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Tiro ao Álvaro

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Na última sexta-feira, 15, em Aracruz (ES), 81km de Vitória, duas escolas foram alvo de um atirador que feriu 13 pessoas e matou outras três. Curioso pensar como o Brasil, um país famoso por sua violência, ostenta tão poucos casos como esse. Acho que o cerne da questão está no tipo de violência que vivenciamos em nosso país.

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Já ouvi comentários de brasileiros que moram no exterior, relatando que morando nos EUA não têm medo de serem assaltados enquanto andam na rua, mas têm medo de ir ao cinema e serem vítimas de um dos inúmeros tiroteios que acontecem cotidianamente no país norte americano.

A diferença fundamental, na opinião deste que vos escreve, é que a violência no Brasil é causada, fundamentalmente, pela pobreza, enquanto a do nosso vizinho ao norte ela é causada pelo ódio. Se analisarmos as estatísticas a respeito do crime no Brasil, principalmente a respeito dos crimes violentos, podemos observar que o grande número de mortos se dá entre membros de facções criminosas e pessoas envolvidas no mercado de drogas.

Dando um passo a mais, podemos observar que o próprio mercado de drogas, que fomenta a formação e as disputas entre facções, é um resultado de um movimento não nosso, mas dos Estados Unidos e Europa que são os maiores consumidores das drogas produzidas e traficadas na América Latina. Como qualquer outro mercado, seja o de produção de roupas, alimentos ou eletrônicos, aos países centrais são destinados os produtos enquanto na periferia global se acumulam os resíduos e consequências do modelo de consumo dos países ricos.

Ainda, ao darmos um passo a mais nessa análise, podemos observar que ninguém se atreveria a adentrar um mercado tão sanguinolento, além de ilegal, se não fossem as condições sociais em que se encontram os indivíduos. Uma pessoa com acesso a todos os serviços e necessidades, muito provavelmente, jamais se arriscaria em uma “carreira” tão mortífera. Mas como já falei em outro momento, mão de obra é um insumo em uma cadeia produtiva, e quanto mais abundante e barata for, mais interessante para aqueles no topo da cadeia. E criar um ambiente insalubre e empobrecido é exatamente o que as elites globais sabem fazer de melhor em países periféricos como o nosso. Não basta ter mão de obra abundante e barata, precisa-se que se tenha mão de obra tão sem opções ou alternativas que ela se sujeite a entrar num modo de vida marginal e que lhe trará uma vida curta e repleta de violência e morte.

No outro extremo dessa linha de violência que aqui traçamos, temos o tipo de violência que vemos ser relatada de maneira nada esporádica acontecendo nos EUA. O debate sobre o que motiva uma pessoa a entrar em uma sala de cinema ou em uma escola e sair atirando a esmo é grande, contudo, um ponto em comum parece surgir: uma vontade de dar sentido à própria existência através do crime. A vontade de se tornar célebre, conhecido e admirado é algo que parece apagar da mente dessas pessoas toda humanidade.

Em inúmeros relatos a respeito de pessoas “do crime” observa-se um senso moral (ainda que devidamente vergado à sua realidade incomum) que os guia. Muitos são extremamente religiosos e outros tantos cultivam um senso de orgulho e cuidado com os seus. Não são incomuns os relatos de crimes bárbaros cometidos dentro do tráfico, como também, não são incomuns os relatos de crimes bárbaros cometidos pelas forças de segurança do Estado. Na cabeça dos envolvidos nessa guerra civil em que vivemos, tudo é válido para a conquista do poder.

Analisando-se tudo o que se refere à realidade brasileira, por mais absurda que seja, podemos observar que nela há uma lógica. E não se trata de uma lógica inovadora ou revolucionária. Há séculos as guerras tem suas normas e seus limites. No outro extremo, o que me intriga e me choca é total falta, não de sentido, mas de humanidade que compele uma pessoa a, de armas em punho, invadir um espaço e matar a esmo. Não é uma estratégia política, não há uma lógica de poder por trás. É apenas violência pura e simples na sua forma mais cruel: contra pessoas desarmadas e, muitas vezes, completamente alheias à vida do atirador.

Foto: Internet/Divulgação

E para quê? Para garantir que sua facção tenha domínio sobre determinada área da cidade? Para que os bandidos sejam expulsos e as forças do Estado possam voltar a agir ali? Não. Por notoriedade, fama, como uma forma de sentir algo em uma vida vazia.

No caso brasileiro, o atirador é um adolescente de 16 anos, filho de um tenente da Polícia Militar, usou uma das armas do pai para cometer os crimes. Disse à polícia que planejava o atentado há dois anos. Ou seja, aos 14 anos de idade um jovem de classe média resolve que irá matar pessoas, planeja o crime por dois anos e aos 16 age. Claramente não é um dos inúmeros casos de jovens negros que entram no mundo do crime por falta de opções, falta de oportunidades ou por viver em um mundo em que a regra é exceção.

Por anos estudei os crimes de ódio perpetrados durante a segunda guerra mundial pelos nazistas, estudei os crimes cometidos no (e pelo) Estado brasileiro, e devo admitir que nem a morte sistemática de milhares e milhares de pessoas me parece algo tão bárbaro como casos como esse. Nem as maiores barbaridades cometidas pelas nações europeias com seu colonialismo, as fomes, as escravidões… nada me parece tão brutal e desumano. Não há, como nos crimes raciais, ou de guerra, a noção de um “nós” contra “eles”. Não há, por mais deturpada e tresloucada que seja, uma ideia de que a eliminação do outro é a única forma de manter a sua vida.

Sinceramente espero que casos como esse se tornem cada vez mais raros. O crime atrelado à pobreza tem solução. Ele não é causa, é consequência de um sistema maior, e sanada a causa, sessa-se o efeito. Esses casos contudo, mostram que nem todo ser humano possui humanidade dentro de si, e isso é mais assustador que qualquer outra coisa.

Foto: Léo Rodrigues – Repórter da Agência Brasil – Rio de Janeiro
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