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João Pessoa

A culpa não é sua

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Foto: Rawpixel by Getty Images

Uma pergunta que me faço constantemente é a respeito do impacto que eu, como um simples cidadão, tenho no mundo ao meu redor. Outro dia conversava com uma amiga de longa data e relembrávamos de alguns momentos em que eu fiz papel de advogado do diabo em reuniões nos enfadonhos grupos estudantis da Universidade. Me lembrava dos constantes argumentos que tinha com os colegas entusiasmados com a sua capacidade de mudar o mundo ao modo de Gandhi, através de protestos, reuniões e movimentos estudantis.

A verdade é que nunca fui muito esperançoso com a ideia de uma mudança que vem de baixo, ainda mais em nossa sociedade. Por maior que seja a pressão que grupos civis possam exercer na sociedade, a maior mudança social que vi foi quando um operário virou Presidente da República. Via em meus colegas um enorme capital humano completamente desperdiçado. Pessoas sendo educadas em uma das melhores instituições de ensino do país gastando seu tempo em debates, que ao meu ver, não dariam em lugar algum. Que adianta desenvolvermos nas academias os projetos de mundos perfeitos se jamais teremos capacidade de concretizá-los?

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Eu me repetia incessantemente, as vezes soando mais pernóstico do que eu pretendia, dizendo que a única forma de se mudar o status quo da sociedade era fazermos parte da elite que, de fato, decidia os destinos do país. Eu sei que pode soar muito século 18 com seus déspotas esclarecidos, mas nos últimos 200 anos algumas coisas não mudaram.

Não quero, de forma alguma, diminuir a importância dos movimentos sociais e do seu impacto na base da sociedade, ainda mais no que se refere em apoiar e dar voz àqueles que mais precisam de apoio e auxílio, contudo, por melhores que sejam as ações e intenções, os ecos de suas vozes muitas vezes são limitados pela distância geográfica e política dos rincões de onde vêm.

É verdade que cada vez mais estamos vendo representantes oriundos de populações que ainda são marginalizadas, e a partir daí começo a ver uma luz no fim do túnel, contudo, como mero cidadão vejo que em muitas instâncias da vida as minhas ações têm pouco impacto no todo.

No que se refere à alimentação, segurança alimentar e produção agrícola, meu impacto, como o de boa parte da sociedade, é quase nulo. Por mais que um grupo insista em comprar apenas produtos orgânicos, produzidos localmente por pequenos agricultores, essa não é a realidade da maioria da população, que não come o que quer, come o que pode.

Itens básicos da alimentação do brasileiro como o prosaico arroz e feijão além de serem, em sua grande maioria, produzidos no sistema de monocultura em grandes propriedades, vêm tendo a sua área cultivada reduzida em prol da soja que vem se mostrando como uma cultura mais lucrativa em comparação com as demais. Pois é assim que funciona o agronegócio. É uma indústria, e como todas as outras se ancora nas demandas e preços não só do país, mas do mundo.

Foto:Imagem/divulgação

Com o preço do dólar já tendo, aparentemente, feito sua morada na casa dos cinco reais, é extremamente lucrativo para um produtor ter seus gastos em real e exportar sua produção e receber o pagamento por ela em dólares. E no caso brasileiro a comoditie agrícola que mais vem tendo demanda no mercado internacional vem sendo a soja, que em 2023 promete ter uma safra recorde.

Desta forma, a demanda internacional por soja vem fazendo com que produtores abandonem outras culturas em prol da leguminosa. Assim, as culturas “perdidas” para a soja, como o arroz, o feijão e o trigo, também passam a serem pautadas pelos valores do mercado internacional já que passamos a precisar importar itens básicos da dieta brasileira. Explicando, assim, a constante alta nos preços desses alimentos e de todos os outros que têm eles como parte de seus ingredientes.

Outro ponto que eu acho ser de extrema importância na atualidade é a questão hídrica. Por quase 500 anos, a produção agrícola nacional se concentrou na faixa costeira, se estendendo em poucos locais para o interior do continente, majoritariamente na área outrora pertencente à Mata Atlântica. Contudo com a fundação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) nos anos 70 e a possibilidade, através das novas tecnologias por ela criada, da expansão da fronteira agrícola para o Centro-Oeste e a área do Cerrado, novas demandas e questões surgiram.

