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InícioFlavio Ramalho de BritoO Zeppelin passou por aqui

O Zeppelin passou por aqui

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A partir de meados da segunda metade do século 19, tornaram-se mais intensos, em vários lugares do mundo, os experimentos com o objetivo de se conseguir voos motorizados em aeróstatos que eram então chamados de dirigíveis. Obras escritas na época, como “Cinco semanas em um balão” do francês Jules Verne, iniciavam o que viria a ser a literatura de ficção científica e estimulavam a construção de novas invenções aeronáuticas.

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Em Paris, no dia 20 de setembro de 1898, um jovem dândi de 25 anos, vestindo um terno listrado, de colarinho alto, usando chapéu coco e luvas finas, com sapatos reluzentes e de saltos com mais de dois centímetros, chegou ao Jardin d’Acclimatation onde se encontrava o dirigível que ele construíra e que tinha a forma de um charuto com 25 metros de comprimento. Na presença de grande número de espectadores, subiu na cesta de vime do balão, deu partida no motor e o dirigível alçou vagarosamente e, sob o seu comando e por vários minutos, voou pelos céus da capital francesa, naquela que foi a primeira experiência, devidamente documentada, de um voo motorizado e controlado de um aeróstato. Aquele jovem inventor, o brasileiro Alberto Santos Dumont, ainda seria personagem de outros episódios pioneiros na aviação mundial.

 

Dentre os inúmeros inventores de protótipos para a navegação aérea naquele tempo estava o Graf (Conde) Ferdinand von Zeppelin, apelidado de “o velho Conde Maluco”. Militar alemão de vida aventurosa, o Graf Zeppelin chegou a participar da Guerra Civil norte-americana e, em 1894, obteve na Alemanha uma patente para construção de um dirigível. Em 1900, o Conde colocou o seu aeróstato em funcionamento em três ocasiões, mas o artefato apresentou problemas. Seis anos depois, enfim, o Conde Zeppelin conseguiu construir uma aeronave que foi operada com tal êxito que as versões seguintes do seu equipamento e os dirigíveis que foram, a partir daí, sendo fabricados passaram a ser chamados indistintamente de Zeppelins.

No final de 1909, era inaugurada a primeira linha aérea regular de passageiros, com os dirigíveis Zeppelins, entre cidades da Alemanha. A Primeira Guerra Mundial interrompeu o crescente aproveitamento do Zeppelin no transporte de passageiros, tendo o dirigível sido empregado para fins militares pelas forças alemãs para bombardear Londres. Passados os anos do conflito, foi retomada a utilização do Zeppelin no transporte aéreo e, em outubro de 1928, o dirigível fez o seu primeiro voo atravessando o Atlântico com destino aos Estados Unidos.

Em maio de 1930, anunciava-se a primeira viagem do Graf Zeppelin da Alemanha para o Brasil, com a instalação de uma rota regular para transporte de passageiros e de serviços postais entre os dois países. Um comunicado publicado no jornal “A Província”, do Recife, dava informações sobre o voo inaugural:

“o dirigivel ‘Graf Zeppelin’ deve partir de Friedrichshafen em meiados do crte. mês para o vôo ao Brasil sendo o itinerario o seguinte: Sevilha, Ilhas Canarias, Cabo Verde, Pernambuco, Rio de Janeiro, Pernambuco, permanecendo aqui no mastro de amarração provavelmente dous a três dias. D’aqui seguirá para Havana, Lakehurst, Sevilha e Friedrichshafen” (“A Provincia”, 11 de maio de 1930)”

O “Graf Zeppelin” deixou a Alemanha no dia 19 de maio e o percurso da aeronave era acompanhado através de radiogramas que eram publicados nos jornais brasileiros. Em Sevilha, onde o dirigível aterrissou, a população, segundo as notícias que aqui chegaram, afluiu de forma ansiosa e curiosa para o local onde o Zeppelin ficou amarrado a uma torre de atracação. No Recife, que seria a primeira parada do “Graf Zeppelin” no Brasil após a travessia do Atlântico, era grande a expectativa com a chegada do dirigível. Os ingressos para o acesso ao aeródromo do Jiquiá, onde a aeronave seria atracada, começaram a ser vendidos, com antecedência, em vários locais.

No seu trajeto para o Recife o “Graf Zeppelin” passaria sobre a capital da Paraíba. O Estado vivia, então, uma situação de grande intranquilidade que se iniciara fazia dois meses. No início de março, irrompera nos sertões da Paraíba uma rebelião contra o governo estadual, que tinha o seu epicentro no município de Princesa, e os fatos relacionados com a revolta eram estampados, diariamente, nas páginas dos principais jornais do país. Apesar da turbulência da situação local, a passagem do ‘Graf Zeppelin” pelos céus da Cidade da Paraíba fez com que fossem suspensas, momentaneamente, as preocupações da população com a “Guerra de Princesa”.

