o turismo interno e o lazer poderão gerar demandas comerciais diversas e rentáveis.
Maio talvez seja o mês em que são celebradas as maiores efemérides do ano, notadamente por ter duas celebrações de muito significado emocional. O dia que é consagrado ao trabalho no dia 1° do mês, além do dia das mães no seu segundo domingo.
No tocante ao trabalho, tudo quanto a ele se refere, é ideologicamente muito pouco reconhecido. Nunca ninguém ouviu falar em troca de presentes no dia 1° de maio. Até um simples reajuste para atualização salarial, é considerado como um exagero ou um despautério, que termina por virar alvo de censura pelo establishment na pessoa dos patrões, e dos gestores públicos.
O comerciante que via de regra é, ou pensa ser burguês, vê no seu empregado um mero “colaborador.” Ele sabe muito bem o quanto paga a ele e sabe também que, o que ele ganha não suficiente nem para comer. Portanto, o trabalhador assalariado não tem expressão no mercado.
Voltam-se todas as atenções para a celebração do dia das mães, onde o apelo emocional encontra guarida e lhes proporciona talvez a maior receita de todo ano. As vendas no varejo serão recheadas pelo sentimentalismo, que lhes é inculcado e os faz considerarem-se “filhos ingratos,” se não derem o presente da mamãe.
Maio é também um mês consagrado às noivas, e principalmente por ser dedicado às mães, é onde se torna possível perceber melhor que, para muitos o importante é TER presentes para dar à mãe, do que SER presente na vida dela, que em alguns casos vive jogada num puxadinho do fundo do quintal.
Apesar do grande volume de vendas do mês de maio, elas ainda não são suficientes para demover o lojista da ideia de que o céu é o limite. Nesse sentido, depois de um balanço feito pelos órgãos de comercio, houve a lamentação por parte dos porta vozes dos comerciantes, pelo fato de 14 milhões de “filhos ingratos” não terem comprado o presente das mães.
Muito provavelmente esse contingente de “filhos ingratos” deva pertencer àquele extrato social de 33 milhões de pessoas que estão na miséria. Eles que têm pretendido se transformar em força de trabalho, não tem recebido as caricias da mão invisível do mercado, “que tudo resolve”, sequer para consolá-los.
Junho é o mês dedicado ao tríduo junino e tem um grande apelo popular, principalmente no nordeste brasileiro. É um mês inteiro de festas, em que prevalece o chamado turismo de eventos e as festividades ocupam toda extensão da Chapada da Borborema, desde o estado da Bahia até a Paraíba, se espalhando pelos sertões semiáridos.
No período mediano do mês, celebram-se o dia dos namorados e nesse particular o comércio varejista sempre aufere uma boa receita.
No entanto, o grande volume de vendas do período advém dos festejos juninos, onde o foco da receita vem dos setores de: viagens, turismo, hotelaria, excursões, artesanato, bares, restaurantes, culinária e o comércio de serviços e em geral.
Julho: é um mês sazonal em termos de festividades e de um faturamento de menor volume, por não ter festividades expressivas. Mas mesmo assim, é celebrado além do dia do rock no dia 13, o dia dos avós no dia 26. Os avós, que poderiam ser a salvação da lavoura do consumo, cá pra nós não têm aquele prestigio todo que se imagina, a ponto de incrementar as vendas do comercio com a aquisição de presentes. Por isso, a receita do comércio não vai muito além do normal para o período, e pode variar um pouco para cima beneficiado pelo fluxo turístico motivado pelo mês de férias.
Agosto: no segundo domingo do mês, celebram-se o dia dos pais, que cá pra nós, não tem todo esse prestígio que imaginam não. Como diria o saudoso humorista Antônio Carlos Pires, o Jovelino Barbacena da escolinha do professor Raimundo e pai da atriz Gloria Pires:
“Quando eu era criança lá in Barbacena, inventaro o dia dos pai a pedido das mãe, pros pais num ficá cum raiva.”
Mas o comércio nunca iria deixar um pai morrer à mingua. Por isso não faz barato e joga todas as fichas na propaganda e até que ainda consegue vender muita meia, cueca e pijama.
Setembro: o chamado mês da pátria onde a motivação para as compras não prospera além do normal. Todavia nos últimos quatro anos o 7 de setembro foi transformado em palco que se dizia cívico. Durante todo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro o comércio faturou bem com o slogan Pátria Amada Brasil, onde a pátria era o que contava menos.
Com o respaldo financeiro do cartão corporativo, armavam uma pantomima com palanque cheio de arautos e de atrações musicais caipirescas. Era o delírio da claque bolsonarista que a cada ano se postava na fila do gargarejo. Traziam para a esplanada dos ministérios, velhos e obsoletos tanques de guerra fumacentos, rebocando velhos canhões para desfilar junto com a tropa que o ególatra passava em revista e anunciava a cada ano um golpe de estado, aparentemente nunca apoiado integralmente pela caserna. Nesse ambiente criava-se um nicho de mercado, onde eram incluídos: transportes diversos, serviços de som, palanque, músicos, quentinhas, bandeiras, bonés, camisetas e hospedagem.