O desenvolvimento de cultivares adaptados ao novo clima, solo e regime hídrico foram fundamentais para que o cerrado seja, hoje, o celeiro de grãos do Brasil, e um fundamental fornecedor de comodities para o globo. Contudo a produção em grande escala atrelada a um clima cada vez menos previsível exige que grande parte de nossos cultivares não possam mais depender das chuvas para a sua irrigação, fazendo com que haja a incontornável necessidade de irrigação das lavouras. Irrigação essa responsável por 70% do consumo de água no país. Ficando apenas 30% com todos os outros setores, desde a indústria até uma parcela ínfima correspondente aos consumidores como você e eu.

O que eu quero dizer com isso é que por mais que nos sintamos responsáveis pela catástrofe climática e social que nos cerca, e apesar de termos de tempos em tempos a capacidade de impacto nas decisões tomadas pelo poder, muito pouco nos é de fato dado a fazer. A narrativa de que eu, como consumidor individual, devo pautar a minha vida e meus hábitos de consumo, no intuito de salvar o planeta e a sociedade, tira peso dos ombros dos verdadeiros responsáveis.

Ainda que eu não esteja na camada da sociedade que precisa pagar imposto de renda, se não todo, mas quase todo o meu dinheiro é usado na compra bens altamente tributados, enquanto os verdadeiramente ricos, os 5% no topo da pirâmide social, com fortunas que eu mal consigo imaginar o valor, não pagam impostos correspondentes à sua riqueza. Por mais que eu busque consumir apenas produtos “éticos” que não geram impacto negativo no meio ambiente na sociedade, os verdadeiros agressores não têm os mesmos pudores que eu.

Então da próxima vez que você ler algum texto ou vir alguma campanha publicitária dizendo que, pelo bem do meio ambiente, você deve limitar seus banhos a 5min ou lhe avisando que todas as escovas de dente que você já usou na vida ainda existem, já que o plástico de que são feitas demora 500 anos para se decompor, se lembre que não é seu banho que está causando a crise hídrica nem são suas escovas de dentes que estão fazendo com que, literalmente, chova plástico.

Não quero com isso, eximir a nós, como indivíduos, de nossas ações ante o planeta e a sociedade. Nossas ações individuais são, sim, importantes, ainda mais quando somadas a um todo. O que quero dizer é que ainda que toda a humanidade se junte, reduza seu consumo, pare de emitir lixo, viva uma vida de forma a não gerar mais resíduos que adoeçam o nosso planeta, isso se resume a “apenas”, um terço do problema. Precisamos, sim, reduzirmos nosso consumo, termos consciência do nosso impacto no mundo, mas também precisamos ver que isso só não basta.

A agroindústria sabe do seu impacto, bem como as indústrias que despejam toneladas e mais toneladas de plástico no meio ambiente. Temos, já hoje, tecnologia o suficiente para mitigar muitos dos males que nos afligem, o que nos falta são lideranças e vozes que se façam serem ouvidas para que medidas reais sejam tomadas. E apesar de reconhecer as limitações que envolvem as vozes das pessoas comuns, e a dificuldade de uma pessoa comum alçar ao poder e ter sua voz ouvida, não podemos nos calar. Devemos, contudo, termos consciência de quem é o nosso verdadeiro inimigo.

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1 COMENTÁRIO

  1. Me parece que a reflexão proposta trabalha em, pelo menos, três níveis.
    1 – eficácia/ineficácia das lutas de base
    2 – “para mudar é preciso tomar o poder”
    3 – coerência com a própria visão social e pessoal.
    São três temas absolutamente interligados que o autor “desliga” para fazer uma análise seria, mas sem perspectivas.
    As minhas objeções:
    O poder não é só político. E, em democracia, o poder político age em maior profundidade quando tem o consenso.
    O consenso não pode ser só “delegar”. A ação política, a luta para construir alternativas a partir dos próprios arredores muda mais profundamente do voto. Pretende coerência e alimenta, nos participantes à luta consciência e determinação

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