Embora o sobrevoo do “Graf Zeppelin” sobre a Cidade da Paraíba tivesse sido previamente anunciado, foi frustrada a expectativa da população para a passagem do dirigível pela capital do Estado por razões que foram apresentadas, no dia seguinte, em notícia do jornal “A União”:

“Amarrou hontem em Recife, após longa viagem sobre o Atlantico, de mais de 58 horas, o Graf Zeppelin, que veiu sob o comando do dr. Eckner. A população desta cidade, tendo sido annunciada a sua passagem aqui, ás 6h da manhã, movimentou-se com vivo interesse. Durante todo o dia foi enorme o transito nas ruas […] Á noite fomos informados[…] que de bordo do Zeppelin radiographaram […] communicando que a aeronave vinha atrazada em consequencia de ventos contrarios […] De Recife recebemos o telegrama, pouco depois:

Recife, 22 – Ás 18,35 chegou o Graf Zeppelin, fazendo antes de amarrar, pequenas evoluções. O motivo de não ter passado sobre a Parahyba foram as condições atmosphericas”.

A chegada do “Graf Zeppelin” ao Recife foi saudada em manchetes entusiásticas nos jornais da cidade e as principais autoridades do Estado estavam presentes na aterrisagem da aeronave, cujos tripulantes e passageiros foram saudados por Gilberto Freyre, que era oficial de gabinete do governador Estácio Coimbra. Entre os passageiros do voo inaugural estava o engenheiro Licínio Cardoso, professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, que foi o primeiro brasileiro a participar de uma viagem do Zeppelin para o Brasil.

O “Graf Zeppelin”, após a parada no Recife, retomou o seu percurso em direção ao Rio de Janeiro, ponto final da sua rota. Depois de uma breve permanência no Rio, retornou para o Recife, de onde iniciaria a sua volta para a Alemanha. Os paraibanos, novamente esqueceram temporariamente a “Guerra de Princesa” e aguardavam que a aeronave, desta vez, sobrevoasse a Cidade de Nossa Senhora das Neves. E foi o que ocorreu no dia 28 de maio, conforme relato publicado no jornal “A União”:

“Hontem, a uma hora e dez minutos da tarde, a população assistiu a um espectaculo magestoso, com a passagem, sobre esta capital, do dirigivel allemão ‘Graf Zeppelin’. A possante aeronave passou […] em vôo sereno, num bello semi-circulo, a cerca de 100 metros de altura, podendo ser vista em seus minimos detalhes. Devemos destacar nesta noticia o empenho da Companhia Commercio e Industria Kroncke junto ao commandante Hugo Eckner, a fim de que o ‘Zeppelin’ voasse sobre a Parahyba e tambem a gentileza do illustre technico allemão, que proporcionou ao povo parahybano tão maravilhoso quadro.

Antes da passagem do transatlantico dos ares sobre a nossa metropole, iamos sendo informados minudentemente pelo telephone pela casa Kroncke e pela S. A. Warthon Pedrosa, e affixando, para conhecimento do povo, succesivos ‘placards’ lidos com avidez […] Quando cruzava pelas ruas Duque de Caxias e General Ozorio, o ‘Zeppelin’ voou vagarosamente enthusiasmando a multidão que se alongava naquellas arterias”

A passagem do “Graf Zeppelin” pelos céus da capital da Paraíba deixou lembranças indeléveis naqueles que presenciaram o sobrevoo do dirigível alemão, em baixa altitude, pelo centro da cidade, como foi o caso do menino Petrônio de Castro Pinto que, mais de duas décadas depois, rememorou o acontecimento em crônica publicada em jornal local:

“E foi por essa fase do ano que a Lagoa movimentou-se, arregimentou-se e entusiasmou-se. É que numa manhã daquelas, passava pela cidade o Graf-Zeppelin. E quando o dia chegou foi uma festa. O Graf-Zeppelin passou bonito, rasgando o céu e desaparecendo na amplidão, resplandecendo de beleza com seu corpo de alumínio… E a Lagoa teve assunto para muitos dias. O calor foi esquecido por algum tempo. E Petit veio, fazendo proezas, folhas secas no avião. Assustava toda gente: – Eita, agora ele cai! diziam; e o avião ficava quase rente com o telhado da mercearia do velho Duca. Depois, levantava voo e sumia… A meninada ficava satisfeita, dizendo alegre: – Esse Petit é um danado…”

 

 

Nota do autor: Este texto foi inspirado na crônica “O Graf Zeppelin” incluída no livro “Páginas de um diário” de Petrônio de Castro Pinto (1923 – 2000), pai do poeta e ensaísta Sérgio de Castro Pinto e que tem o seu centenário de nascimento neste ano de 2023.

 

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