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João Pessoa

Botânica Natalina

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Meses antes do natal tenho por hábito começar a idealizar as decorações da minha árvore. Sempre me julgo um tanto colonizado por isso. Talvez um tanto colonizado pelos filmes americanos e sua magia cinematográfica… um tanto pelas tradições europeias de seus solstícios e oferendas aos deuses da terra. É uma das questões da vida em que me permito ser contraditório ou simplesmente me permito não ter explicação concreta.

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Numa das minhas discussões botânicas/paisagísticas que tive com meu pai ele me saiu com uma frase genial, mas antes da frase explico o contexto.
Sempre fui um apaixonado por árvores, seu gigantismo sempre me embasbacou. Sua exoticidade me encanta até hoje. Das figueiras brancas gigantescas com suas sementes pequeninas aos amazônicos abricós de macaco e seus frutos em formas de bala de canhão… e cultivar um pouco essa riqueza de gigantes eternas da terra em que nasci tem sido um hobbie, meio missão, que trouxe para mim.

Talvez numa sanha joanina de criar o meu próprio jardim de aclimatação meio parque, meio bosque, meio coleção venho buscando e plantando a maior variedade de árvores nativas nas quais consigo colocar as mãos. Planto-as na mais precisa aleatoriedade pensando em suas raízes e copas convivendo nos próximos 50, 100, 500 anos… paisagismo com ar de acaso da natureza mas milimetricamente pensado.

Meu pai, um utilitarista, desdenha da minha mania de importar mudas de Gustavias Augustas, Corrupitas Guianensis…,todas com seus devidos nomes botânicos, vindas das várzeas amazônicas às florestas de altitudes do sul do país. Para ele, frutos e linhas retas são os únicos requisitos e cultivos possíveis e necessários.

Nossa convivência como jardineiros tem se desenvolvido, por muitos anos, ora com ele sendo o meu Sancho Pança, ora como meu moinho de vento. Nossa última empreitada está sendo transformar uma área perto da casa em um bosque, corrijo, MINHA última empreitada tem sido essa, a dele tem sido, ainda me questiono, formar o maior pomar de árvores frutíferas exóticas plantadas em linha reta na América do Sul ou me enlouquecer.

Quando descobri uma aleia de jaqueiras indianas e abacateiros mexicanos no meio das minhas guerreiras compatriotas quase choro, mas ele, irredutível, proclama: se ninguém quis elas, eu quero. E acredito que isso muito diz respeito do modo de ser dessa “pátria mãe gentil”. Transformamos todo alheio em nosso, e com isso vêm também as tradições.
No longínquo século XIII, ninguém mais ninguém menos que o próprio São Francisco de Assis, reza a lenda, encenou a primeira cena da natividade, o nosso primeiro presépio da história. Por mais de um milênio apenas as celebrações pascais tinham importância no calendário cristão.

Outros contam que era hábito, no norte da Europa, com seus rigorosíssimos invernos, trazer, na noite mais longa do ano, o solstício de inverno, 25 de dezembro, um ramo de sempre viva para dentro de casa e decorá-lo com frutas e velas. Sendo o galho, ou mesmo o pinheiro inteiro, um símbolo da imortalidade já que permanecia com suas folhas até no mais rigoroso dos invernos; as luzes simbolizavam o calor e o desejo do retorno dos dias de sol; os frutos simbolizavam, ao mesmo tempo, pedidos e agradecimentos pela fartura. Com a chegada do cristianismo na região o simbolismo se adequou perfeitamente ao nascimento de Cristo, e passou a simbolizar a luz e a esperança trazida pelo messias.

 

Apesar de saber de tudo isso, de saber também da tradição romana da Saturnália, celebração ao deus Saturno nos modos de um carnaval que também ocorria por volta do solstício de inverno, ainda monto meu pinheiro de plástico em local de destaque e o decoro com símbolos específicos: bolas que representam os frutos e a fartura que temos de agradecer; laços e fitas que simbolizam a união entre os homens; sinos que simbolizam os sinos de Belém que repicaram com o nascimento de Jesus, Anjos, pássaros ou borboletas que simbolizam os anjos anunciantes da boa nova. Tudo enrolado em muitas luzinhas e brilhos que representam a luz do salvador.

Minha árvore de natal é uma daquelas bobagens que não consigo me desapegar. Com 13 gerações no Brasil, meus antepassados chegaram aqui Luís XIV ainda era o sol da França. Acho que a essa altura já deveria ter transformado meu pinheiro em um juazeiro que mantém suas folhas verdes na mais rigorosa seca da caatinga. Mas não sou filho da caatinga. Nasci entre cajueiros, mangabeiras, ipês e coqueiros. Cresci molhado de sal e com abundância de chuva. Qual, então, deveria ser minha árvore de natal? Não sou português como meus antepassados que desembarcaram das caravelas, tampouco cariri como aqueles com quem se aliaram e povoaram o país. Não sou sertanejo. Sou um vira-latas nascido na beira do mar que celebra o nascimento de um judeu com uma árvore de plástico? Deveria decorar um grande Jequitibá e pedir que Tupã nos livre de Anhangá?

Creio que sendo esse português meio canibal que cresceu sob uma mangueira e comendo castanhas de caju me é permitido ser o que bem entender da forma que preferir. A Europa não me reconhece mais como um dos seus, claramente o antropofagismo se perdeu no tempo. Sou tudo isso e ao mesmo tempo não sou nada. Sou um daqueles que não quiseram mas fui acolhido.

O conhecimento de nossas escolhas nos traz a possibilidade de seguirmos, como ensinam os budistas, o dito “caminho do meio”. Não sou daqui, mas é aqui que estão as minhas raízes. Se escolho e as acolho, essas tradições passam a ser minhas.

Outro dia me perguntaram por que ainda usamos o calendário Gregoriano, e dividimos a contagem do tempo em antes e depois de Cristo, e apesar de sincera (e correta) a minha resposta não satisfez meu interlocutor: convencionou-se a usar assim.

O que é o Direito, a Economia, a Linguística e, creio, todas as ciências, se não um apanhado de convenções? Quem determinou, afinal, que na escala Celsius, o zero seria o ponto de congelamento da água? Convencionou-se.

Talvez, para alguns, viver em mundo sem verdades nem conceitos absolutos pode ser loucura ou pura ignorância. Para mim, é libertador, A vida, para bem ou para mal, é feita de escolhas. Não estamos atrelados a um destino imutável e irreversível. A vida e o futuro são o que fazemos deles.

Feliz Natal a todos e celebrem todas as suas tradições de preferência com muita alegria e esperança.

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