
Por: Rui Leitão;
Nos bancos escolares, aprendemos que uma princesa aboliu a escravidão no Brasil. Nas provas, cobravam-nos apenas a data e o nome da lei. Nada além disso era solicitado — e o assunto se encerrava aí.
Entretanto, a escravidão moldou profundamente a sociedade brasileira. Foram mais de 300 anos de trabalho compulsório de africanos na construção do país, o último do mundo a extinguir essa prática, e só o fez após intensas pressões internacionais e internas, impulsionadas pelas lutas de negros e brancos que não aceitavam mais a existência de toda uma população de não cidadãos, de não consumidores, de pessoas que, por lei, pertenciam a um senhor que detinha quase o poder de vida e morte sobre elas.
A escravidão, como sabemos, não foi um fenômeno restrito ao Brasil ou a um período específico. Existiu na Antiguidade, aparece em diversos trechos dos textos bíblicos e, lamentavelmente, ainda hoje persiste sob múltiplas formas. No Brasil, além da miséria e da falta de oportunidades, o fim tardio da escravidão deixou às pessoas libertas o abandono — e, como marca mais profunda e duradoura, o racismo. Somos, infelizmente, uma sociedade racista, que necessita refletir sobre as maneiras pelas quais o racismo opera no cotidiano.

Dados do IBGE demonstram com clareza esses efeitos: 73% da população em extrema pobreza é composta por pessoas negras; nas universidades, apenas 18% dos estudantes matriculados são negros — e esse número só chegou a esse patamar graças às políticas de ação afirmativa. Na pós-graduação (mestrado e doutorado), o contraste é ainda maior: apenas 2,7% são pretos, contra 82% de brancos.
O Brasil precisa de uma nova abolição, que, diferente da primeira, seja baseada em políticas públicas que contemplem efetivamente a população negra e formem cidadãos antirracistas. Só assim construiremos uma sociedade verdadeiramente igualitária, uma pátria-mãe para todos os seus filhos.

A necessidade dessa segunda abolição nos leva a outra reflexão igualmente urgente: o persistente trabalho escravo contemporâneo, que está longe de desaparecer. O racismo continua sendo instrumento de funcionamento da produção capitalista, permitindo que a dominação burguesa mantenha as estruturas sociais brasileiras explorando a mão de obra negra em condições análogas à escravidão. Capitalismo e racismo se realimentam, herdeiros diretos dos resquícios do modo de produção escravista colonial.
É preciso enfrentarmos o desafio de formular estratégias que rompam o reacionarismo incrustado nas instituições e promovam a plena integração da população negra em condições de igualdade na sociedade de classes. Esta, sim, será a verdadeira “segunda abolição da escravidão” no Brasil.





