Canal é um dispositivo hidráulico usado para transporte de água, muito conhecido de todos nós, desde a primitiva levada de terra, até os canais de grande porte, verdadeiras obras de engenharia.
São construídos com materiais diversos e geralmente são usados para transportar água que flui por gravidade e em regime uniforme, de um lugar para outro. É o exemplo mais elementar e didático de uma transposição de bacias.
Os estudos e cálculos preliminares necessários ao seu planejamento e construção, levam em conta: a concepção e finalidade da obra, a definição do seu rumo e o material adequado à sua construção, além do regime de escoamento a que irá será submetido.
O projeto executivo exige estudos topográficos e geotécnicos para a elaboração do cálculo estrutural e do cálculo hidráulico, que definirá o regime de escoamento do canal.
A topografia revelará com segurança a locação mais adequada do canal e o seu nivelamento cuidadoso será básico para definir o fluxo uniforme da água e as condições hidráulicas ideais para o escoamento por gravidade.É um recurso técnico de grande importância, que deverá estar sempre presente na obra para acompanhar pari passu a sua execução.
Os estudos geotécnicos cuidam da análise detalhada do tipo de solo encontrado no caminhamento, da revelação da a existência de possíveis sítios arqueológicos que devem ser preservados, da movimentação adequada do material de corte e aterro, de modo a assegurar estabilidade e estanqueidade à obra.
Outro aspecto a ser considerado é o suporte estrutural a ser dado ao canal, de modo a conferir estabilidade das suas estruturas de concreto armado, para assegurar um tipo de escoamento sem turbulências e evitar a possível fuga de água.
O cálculo estrutural dimensionará as chamadas obras d’arte como: pontes, aquedutos, sifões invertidos, material de revestimento de taludes, caminhos de serviços etc.
Se o porte dos canais for aumentando, de acordo com a sua destinação e uso, iremos nos deparar com obras de maior porte e de formatos diferenciados para atender a outras necessidades. É o caso dos grandes canais retangulares das Eclusas das grandes barragens e dos canais interoceânicos.
A ligação interoceânica é feita através de canais de maior porte e de grandes obras auxiliares. A extensão do canal, como iremos ver a posteriori, irá permitir mudanças no plano geométrico entre um oceano e outro, de modo a permitir a travessia de embarcações de grande porte e maiores calados.
O custo da construção é muito alto e sempre tem em conta o binômio custo x benefício. Portanto, a construção de canais interoceânicos implica na imobilização de grandes volumes de capital, que necessitam de um longo prazo para amortização.
Um dos pontos fundamentais para a opção por canais interoceânicos é o encurtamento e a otimização de tempos e movimentos na logística do transporte de mercadorias. Ou seja, a competitividade de mercado exige celeridade e encurtamento no prazo de entrega de mercadorias, e nesse caso o uso do atalho representado pelos canais veio a calhar.
O anseio por atalhos como esse, remontam à idade média e ao período das grandes navegações. São famosas as incursões oceânicas de navegadores, mercadores e exploradores e até de piratas e corsários famosos tais como: Bartolomeu Dias, Marco Polo, Américo Vespúcio, Cristovam Colombo, Hernan Cortés, Francisco Pizarro, Francis Drake, Edward Teach- “o Barba Negra,” Pedro Alvares Cabral entre outros.
Na ausência de canais interoceânicos eles eram obrigados a contornar continentes e percorrer enormes distancias, o que se constituía em aventuras e às vezes em invasões como aconteceu aqui no Brasil e na América espanhola.
Um exemplo que nos é mais próximo é o do Canal do Panamá, o qual foi construído num prazo de dez anos pelos Estados Unidos-USA, e foi inaugurado em 1914.O Canal do Panamá interliga os Oceanos Atlântico e Pacífico e por ele circula atualmente 5% da economia mundial.
O trânsito no canal é intenso e por ele passam 14 mil navios por ano, rendendo anualmente 2 bilhões de dólares de receita bruta ao Panamá. A travessia tem uma extensão total de aproximadamente 78 Km. e utiliza um lago que foi construído artificialmente, o Lago Gatún, construído 26 metros acima do nível do mar.
Há um outro exemplo de muito destaque e importância, que é o famoso canal interoceânico construído em Suez.
