Estou, como uma pessoa profundamente envolvida com a política educacional, aliviada com a decisão do presidente Lula de avaliar e “reestruturar” o tal novo ensino médio.
O Novo Ensino Médio, para esclarecer, é um conjunto de mudanças na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovado em 2017, e que começou a ser implantado no ano passado. Essa implantação se daria por etapas e estaria completa em 2024.
No entanto, tudo isso se deu sob fortes críticas de estudantes e profissionais da educação, especialmente da rede pública de ensino.
Esse conjunto de mudanças compreende, entre outras coisas, a formação profissional, o aumento da carga horária dos profissionais e da presença dos estudantes na escola, além de uma nova grade curricular que amplia a carga horária de disciplinas não científicas e a diminui a de disciplinas comuns ao currículo do EM, excluindo conteúdos como sociologia e filosofia.
A maior propaganda do novo ensino médio, portanto, está numa maior participação dos estudantes que, a partir do terceiro ano, escolhem as disciplinas que querem estudar, aprofundar, usando as Trilhas de Aprendizagens e os Itinerários Formativos.
Esses Itinerários Formativos podem ser escolhidos pelas Redes. Cada Estado pode ter seus Itinerários de acordo com suas possibilidades. Ou seja, os estudantes terão uma escolha diante das escolhas feitas pela rede. Isso não representa uma autonomia ou liberdade, mas uma condução para um caminho que leva a um único modelo de sociedade.
Com esse programa, as escolas de EM passam a integrar a lógica do mercado e os estudantes das escolas públicas, especialmente, serão preparados para servi-lo.
Venderam gato por lebre! Determinaram o caminho com cheirinho de autonomia.
Os estudantes e profissionais da educação estão gritando isso desde o início do decreto que alterou a LDB – imagina só, mudar os rumos da educação por decreto! Um absurdo sem precedentes!!
Para se mudar a educação a escuta precisa ser ampla e a discussão profunda! Até porque, no caso do EM, são várias as juventudes, com anseios, necessidades e urgências diferentes. Estudantes, assim como professores(as) e gestores(as) escolares, precisam e devem ser ouvidos(as).
O Novo Ensino Médio, segundo as vozes que vêm do chão da escola, tem vários equívocos e problemas que mostram a falta de sintonia com a realidade e a mercantilização da escola.
Imagina uma jovem que é estudante e, ao mesmo tempo, arrimo de família como vai fazer para atender a nova carga horária? Todos os dias, a correria do trabalho pra escola e da escola pro trabalho ficaria dificílima de conciliar. Como deixar os filhos mais tempo com alguém pra poder esticar seu tempo na escola? Sim, muitos jovens são pais e mães!
Estes não terão o direito de estudar?
Professoras e professores, terão que inventar coisas que pareçam inovadoras, para dar conta de conteúdos para os quais não foram preparados, fragilizando todo o processo pedagógico.
De onde vão tirar tanta criatividade, considerando que nada mais na escola mudou ou foi adaptado para receber inovações e experimentos?
De fato, a escola de EM há muito se tornou um desafio e precisava, (precisa) de uma renovação séria, consistente e consciente, que acompanhe as intensas mudanças vividas pelo seu público potencial – as diferentes juventudes.
As juventudes que vemos hoje, não lembram, nem de longe, a juventude das gerações anteriores.
Com o advento da conectividade, tudo mudou e vem mudando de forma avassaladora e as juventudes estão dentro desse contexto.
Portanto, pensar em educação para o EM, é um baita desafio que se tornou um problema nos últimos anos. Os jovens evadem da escola por diferentes motivos, mas a falta de identidade com o fazer escolar é, sem dúvida, um deles! Esse é um problema cada vez mais complexo, com desdobramentos enormes na vida dos jovens e, consequentemente, da sociedade. Um problema que só pode ter solução com muitas pessoas trabalhando, pensando e agindo juntas, com diálogos intergeracionais. A solução para um problema tão complexo nunca será simples! Exigirá muito de todos!
A falta de diálogo e participação social, sem considerar os inúmeros sujeitos envolvidos e as especificidades desses sujeitos e seus territórios foi, no mínimo, uma irresponsabilidade, uma imprudência.
Confundir inovação com novidade, educação em tempo integral com educação integral, retirar disciplinas tradicionais e importantes, manter estudantes por mais tempo na escola fazendo oficinas e aulas práticas e achar que isso representa qualidade e inovação é um equívoco gigantesco!
Mas, mais que isso, é um atestado de desconhecimento do Brasil!
Reduzir o direito à educação com essa ampliação de carga-horária, aprofundar a diferença de classes e focar numa educação que sirva a um único modelo de sociedade baseada no que dita o mercado é o que está posto no novo EM.
Não é de hoje que precisamos encarar o EM e precisamos fazer isso escutando as juventudes, seus sonhos, anseios e expectativas e não achando que sabemos o que é melhor para elas.
As juventudes, embora diferentes em alguns aspectos, são muito conectadas, isso elas têm em comum. São conectadas e têm muita informação. Nosso desafio como profissionais de educação, gestores públicos da educação e poderes, talvez seja transformar essas informações em conhecimentos. Conhecimentos que venham fazer sentido na solução de questões trazidas pela vida imediata, pela vida cotidiana e pelos sonhos que almejam os estudantes.
Nosso foco é uma escola que tenha espaço para conhecer o passado, a fim de saber quem somos, de onde viemos, dar sentido ao presente, tanto quanto ao futuro, provocar, instigar e construir conjuntamente nosso papel na sociedade que queremos. Ampliar a participação das juventudes nas escolas e não reduzi-la.
A falta de consenso quanto aos princípios filosóficos, pedagógicos e políticos contidos no novo ensino médio nos trouxe até aqui. Que bom que o presidente Lula escutou esse grito.
Agora, temos que continuar gritando, pois, aos ouvidos do Ministro não surtiu o efeito que precisamos e que esperávamos. Não basta reestruturar algo tão equivocado! É preciso revogar e fazer do jeito certo. Com coragem, compromisso e firmeza de proposições teremos o EM que o Brasil almeja.