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Amigo, você também é pobre

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Outro dia estava em uma clínica, um tanto quanto decadente, em um bairro de classe média aqui da capital quando ouço o diálogo de alguns dos frequentadores que levavam seus pais para se tratarem. Um parêntesis um tanto quanto necessário se faz para dizer que a classe média está cada vez pior. Me deparei com a cena de uma pseudo-elite em franca decadência. Um filho que levava seus pais para a fisioterapia, mas que não trocava duas palavras com o casal, que estavam mais preocupados com a sua cuidadora que não havia chegado para acompanhá-los como de costume, do que em conversar com o filho.

A cena toda me chamou a atenção para algumas coisas, a primeira foi essa dinâmica um tanto quanto “fria” entre pais e filho, mas quanto a isso não posso tecer julgamento algum. Só Deus sabe da intimidade daquela família e de sua história. Contudo, me chamou a atenção a “necessidade” da presença da cuidadora que havia se ausentado pois seu pai estava internado e, sendo a única responsável por ele, precisou se ausentar do trabalho para cuidar das suas questões familiares. Um retrato clássico das classes baixas que precisam abrir mão dos cuidados dos seus filhos e idosos para poderem ter um sustento cuidando das famílias alheias.

Me chamou muito a atenção aquela dinâmica tão conhecida de todos nós e que se repete há décadas, ou até mesmo há séculos. É inacreditável, ao menos para mim, ver que nossa sociedade se desenvolve em tantos aspectos, mas em outros permanece intacta, estacionada no tempo e no espaço.

Naquele ambiente vi e ouvi coisas que me permitiram refletir sobre o fim. Seja o fim de modos de existência, da vida em si e de nós como sociedade. A clínica construída em mármore, com elevador, ar condicionado e bem decorada contava com apenas uma recepcionista que, talvez por estar ocupada demais com tantos afazeres nem sequer me atendeu, as luzes estavam em sua maioria apagadas, no segundo andar o ar condicionado estava desligado e funcionava apenas um pequeno ventilador sem tela de proteção. O ar que o ambiente exalava era de decadência ou de “um passo maior que a perna” dado em tempos mais esperançosos.

Conforme o casal de idosos era atendido, o filho se dirigiu ao andar inferior em que começou a conversar animadamente com algum conhecido ou um outro frequentador da clínica. No andar de cima onde eram feitos os atendimentos, ficamos apenas eu, a cuidadora do casal de idosos que havia chegado há pouco, e o ventilador com pouca utilidade.

No andar de baixo o senhor, que pelo que ouvi, trabalha ou já trabalhou como funcionário do Banco do Brasil, contava da sua infância em uma grande casa onde seu pai mandara construir até uma enorme piscina. “A gente usava um balde de 10kg de cloro toda vez que precisava tratar a piscina”. Hoje mora para os lados do Bessa onde não usa a piscina que tem por que esta está sempre muito fria por se encontrar na cobertura.

Enquanto eu, e qualquer outro estranho que ali estivesse, aprendíamos sobre a vida desse homem e de sua família, ele começou a emitir suas opiniões políticas que pouco me surpreenderam. Falava de como a eleição do atual presidente fora responsável por basicamente todos os males do país, de como a mídia era controlada pela “esquerda” e tantas outras barbaridades que seriam consideradas um simples absurdo por qualquer pessoa que ainda tem a habilidade de concatenar alguns pensamentos críticos e dispor a exercitar seus neurônios.

Ali fiquei observando que aquela família que usava um serviço, igual a mim, uma família que vive há gerações dos frutos de seu trabalho, como quase a totalidade da nossa sociedade, se considera diferente da recepcionista, e provavelmente de mim ou dos outros que estavam na clínica e que nos mantínhamos calados. Talvez o pensamento de que seu discurso era absurdo para tantos de nós que ouvíamos nem passasse pela sua cabeça que acredita que há uma homogeneidade social que não exige a necessidade de políticas governamentais de auxílio, ou mesmo um serviço de saúde universal que não exigiria que nós precisássemos do plano de saúde que nos enviara para aquela clínica de pouco apelo.

Minha mente se divide entre esses dois opostos: eles (ou mesmo nós) acreditam que está tudo bem, que a desigualdade social não é tão absurda quanto a realidade demonstra ou que eles simplesmente acreditam que as coisas são como devem ser. Maldade ou ignorância? Eu realmente não sei se existe como separar as coisas. Por um lado, sei que aquele senhor, como eu mesmo, vivemos nossas vidas cotidianamente, preocupados com nossas famílias, casas, despesas, e algum lazer.

Mas em que momento precisamos, ou deveríamos, nos atentar para o mundo que nos rodeia?

Conta a mitologia budista que o príncipe Sidarta Gautama, que viria ser o iluminado Buda, fora criado protegido das “feiuras” do mundo, morte, doença e pobreza, e que, já adulto, ao se deparar pela primeira vez com um quadro diferente daquele encontrado dentro das paredes do seu palácio entrou, como diríamos hoje, numa crise existencial. E a partir dos incômodos que sentiu ao presenciar o mundo ao seu redor que iniciou sua caminhada rumo à iluminação.

Eu tenho como hábito cotidiano me debruçar sobre as notícias do globo. De secas em Madagascar, enchentes no Paquistão, eleições na Colômbia e protestos em Hong Kong. É verdade que se formos levar cada notícia para o lado pessoal, ao final de folearmos um jornal entraríamos em estado de choque. Pensarmos na falta de alimentos, direitos, moradias e tantas outras necessidades básicas humanas pode ser completamente aterrador para muitos, mas onde devemos traçar essa linha do “pertencimento”?

Quando devemos observar a seca em Madagascar como um fenômeno no aquecimento global e que esse é um sinal importante para as políticas climáticas mundo afora, e quando devemos tornar “pessoal” alguma notícia? Honestamente não sei dizer. Acredito que somos responsáveis e, necessariamente, parte daquilo que temos a capacidade de mudar. Não posso fazer nada quanto à situação de exclusão social das mulheres na sociedade Afegã, contudo, talvez através desses textos, através do meu voto ou qualquer outro meio eu possa fazer a diferença na sociedade que me rodeia.

A única certeza que tenho, contudo, é a de que a ignorância dos fatos ou a escolha por usar óculos cor-de-rosa que façam a minha realidade ser mais aprazível não é a resposta. Como também não é a resposta o simples incômodo sem ação. Como poderia convencer aquele senhor que estava na clínica falando sobre a sua grande piscina que ele está mais perto de ser um simples trabalhador como a recepcionista que, ao final do expediente, cruzou a rua para pegar o seu ônibus, do que fazer parte do grupo de banqueiros e investidores que defendia tão ferrenhamente? A dificuldade, aparentemente, no nosso Brasil não é convencer que o pobre precisa lutar pelos seus direitos, mas convencer a uma grande massa social chamada classe média que ela está a apenas a alguns salários de não poder pagar mais seus empregados, planos de saúde e terem de ir morar na periferia e dependerem do Estado que tanto criticam. Senhores, somos todos pobres, se acreditarmos em algo diferente disso é ignorante e contraproducente.

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