Ele interliga os mares mediterrâneo e Vermelho e é de fundamental importância para o transporte de mercadorias diversas como grãos, e principalmente o petróleo produzido no oriente médio.
Por ser de grande importância geopolítica, Suez tem sido objeto de conflitos bélicos, tendo quase sempre como pivô, Israel apoiado pelos Estados Unidos.
É relevante o número de guerras de curta duração na disputa pelas margens estratégicas que permitem o acesso e a aproximação do Canal de Suez.
Feitas as considerações iniciais, nos reportaremos à construção em andamento do Canal Interoceânico da Nicarágua, que teve início em 2015. e segundo os analistas, irá fortalecer a China tanto no aspecto econômico, como no tabuleiro do jogo geopolítico internacional.
A obra é fruto de uma decisão política do presidente da Nicarágua Daniel Ortega e vem enfrentando um intenso fogo cruzado da oposição interna, que recebe apoio de outro opositor à obra, os USA.
O Xerife do Norte como sabemos, não tolera “rebeldia,” e tornou-se um adversário costumaz de qualquer país da América Latina que obedecendo a um simples gesto de independência, ouse se insurgir contra os seus ditames.
A Guatemala, Cuba, Bolívia, Venezuela, Equador, Chile e a própria Nicarágua são exemplos de pressões permanentes que têm ido até o nível de intervenção direta e indireta.
A estratégia é fazer uso da imprensa venal para demonizar o governante rebelde, de preferência taxando-o de comunista.
Ortega chegou à presidência da Nicarágua pela primeira vez, após a vitória da Revolução Sandinista que derrotou o ditador Anastácio Somoza, representante de uma oligarquia de ditadores das mais longevas da América Latina, aliada incondicional dos USA.
Para conquistar adeptos junto à opinião pública internacional, usam o argumento do contrato de execução do canal, ter sido celebrado entre o governo nicaraguense e um grupo econômico da China comunista, atropelando o meio ambiente. O contrato de execução da obra tem prazo de cinco anos, e uma vez construído será celebrado um termo de cooperação que concede ao construtor o direito de operá-lo durante cinquenta anos.
Essa mesma modalidade de contratação foi usada na construção e operação do canal do Panamá, onde o contratado era firmado com os USA que operou o canal por cem anos. Essa era a forma de amortizar o financiamento e nesse caso foi considerado normal e não houve contestação pois o operador foram os USA.
A Nicarágua que não dispunha de recursos para construção do canal, recorreu ao mesmo método e será remunerada durante cinquenta anos em 10 milhões de dólares anuais.
Em que pesem as restrições ambientais contra a execução da obra, a nosso ver procedentes e que devem ser apreciadas e corrigidas com rigor, o impacto ambiental decorrente, poderá ser minorado e ter uma boa e bem aplicada compensação ambiental.
Nesse sentido o projeto executivo do canal foi submetido à apreciação do parlamento nicaraguense e após um longo debate ele foi aprovado por 61 votos a favor e 25 contra ou seja 70,93% de votos favoráveis.
Não tivemos acesso ao projeto ambiental, portanto não podemos opinar. Ele deve ter sido emitido com rigorosas exigências a cumprir. Uma vez atendidas possibilitou a viabilização do projeto a liberação e o início da obra.
Na realidade o fato é que a oposição nicaraguense tem questionado a realização da obra pelo aspecto do impacto ambiental que ela provocará, tanto no bioma lacustre como a obra da parte de terra. Segundo eles, a navegação mudará a vida aquática lacustre do grande lago interior da Nicarágua que, com os seus 8.000 Km2, é a maior reserva de água doce da América Central. Cá pra nós uma preocupação consistente. Alegam também que a obra na parte de terra irá impactar áreas ocupadas pelos povos indígenas e a população autóctone, o que precisa ser apreciado.
A obra terá uma extensão aproximada de 240 Km, dos quais 105 Km é na travessia do lago. O trecho restante em terra, será através de canais, com uma extensão de 135 Km, uma distância equivalente ao trecho que vai da Parahyba até a cidade de Campina Grande, pela rodovia Gov. Antônio Mariz. A largura dos canais varia entre 230 m e 520 m de comprimento, com uma profundidade de 30m.