Quase todo esse material, provavelmente era fornecido pelo Vei da Havan, que durante todo governo foi papagaio de pirata mor. O dia 15 de setembro é o dia consagrado ao cliente, que já é: tão exaurido, tão explorado e tão extorquido durante o ano, e não mais seduz a mídia comercial.
Outubro é o mês das celebrações alusivas à festa da padroeira do Brasil que é a Virgem da Conceição Aparecida, em que a religiosidade alimenta o consumo. Durante a romaria anual à Basílica de Aparecida do Norte, as prendas doadas são quase todas elas em espécie, afora o uso intensivo de transportes rodoviários, há o faturamento litúrgico com a venda de: velas, terços, camisetas, bonés, souvenir e artefatos religiosos diversos.
No mês de outubro existe ainda a celebração muito prestigiada que é a do dia da criança. É sempre bom lembrar que prometer presente a criança é apostar na perda do sossego. O comércio sabendo disso, explora muito bem essa particularidade. A criança, pela sua inquietude não espera, e por iniciativa própria pesquisa na televisão e nos celulares o que lhes interessa. Faz os seus planos e devaneios e mesmo que não consigam tudo, alavancarão as vendas ao máximo para o delírio do comércio varejista.
Para fechar o mês de outubro teremos no dia 31 uma festa importada em homenagem às bruxas, de nome extraído diretamente do dicionário vira-latês: Halloween. Sabem o que isso? Simplesmente Dia das Bruxas!
No mês de novembro, em que pese o dia 15 ser dedicado à proclamação da república, o comercio promove uma “liquidação” engraçada que resolveram dar um título do vernáculo vira-latês: Black Friday, que acontece no dia 24 de novembro, além de uma outra vira latisse denominada Cyber Monday no dia 27.
Em novembro já é também possível ouvirmos os primeiros acordes das harpas do natal tocadas nas lojas, anunciando a grande festa do natal de Jesus Cristo e intimando o mundo para o consumo. É o avant premiére para início da grande estação de compra de presentes de fim de ano, que vai até o mês de janeiro.
No mês de dezembro, uma só data que é o dia 25, desperta motivação para praticamente três meses de festas e de um grande volume de vendas do comércio varejista.
Costumamos sempre dizer que gostaríamos muito que a humanidade vivesse os 365 dias do ano com harmonia que demonstra ter no período do natal. Aumenta em muito nas pessoas o grau de: generosidade, solidariedade, cavalheirismo e tolerância que duram até o dia 1° de janeiro. Para muitos, no entanto é a oportunidade de um balanço comportamental de vida para as devidas correções de comportamento se necessárias.
Durante todos os anos temos uma convivência incomoda que fere a sensibilidade das pessoas de boa vontade. Nos referimos ao grande contingente de párias da sociedade que são: os desempregados, os sem-terra, os sem teto, os sem esperança, os famintos, os andrajosos, os miseráveis e excluídos, enfim, os sem nada. Atravessamos anos e mais anos encontrando-os pelas ruas das cidades, desnudos e doentes, mendigando a compaixão pública. Para atenuar os problemas de consciência, organizam-se os célebres natais sem fome. Ou seja, naquele dia não pode passar fome, mas o resto do ano pode e a partir do dia 2 de janeiro e durante todo resto do ano voltam para o seu normal. Até quando?
Pelo visto e isso é público e notório, o establishment só consegue conjugar um único verbo que é verbo TER. Portanto, por ocasião de todas essas festividades citadas e aqui e tomando como exemplo o dia das mães, é muito mais importante TER presentes para dar às mães, do que SER presente na vida delas e acolhe-las fazendo a nossa parte.
SONETO DE NATAL
MACHADO DE ASSIS
Um homem, — era aquela noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno, —
Ao relembrar os dias de pequeno,
E a viva dança, e a lépida cantiga,
Quis transportar ao verso doce e ameno
As sensações da sua idade antiga,
Naquela mesma velha noite amiga,
Noite cristã, berço do Nazareno.
Escolheu o soneto . . . A folha branca
Pede-lhe a inspiração; mas, frouxa e manca,
A pena não acode ao gesto seu.
E, em vão lutando contra o metro adverso,
Só lhe saiu este pequeno verso:
“Mudaria o Natal ou mudei eu?”
Referências:
EBC | Rua 25 de Março registra movimento intenso na véspera do Natal;
5 motivos para presentear sua mãe com uma semijoia! – Ekim Semijoias;
Bolsonaro puxa coro de “imbrochável” em discurso no Dia da Independência (cnnbrasil.com.br);
Fotografias:
EBC | Rua 25 de Março registra movimento intenso na véspera do Natal;
Atrações do Réveillon do Rio de Janeiro 2013/2014 – Diário do Rio de Janeiro (diariodorio.com);
5 motivos para presentear sua mãe com uma semijoia! – Ekim Semijoias;
abertura do são joão – Foto de Parque do Povo, Campina Grande – Tripadvisor;
Bolsonaro puxa coro de “imbrochável” em discurso no Dia da Independência (cnnbrasil.com.br);
Presépio Natalino: como e quando montar, significados e dicas para a decoração (uol.com.br)