Qual não foi a minha surpresa ao ver que a frase que intitula este artigo ser de Padre Zezinho, incansável cantor de um CD que me surpreende ainda não ter furado de tanto que minha mãe bota pra tocar. Mas achei apropriado o fraseado clerical me lembrando de Dom Cláudio Hummes, Arcebispo emérito de São Paulo, que inspirou o então Cardeal Jorge Mario Bergoglio, atual Papa Francisco, a escolher seu nome pontífico, “não se esqueça dos pobres”, teria dito o brasileiro ao seu amigo argentino pouco antes da eleição que o elegeria Papa.
Numa nota semelhante, mas envolvendo atores menos gabaritados, na véspera da eleição de 2018 fui ao teatro ver um espetáculo musical. Ao sair, um dos guardadores de carros me pergunta em quem eu votaria no dia seguinte e eu respondera que no então candidato pelo Partido dos Trabalhadores, Fernando Hahhad, ao que obtive como resposta uma frase semelhante à de Dom Cláudio: vote pensando nos pobres.
Desde 2016 a pauta mais latente, ao menos para mim, vinha orbitando mais em torno de uma luta diária pela manutenção de direitos, e, principalmente, pela democracia. Neste período ficava um pouco difícil e fora de tempo discutir a relevância da taxação de grandes fortunas ou a importância de um sistema tributário progressivo enquanto se sancionava um teto de gastos que engessava áreas cruciais da sociedade, logo depois uma guinada radical à direita da política nacional, prisão, hoje provada irregular, do candidato favorito nas eleições por um juiz corrupto, a vitória nas urnas de um governo autoritário e inepto, e os subsequentes anos de absurdos coroados com dois anos de pandemia e mais um tempo de recessão econômica.
A última semana tem sido como acordar de um pesadelo. Os noticiários não mais são forçados a falar de barbaridades proferidas por alguém do alto escalão do governo, mas sim discutem as possibilidades ministeriais entre candidatos preparados e conhecidos no cenário nacional e internacional. Ao invés de sanções, fundos de investimento têm buscado o Brasil, a moeda nacional vem se valorizando internacionalmente como não se via há tempos. Depois de 6 anos de constante alerta, ainda não peguei o jeito de como se desfruta um Brasil normal.
Verdade seja dita, eu nunca tive a experiência de um Brasil normal. O golpe se deu antes de eu terminar a faculdade e antes disso a política era algo muito alheio a mim (talvez algo tido como garantido) para captar com mais ímpeto o meu interesse. Desde então eu me sinto como Dante descrevendo seu passeio pelos círculos infernais. Por mais que eu goste de estudar história e de já ter escrito inclusive sobre o holocausto, viver a experiência histórica é algo totalmente diferente. Posso dizer que o impacto da crise sanitária e econômica dos últimos anos se instalou na minha casa, contudo não perdemos ninguém para uma doença que matou milhões e nenhuma conta atrasou. Verdade que as economias já se foram, mas fora isso a vida não mudou muito.
Contudo, considerar experiência histórica como apenas os grandes atos, os fatos ocorridos com os grandes e não com todos os habitantes de um país é algo, no mínimo, míope. Digo isso não só como uma exposição das minhas dores, mas como uma forma do leitor também observar a sua realidade e ver que, assim como eu, a política influencia enormemente em nossas vidas.
É verdade que estamos saudáveis e com as contas pagas, contudo, aqueles na família que possuem algum negócio viram seus empreendimentos serem espremidos ao máximo. Minha irmã perdeu seu emprego depois da licença maternidade e minha sobrinha faz três anos mês que vem. Eu já cansei de buscar por empregos, cursos e concursos e, de fato, o mar não está pra peixe. Hoje, a aposentadoria de meus pais sustenta dois filhos adultos e uma criança. E esse cenário não é, de forma alguma, incomum no país.
O período de bônus demográfico, em que a base da pirâmide produtiva é mais larga já se passou no Brasil. Hoje a população jovem economicamente ativa passa, cada vez mais, a ser menor que a população mais velha. Ou seja, daqui em diante seremos cada vez menos trabalhadores para financiar a aposentadoria ou benefícios daqueles que não estão mais na ativa. Esse processo não é incomum nos chamados países em desenvolvimento dentre eles o próprio Brasil e a gigante China.
O fim desse período de bônus demográfico, gera lmente implica na desaceleração econômica de um país, que passa a produzir menos e a gastar mais. Contudo analisar isoladamente esse quadro também é míope. Países como Estados Unidos e Alemanha “burlam” essa regra do bônus demográfico através de um maciço influxo de imigrantes que garantem uma população economicamente produtiva mais jovem. Assim, o período de acumulação de riqueza com uma maior população produtiva é estendido possibilitando que o país se torne ou se mantenha rico antes de ficar “velho”. Por outro lado, alguns países periféricos dentro da própria zona do Euro como Portugal e Grécia veem seus jovens emigrando para economias centrais como a própria Alemanha ou França. Tendo, nesses casos, o processo de envelhecimento acelerado pela emigração.
Mas e o Brasil? Honestamente, pelo que pude observar nos últimos anos nosso país está além da capacidade interpretativa de previsões econômicas ortodoxas. Se retomarmos o nosso histórico como potência regional, podemos, talvez, aliados a nossos vizinhos ter nos anos vindouros uma produção que assegure investimentos robustos e duradouros, contudo, considerando-se a história do nosso continente, acho imprudente pensarmos num futuro a longo prazo. Não apenas pela América Latina ser uma “bagunça”, mas exatamente por ocuparmos um local histórico e geográfico que nos torna únicos.
Ao contrário de outras áreas como Europa, Ásia e África, durante a guerra fria qualquer experiência voltada ao modo de produção pautado pela URSS foi prontamente destruído pelos EUA, com a exceção de Cuba. Somos inegavelmente uma área de influência americana, e depois do fim mundo interligado como vimos na pandemia da COVID-19, talvez os olhos yankees que estavam voltados para o Pacífico, voltem ao seu rumo histórico do eixo atlântico.
É fato que a China pretende passar a voltar seus esforços para o crescimento interno a partir de agora. E como na política, ainda vigente, de COVID Zero, pudemos ver que o gigante asiático não é tão confiável e estável como críamos.
Mas não há vácuo de poder. Na ausência da China, a Índia tende a ultrapassar seu vizinho em termos econômicos e populacionais.
Mas voltando nossa lupa mais uma vez para o Brasil, e puxando a brasa para a minha sardinha, vivermos em um país que tem suas fronteiras territoriais estabelecidas há mais de 100 anos (coisa de que nenhum dos gigantes asiáticos pode se gabar), somos uma região violenta, é verdade, mas pacífica em termos estatais. Não se encontra uma bomba nuclear em nosso continente e mesmo submarinos ou usinas de produção de energia elétrica movidas a energia nuclear são altamente regulados. O fato é que, em condições normais de pressão e temperatura como dizem os cientistas ou “ceteris paribus” como dizem os economistas, vivemos num pedaço do mundo com acesso aos maiores oceanos do planeta, possuímos vastas quantidades de terras, riquezas naturais e um contingente populacional não desprezível.
Acredito que, mais uma vez, votamos a ter a possibilidade de sermos o país do futuro. E mais ainda, o caminho não é simples, contudo, com aqueles que têm fome voltando a ter seu pão, podemos voltar a termos fome de justiça. Fome de riqueza e de desenvolvimento. Passada a tempestade é tempo de reconstrução.