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Primeira Janja

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Foto: Fábio Vieira/Metrópoles

Daqueles volumes que repousam sonolentos nas minhas prateleiras estava o “Todas as mulheres dos presidentes” de autoria de Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo. Daqueles livros que sempre considerei importantes de serem lidos, mas que nunca fiz muito esforço de lê-lo. Contudo, depois do infeliz comentário da jornalista Eliane Cantanhede, comentarista da Globo News sobre a socióloga, Rosângela Lula da Silva, futura primeira-dama, ouricei minhas penas e fui em busca de mais algumas informações.

Para o leitor desavisado, o que aconteceu foi que na última sexta-feira, dia 11 de novembro, a comentarista criticou a presença da esposa do presidente eleito Luís Inácio Lula da Silva, que em diversos momentos tomou para si os holofotes. De a cordo com a comentarista, a socióloga “já incomoda sim, porque ela já começou a participar de reunião, já vai dar palpite, e daqui a pouco ela vai dizer ‘ah, esse pode ser ministro, esse aqui não pode’. Isso dá confusão. Se é assim na transição. Imagina quando virar presidente”.

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Muito me surpreendeu o comentário, não por que o teceu, que já tem em seu histórico veias um tanto conservadoras e cheirando a naftalina, mas pelo momento. Após quatro anos em que tivemos que lidar com a família presidencial, seus agregados e seus escândalos, comentar a presença da primeira-dama ao lado do esposo em eventos pareceu um fato banal demais para ser relevante de comentário, ainda, em pleno 2022 dizer-se que “as conversas sobre política entre o casal devem se limitar apenas ao quarto”, pareceu de um mau gosto bolorento.

O termo primeira-dama surgiu nos Estados Unidos. Apareceu pela primeira vez na edição de 31 de março de 1860 do “Frank Leslie’s Illustrated Newspaper”. A expressão foi usada em referência a Harriet Lane, sobrinha do presidente James Buchanan (1857-1861), que era solteiro. De acordo com o site National First Ladies’ Library, o título estreou em um discurso mais adiante, quando o reverendo Stuart Robertson apresentou Rutherford B. Hayes, o 19º chefe da nação (1877-1881), e mencionou sua mulher, Lucy.

Mas chamar a mulher do presidente de primeira-dama só iria cair no gosto popular a partir da eleição de Grover Cleveland, que se casou na Casa Branca, no segundo ano do seu primeiro mandato (1885-1889), com Francis Folsom, uma jovem “atraente e popular”. O termo primeira-dama, no entanto, lá como cá não é citado na Constituição e o trabalho, de tempo integral e sem descanso, tampouco é remunerado.

Desconsiderando Rainhas de Portugal, Imperatrizes e Princesas Imperiais, nós temos um arsenal, apenas nos últimos 130 anos, de primeiras-damas que deixaram sua marca indelével no nosso país.

Ainda que consideremos o papel apenas de rostinho bonito e anfitriã impecável, podemos começar com um dos maiores nomes nessa lista: Nair de Teffé von Hoonholtz, poliglota, educada na Europa como uma princesa. Uma das maiores ocupantes da cadeira vizinha à da presidência, em 26 de outubro de 1924, aos 38 anos a esposa de Hermes da Fonseca, então com 69 anos de idade, foi a anfitriã de um dos maiores escândalos da história da presidência: executou, ao som dos aplausos dos presentes, ao violão, o maxixe “Corta-jaca”, de autoria da Maestrina Chiquinha Gonzaga. “Seria como se hoje o casal Bolsonaro assistisse, num jantar no Palácio da Alvorada, a um pocket show da cantora Jojo Toddynho ou de Pablo Vittar”. O maxixe era algo relegado às camadas mais baixas e tido como vulgar, indigno dos salões nobres do Rio de Janeiro.

Alguns anos mais à frente na história palaciana brasileira, com o Estado Novo e com a emergência da Segunda Guerra Mundial na Europa e o envolvimento brasileiro no conflito, surge, em 1942, a Legião Brasileira de Assistência (LBA). Iniciativa de outra eminente primeira-dama, Darcy Lima Sarmanho, esposa de Getúlio Vargas, como afirmam Guedes e Melo:

O sangrento conflito que se desenrolava na Europa trouxe graves consequências econômicas para o Brasil e impôs a discussão de questões sociais, com a cobrança de posicionamento de Estado. Surge aí um novo papel para as primeiras-damas.

Se Getúlio se apresentava como o “pai dos pobres” durante o Estado Novo, por que sua mulher não poderia ser a “mãe dos pobres”? Nessa nova condição, a primeira-dama produziria também capital político a ser usado para lapidar a imagem do homem público e angariar votos em eleições. Inicia-se, assim, a era da assistência social como um apêndice do Estado, pelas mãos da mulher do presidente, função exercida com brilhantismo e luz própria por Dercy Vargas.

A lista desde então não parou de crescer, de esposas de militares a aquelas que lutaram bravamente pela restauração da democracia no nosso país, mas para mim é inevitável falar de Ruth Vilaça Corrêa Leite, com quem tenho uma proximidade indireta. Esposa de Fernando Henrique Cardoso, tinha algo que a diferenciava de todas as primeiras-damas que a antecederam e das que a sucederam também: Ruth construiu uma carreira sólida como pesquisadora e professora, reconhecida no meio acadêmico nacional e internacional.

Apenas três das primeiras damas possuíam curso superior, mas Ruth foi além. Em 1995, quando FHC tomou posse como Presidente da República, Ruth já havia concluído, o pós-doutorado pela Columbia University, em Nova York. Rompeu inúmeros padrões e costumes atrelados ao cargo de primeira-dama (título que, aliás, tinha aversão), sua formação educacional superava inclusive a de homens que haviam presidido o país até então, era feminista atuante, com ideias que moldaram a área social do governo, que, aliás, repercutem até hoje. Iniciativas dela ou que tiveram sua influência foram responsáveis pelo movimento que levou à efetiva diminuição das desigualdades no país.

Dona Ruth, como é tratada na minha casa, foi uma espécie de chefe-colega de trabalho de minha mãe, com quem trabalhou como representante da Paraíba junto ao Governo Federal em incontáveis programas de erradicação da fome e da pobreza. Como Yolanda Costa e Silva que deu a minha avó, através da LBA, uma máquina de costura, Dona Ruth deu a minha mãe um exemplo de uma mulher forte e instruída que era capaz de deixar sua marca no mundo.

Por fim, escrevo esse artigo com uma verdadeira incredulidade de em pleno 2022 ter que relembrar não ao povo brasileiro como todo mas a uma “elite intelectualizada” que ainda que o “cargo” de primeira-dama e a própria nomenclatura sejam inegavelmente machistas e feitos para colocar a mulher do chefe de Estado na qualidade de um mero acessório ou dona-de-casa de alta patente, Há quase um séculos desfilam por nossos salões mulheres que provavelmente perdurarão na história até mais que seus maridos. E independentemente da postura que Janja, a futura primeira-dama, pretenda adotar, seja ela participativa ou discreta, o fato é que a esposa do líder desta nação é tudo, menos irrelevante ou silenciável.

Foto: Ricardo Stuckert/Lula Oficial via Flick Foto: Getty Images

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