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O Cariri místico

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A região denominada Cariri, situada no sul do Ceará, fronteira dos estados de Pernambuco, Piauí e Paraíba, possui características diferenciadas no seu entorno geográfico por apresentar clima menos tórrido, vegetação de cerrado e vale fértil, isto em face da Chapada do Araripe, em torno da qual se estabelece.

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Suas principais cidades, que formam um triângulo próspero, Crato, Juazeiro do Norte e Barbalha, surgiram nos rastros do Ciclo do Couro, desvinculada, pois, dos primeiros europeus que chegavam no litoral norte da Capitania.

As tradições originais, talvez por tais motivos, reservaram costumes bem característicos, em parte ligadas ao passado medieval português e ao catolicismo romano, em parte forjada nos remanescentes indígenas dos antigos habitantes.

Da miscigenação das duas culturas resultaram mitos ainda hoje anotados nas lendas correntes da caipora, protetora dos animais das matas; o lobisomem, mistura de humano com lobo guará; das mães d’água, locais onde se formam poças remanescentes, nos rios, escondidas entre pedras e barrancos, cobertas de vegetação; e do carneiro de ouro, que, dizem, surge ao pôr do sol em lugares de pedras e de rios.

Com relação à fundação da cidade de Crato, há versão de que a vila se desenvolvera de antigo ponto de pouso de viajantes, carregadores em lombo de animais, tangedores de gado, onde vivia primitivo bruxo de nome Fidelis, arruado que depois conhecido por Curato de São Fidelis, até a Crato..

Sabe-se pelos estudos geológicos que, do outro lado da Chapada, onde hoje existem os municípios de Santana do Cariri e Nova Olinda, no período Cretáceo, há milhões de anos, havia cobertura de mar, movida com as transformações da superfície do Planeta.

Alguns aspectos da herança popular trazem à baila, pela mitologia, notícias da existência, embaixo do altar mor da Catedral da Sé, em Crato, do que nomeiam a “cama da baleia”. Quando os primeiros capuchinhos construíam a igreja, ao realizarem as obras iniciais, depositaram imagem trazida de Portugal da Nossa Senhora do Belo Amor no altar principal. Os habitantes questionavam a localização, porquanto a santa dali desaparecia, do dia para a noite, indo ser achada em sítio diferente do escolhido.

Dentre o que divulgam de visões do Padre Cícero, contam que, certa vez, viajando a cavalo entre Crato e Juazeiro, teria, em rápido cochilo, presenciado em sua frente um peixe graúdo, à altura de seu rosto.

Um incidente histórico registra que o Sítio Caldeirão, mais adiante sede da comunidade Caldeirão do Deserto, liderada pelo Beato Zé Lourenço, ficou assim nomeando em face de nele haver sido encontrado o corpo sem vida de um jesuíta fugitivo das perseguições do Marquês de Pombal. Nos acontecimentos do Caldeirão do Beato, comunidade rural mística veio se ali organizada, depois extinta, nos finais da década de 30, pelas forças militares.

O beato José Lourenço possuía animal, o Boi Mansinho, motivo de reverência pelos seus seguidores, o que estudiosos identificam com a figuração do Boi Ápis da Antiguidade Egípcia.

Há, também, aquele que pode ser classificado como o mito maior da região, a Pedra da Batateira, que diz respeito à maior da numerosas fontes de água que jorram das encostas da Chapada. Segundo consta do imaginário popular, ao se verem vítimas dos colonizadores portugueses que lhes tomavam as terras, a natureza e a liberdade, os índios lacraram com pedras, madeira e resinas a boca do vertedor, amaldiçoando os estrangeiros com a profecia de que, um dia, essa fonte ressurgiria com maior intensidade e explodiria como a nascente de rio volumoso, a levar de roldão as povoações que encontrasse em seu curso.

A propósito, segundo hipótese corrente, no interior da Serra do Araripe existiria mais água, em reserva geológica, do que no espaço da Baia da Guanabara, no Rio de Janeiro.

Juazeiro do Norte, município estabelecido sob a égide do sacerdote católico Cícero Romão Batista, caracteriza-se pelo aspecto místico de sua cultura, agregando romeiros, beatos, rezadores, pagadores de promessa e, até, uma ordem religiosa surgida sob o título de Aves de Jesus, com trajes e regras próprias.

O território caririense revela, portanto, universo propício a pesquisas detalhadas quando aos modos de seu povo manifestar o Inconsciente Coletivo por meio das artes visuais, do artesanato, rituais, danças, literatura oral e religiosidade fervorosa.

O fenômeno do Padre Cícero, suas romarias anuais e os locais sagrados de Juazeiro do Norte, por exemplo, guardam estreita ligação com as mais ricas manifestações e buscas dos seres humanos na busca de desvendar os mistérios do Desconhecido.

 

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