O início da obra que estava previsto para 2014, foi retardada à espera do relatório final dos órgãos ambientais. Foi submetida à apreciação final da Comissão Nacional de Meio Ambiente que liberou a sua continuidade, provavelmente com todas as exigências atendidas.
O presidente Daniel Ortega informou em setembro de 2018 que:
“Quando o projeto foi analisado, foram feitas observações quanto à rota e sugeriu-se modificá-la, pois a que tinha sido traçada provocaria impacto em áreas onde tínhamos recursos vivos ainda” explicou o presidente Ortega que concluiu dizendo:
“. eles têm que apresentar o estudo já com as modificações apontadas pela comissão. Para que o canal possa começar tem que haver um estudo com mínimo impacto ambiental.”
Essas opiniões bilaterais que precisam ser observadas para um imparcial juízo de valor sobre as questões ambientais levantadas.
Todavia, não poderemos nos omitir sobre a questão de fundo que é de ordem geopolítica e envolve interesses entre duas potencias econômicas: a China e os Estados Unidos.
De um lado a China, uma potência econômica emergente, que vem experimentando um desenvolvimento industrial meteórico e, segundo alguns analistas econômicos em 2025 será a maior economia mundial.
Aquele que era um país paupérrimo até 1948, depois de uma revolução socialista, optou por abandonar o liberalismo econômico e em menos de 70 anos virou uma potência industrial ávida por mercado para os seus produtos.
Esse mesmo anseio por expansão ocorreu com a Alemanha e o Japão no século passado, ambos à procura de mercado para os seus produtos industriais modernos, em relação ao que produzia a Inglaterra com a tecnologia da primeira revolução industrial que foi a máquina a vapor.
Se confrontaram com uma Inglaterra em processo de decadência e a conhecida ambição dos USA que as essas alturas vinham surgindo no cenário internacional como sucedâneo da Albion britânica.
O resultado da polêmica foram duas grandes guerras mundiais e milhões de mortos, vítimas da ambição incontida do capitalismo.
Os quatro ases do baralho econômico da época, acenderam o pavio de duas grandes guerras mundiais, envolvendo todo mundo dos seus interesses. De outro lado os Estados Unidos como espectador, mas o maior interessado no fracasso dos contendores.
Na guerra mundial, só entrou no conflito de moda mais retraída e somente veio a participar efetivamente, quando assistiram estarrecidos a URSS vencer a guerra e ameaçar seus interesses geopolíticos. Virou a potência da vez, estabeleceu uma dicotomia de poder e inaugurou a guerra fria criando a OTAN como braço militar. Vem expandindo incontrolavelmente o seu império a manu militare em toda América Latina, Nicarágua no meio, além da África, Europa e Oriente Médio.
O Dirigente de qualquer país que ofereça atrativo econômico e que não se submeta à cartilha dos USA estará sujeito a sanções como: bloqueio econômico, sabotagem e intervenção militar direta ou indireta, como ocorreu recentemente no conflito Rússia x Ucrânia.
Daniel Ortega que é integrante da Frente Sandinista de Libertação Nacional-FSLN desde 1962, jamais será do agrado dos USA, da mesma forma que: Carlos Andrés Perez, Daniel Ortega, Rafael Correia, Lula entre outros.
Portanto é pertinente adicionar a esse debate, os ingredientes imperialistas que se contrapõem ao Canal da Nicarágua. Uma vez construído e guardadas as devidas proporções, reduzirá o Canal do Panamá, à menina dos olhos dos USA, a uma simples Eclusa.
O resto, como diria o filósofo Biu do Violão de Campina Grande:
“O resto é paia.”
Consulta:
Canal do Panamá – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org);
Polêmico canal interoceânico na Nicarágua deve fortalecer China – BBC News Brasil;
Projetos de infraestrutura: Nicarágua inaugura as obras do canal interoceânico entre protestos | Internacional | EL PAÍS Brasil (elpais.com);
Fotografias:
COBRAPE – Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos;:
Sobradinho (BA): Eclusa da barragem volta a atender turistas dia de domingo – BLOG RAMOS FILHO;
Canal do Panamá: história, construção e funcionamento – Cola da Web;
Canal do Panamá. O passo das Américas se alarga – Brasil 247;
A importância do Canal de Suez no Comércio Exterior | Portos & Mercados (portosmercados.com.br);