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Um norte para o Nordeste

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Na última terça-feira, 13, Simone Tebet, presidenciável pelo MDB visitou a Paraíba, e algumas de suas falas geraram um intenso debate, sendo a principal a que afirmava ser capaz de transformar o Nordeste no que é o Sudeste hoje.

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Entre brincadeiras nas redes sociais que questionavam se isso era uma promessa ou ameaça, o amargor da gafe ficou.

Acredito que muitos de nós, nordestinos, crescemos ouvindo, principalmente em tempos de campanha eleitoral, que iria-se pôr fim à seca, algum milagre geraria empregos, unicórnios andariam pela terra e tudo seria mais bonito.

Mas sejamos sinceros, há mais de 500 anos os portugueses (holandeses, franceses, ingleses, espanhóis e mais a meretriz que deu a luz a todos eles), já puderam observar os pontos fortes e fracos desse pedaço do Brasil. Depois da elevação geológica que marca o fim do bioma da mata atlântica, de clima tropical, se estende uma enorme área árida forrada por um bioma todo nosso e completamente adaptado à irregularidade hídrica: a caatinga

Ainda hoje, a chamada “Zona da Mata”, uma faixa que se estende pelo litoral leste do Nordeste desde o Rio Grande do Norte até a Bahia, concentra grande parte da população e da riqueza da região. Por séculos o desbravamento do interior do continente se deu por criadores de gado, sendo a pecuária a atividade “possível” em um ambiente com regimes pluviais irregulares demais para uma agricultura de relevância econômica.

Contudo, não vivemos em um mundo em que agricultura e extrativismo são as únicas opções econômicas. Ao contrário da extemporaneidade das chuvas na caatinga, vemos, com pontualidade britânica, surgirem bienalmente, nas campanhas políticas, as promessas mais simplórias que jorram das bocas de algumas cavalgaduras que almejam largar os arreios que os prendem às suas carroças e se aventuram na política. Como em um roteiro teatral, ou livro didático “Política Medíocre para o Nordeste do Brasil” logo ouvimos propostas a respeito de como a agricultura no Nordeste merece atenção e que tudo é possível.

De fato, Israel, em pleno deserto, quase sem reservas de água doce, conseguiu fazer o deserto frutificar. O vale do Rio São Francisco e seu perímetro irrigado produz hoje vinhos de reconhecimento internacional. Mas sou daqueles que acreditam que tentar transformar o semiárido em um jardim do Éden é uma ideia um tanto quanto démodé.

Além do risco aos recursos hídricos, já escassos na região, uma agricultura que pretenda ser internacionalmente competitiva, como o caso da que encontramos em outras regiões do país, pode ser o último prego na tampa do caixão desse bioma que além de único é extremamente frágil.

É verdade, contudo, que o Brasil tem uma inegável vocação agrícola, entretanto, em pleno 2022 falarmos de expandir fronteiras agrícolas soa quase como um insulto à crise climática e ambiental que vivemos, na qual cada bioma, cada organismo importa. Se seguirmos para o ponto seguinte da lista de formas milagrosas de “salvar” o Nordeste, logo surgem aqueles que, como a própria Senadora candidata à Presidência da República que afirmam que “Não há emprego de qualidade sem uma indústria forte”. Saímos do milagre agrícola para o milagre industrial.

Na minha modesta opinião, a industrialização, além de um processo superestimado, também está cada vez mais fora de uso. Bangladesh é uma nação extremamente industrializada e nem por isso deixa de ser uma nação pobre. A ideia de uma indústria que gera empregos, tenho a impressão, morreu junto com o modelo fordista de produção industrial. Hoje, cada vez mais automatizada, a indústria demanda menos força de trabalho e mais tecnologia.

Falando em vocações, uma das maiores das terras tupiniquins é a tecnologia. Pode parecer que não, e apesar do que dizem os estadunidenses, somos uma potência. Enquanto os ricos do globo levam dias, semanas… na apuração dos seus votos, nós temos um sistema 100% seguro de que nos dá os resultados eleitorais poucas horas após o término da votação. Ao contrário do que Hollywood fez o mundo acreditar, o estilingue com asas dos irmãos Wright não foi o primeiro avião, e sim o nosso 14BIS; ainda existe outra infinidade de invenções, umas disputadas outras não, que vão do balão de ar quente ao rádio e o dirigível, que são atribuídas a brasileiros. Ainda, é inegável o poder que os brasileiros exercem sobre a internet, principalmente nas redes sociais e seus usos mais distintos. Somos um povo altamente conectado.

Talvez eu tenha me deixado levar por um sentimento ufanista, ou talvez apenas cansado de ver a narrativa do meu povo sendo sequestrada, explorada e reproduzida; uma narrativa que diz que não somos capazes e que nossos problemas se resumem ao nosso clima, vegetação, ou pior, ao nosso povo. É verdade que não só o Nordeste, mas o Brasil inteiro, tem na tecnologia, na agricultura e na sua biodiversidade seus maiores trunfos. Ignorarmos isso e partirmos para uma abordagem artificial e fora de uso de uma industrialização que além de poluidora, surge num momento em que o consumo de bens não só deve, mas tende a diminuir.

Como os leitores talvez já tenham observado nos meus artigos neste espaço, sou um adepto da “Realpolitik”, uma abordagem realista da política; não me prendo ao que deveria ser, ao que foi, etc. me balizo pelo que é e pelo que pode ser. Assim, numa análise baseada nas reais possibilidades para o nosso país e nossa região, transformar o Nordeste em um Sudeste é não só de uma ignorância sem tamanho como também é uma condenação a nos tornamos o “passado do futuro”. O modus operandi de hoje (que ainda prevalece no Sudeste), ainda pautado na industrialização e nesse padrão de consumo não sustentável está com seus dias contados.

Em pleno século 21 ainda investir em uma dinâmica de geração de emprego, renda e desenvolvimento que fazia sentido setenta anos atrás não parece ser a abordagem mais sábia para o desenvolvimento nacional, tampouco regional. Enfim, peço desculpas pelo texto talvez um tanto pautado por sentimentos regionalistas, mas não poderia de me furtar o comentário de uma situação que além de demonstrar um preconceito enraizado numa narrativa “do sul” sobre nós, mas que é, ainda por cima, ineficiente e desatualizada. Espero que sejamos sempre o país do futuro, e não o país que um dia foi o futuro.

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