Infinitos são os livros, tratados e conselhos sobre a chamada “arte da guerra” e como devemos lidar com nossos conflitos, contudo pouco se fala de uma situação muito mais assustadora: a paz. E aqui não me refiro à paz bélica gerada pela ausência de guerras, mas à paz, chamada por algumas culturas de “caminho do meio”. São momentos em que não estamos esfuziantes de alegria como também não nos encontramos nos abismos da tristeza.
Nesses últimos dias eu venho enfrentando essa situação que há muito não me ocorria: me sinto em paz. É curioso como são incontáveis os textos na internet que podem nos ajudar em situação críticas sejam elas as geradas pela perda, pela dor, pela doença…, mas algo infinitamente mais complexo, e totalmente negligenciado é o que se refere à paz.
Parece que o ser humano é sempre treinado ou condicionado, desde a infância, para que se adapte e saiba se conformar e se comportar em situações de desprazer e desconforto, contudo, nunca nos ensinam o que fazer quando nos sentimos em paz. E aqui não vou sequer tangenciar a questão da alegria, que essa, muito menos, nos é ensinado a lidar.
E aqui eu acredito que seja necessário que eu explique para o leitor em que, para mim, consiste essa paz. Como o leitor já sabe a essa altura, minha cabeça funciona de um modo um pouco peculiar e diferente do comum, então depois de não sei mais nem quanto tempo venho me sentindo mais sereno, sem os arroubos da ansiedade ou das profundezas da depressão. Não quero dizer com isso que o céu está azul, sem nuvens, os pássaros cantam e o caminho é pavimentado com tijolos dourados. Pelo contrário, aqui e acolá surgem nuvens no céu que talvez pressagiem uma tempestade, vez por outra me deparo com um caminho mais sombreado onde a humildade carcomeu a passagem e preciso sujar um pouco os meus pés para continuar em frente.
Entretanto, a paz não reside no caminho, nas árvores, ou no céu. A paz habita em mim. E por mais clichê que essa frase possa ser (e os clichês são clichês por um motivo), ela é verdadeira. Pouco ou nada mudou em minha vida de forma tangível, contudo sinto que eu mudei. Não sei bem explicar o que nem o por que dessa mudança, contudo, a possibilidade de uma tempestade no horizonte não mais me paralisa de terror, ainda me assusta, é verdade, contudo, ainda que com passos relutantes, eu sigo a minha caminhada.
Não acredito que o que eu escreva aqui possa ajudar alguém de forma concreta, como também não consegui encontrar nada que falasse com o meu coração sobre esse sentimento que vêm me fazendo companhia recentemente. Minhas dúvidas, inseguranças, desejos, tristezas e toda a bagagem de uma vida continuam me fazendo companhia. Não posso escrever um texto, sequer um panfleto ou um post para uma rede social, com 10 ou mesmo 5 passos para a paz interior.
Não foi comendo fibras para fazer meu intestino funcionar melhor que eu consegui produzir tal hormônio que me deu a sensação que sinto hoje, não foi arrumar a cama assim que me levanto, não foram 10 minutos de caminhada descalço em contato com a natureza, certamente não foram horas de exercício ou meditação. Como diz uma canção da cantora pop americana Katy Perry “você já se sentiu como uma sacola plástica voando sem destino no vento?”, apesar da paupérrima poesia da letra, a música chiclete grudou em meus ouvidos e vez por outra me pego relembrando esses versos e me identifico com eles.
Continuo me sentindo sem rumo em muitos aspectos de minha vida, mas, por hoje, isso não me apavora mais.
Algumas coisas, tive que fazer as pazes, me acompanharão até o túmulo. Sejam os distúrbios alimentares que contraí através de uma vida de dietas, sejam os males da mente que mesmo dormentes estão sempre comigo, mas mais do que isso terei que lidar com o fato de que eu sou um sujeito do meu tempo. Por mais que eu leia meu jornal todos os dias, ouça meus podcasts de 5 continentes diferentes, passe horas por dia em redes sociais vendo quais são os assuntos do momento, eu sempre serei o fruto de uma geração intermediária.
Os marcos temporais que todos nós temos, são um pouco deslocados para as pessoas da minha geração e ainda não sabemos muito bem o que fazer com isso.
Ao mesmo tempo em que não vivemos no mundo de nossos pais, ainda mantemos alguns de seus valores mais “engessados”, já as gerações seguintes, aparentemente se libertaram completamente desses valores e estão criando os seus.
Outro dia conversava com uma amiga que, de repente, nos tornamos as pessoas com roupas inadequadas, costumes ultrapassados e entramos numa faixa em que somos jovens demais para sermos velhos e velhos demais para sermos jovens.
Estamos mais próximos de termos que começar a fazer exames de próstata e mamografias do que de estamos do frenesi de escolhermos as roupas para os bailes de 15 anos. Quando foi que nos vestirmos como os jovens se tornou inadequado?
O fato é que são muitas coisas, umas delas inerentes a uma geração, outras pessoais e intransferíveis de cada sujeito, mas todos nós levamos conosco um conjunto de valores, memórias, hábitos, costumes, enfim, que nos fazem o que somos e que nos influenciam fortemente em sermos e agirmos da forma como fazemos. E com isso temos que fazer as pazes.
Talvez seja leviano de minha parte dizer que a paz interior seja uma construção, ou até mesmo um exercício. Parece ser verdadeiro, mas ao mesmo tempo se assim o fosse todos estaríamos a caminho da paz, já que ninguém escolheria o sofrimento. Talvez a fuga do sofrimento seja exatamente o que nos tire a paz, e tenhamos que compreender que o sofrimento, tal como o prazer, faz parte da nossa vida como o dia e a noite fazem parte do ciclo terrestre. Fato é: a paz é possível para todos, e não menos assustadora que seus irmãos a alegria, a dor ou o sofrimento.
E tal como temos que aprender a lidar com eles e vivermos nossas vidas sabendo que eles são partes de nós, temos que agir da mesma forma sabendo que a paz é possível, merecida, e efêmera, como qualquer outro sentimento ou estado de espírito. E se a nós cabe alguma escolha a respeito de nossas vidas que seja termos a sabedoria de mantermos a nossa paz o máximo de tempo possível e passarmos pelos altos e baixos da vida sempre tendo em mente que queremos voltar a ela.