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Ceará Quilombola: O Ceara que ninguém quer ver

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No ano de 2003, o Brasil entrava numa nova fase histórica e aqueles direitos que haviam sido adquiridos pela Constituição Federal de 1988 passaram a entrar em vigor através de iniciativas, projetos e Decretos. O artigo 68 da CF reconhecia as propriedades de terras dos remanescentes das comunidades quilombolas em todo país. Com a seguinte redação: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”.

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Reconhecimento mais do que justo, afinal, foram muitos anos de opressão sofrida por essas comunidades em defesa de suas culturas e identidade étnicas. A delimitação, demarcação e titulação das terras quilombolas criada pela Constituição obrigava o Estado Brasileiro a formular políticas públicas de proteção a essas comunidades. Era o mínimo que o Estado poderia fazer para reparar os erros cometidos na época da Abolição da Escravatura no Brasil.

Mesmo com seus direitos garantidos pela Constituinte, ainda faltava mais, se fazia necessário, além da posse das terras uma melhor qualidade de vida com acesso aos serviços essências como saúde, educação e saneamento básico. Conhecedor das dificuldades do povo excluído, o então presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, adotou a Medida Provisória nº 111 de 2003, onde cria um órgão de assessoramento ligado ao Presidente da República: fica criada a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, e assina o Decreto de Nº 4.887, contendo 25 artigos, dando procedimentos administrativos para o reconhecimento, delimitação e titulação das terras quilombolas, delegando poder de atesto, autonomia e auto definição pela própria comunidade, considerando a trajetória histórica, dotadas de relações territoriais para garantia da reprodução física, social e econômica delas.

Dois anos depois, em 2005, foi eleita para prefeita de Fortaleza, a jornalista e professora universitária, Luizianne Lins, que tinha como principal bandeira a igualdade racial e um vice-prefeito negro e sindical, Carlos Veneranda. Foi em seu gabinete que tive o prazer de trabalhar e conhecer de perto as comunidades quilombolas e os países lusófonos. Tudo era completamente novo para mim. Com o tempo e as visitas técnicas pude perceber que se tratava um povo esquecido pela sociedade, pelas entidades que a representavam e por nossos governantes. A partir do decreto Nº 4.887/2003 acendeu uma luz no final do túnel. Estávamos apenas engatinhados.

Para melhor conhecer o terreno em que pisava me dediquei às pesquisas, afinal, era necessário conhecer a cultura deles para adentra na comunidade. Esses grupos tem identidade cultural própria e se formaram por meio de um processo histórico que começou nos tempos da escravidão no Brasil, simbolizando a resistência e as diferentes formas de dominação.

Quando iniciamos as vistas técnicas o sentimento de injustiça e desconfiança era muito forte, o abandono e desamparo eram visíveis. É como disse o catador de papel à escritora Carolina Maria de Jesus no seu livro Quarto de Despejo: Nosso Mundo é a margem, sem aspirações, sem sonhos. Um grupo que historicamente amargou tanto sofrimento através da violência, e poucos são os seus representantes no cenário político nacional. Refiro-me a alguém que possa dar voz e vez àqueles que até hoje continuam calados frente a tanta injustiça e desigualdade, resquício da “Herança Maldita” que se arrasta por séculos.

O trabalho em conjunto com a Fundação Palmares, PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), UNB (Universidade de Brasília) e a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial que tinha status de Ministério deu um grande salto nas questões de mapeamento das Comunidades Quilombolas em todo o Estado do Ceará, o que facilitou as visitas e relatórios para o reconhecimento de fato e de direito. O que não foi nada fácil.

Hoje o Ceará conta com 73 Comunidades Quilombolas registrado pelo Estado, somando um total de 4.017 famílias, destas comunidades estão reconhecidas e certificadas na Fundação Cultural Palmares, e muitas outras que existem nem sequer foram visitadas e nem catalogadas. A exemplo do Município de Aurora que conta com três comunidades e apenas uma está no levantamento do Estado, e assim, muitas outras localidades estão na mesma situação. A pesar das dificuldades 42 comunidades já foram certificadas pela Fundação Cultural Palmares. O primeiro passo foi dado.

FOTO: S.SURRY(2009)

Na época, elaborei um projeto denominado Ceará Quilombola, fornecendo subsídios para a construção de caminhos no avanço pelos direitos do povo afrodescendente com objetivo de devolver a essa etnia a estrutura que lhe foi negada. Embora existam escolas e alguns programas sociais dentro das comunidades e vendo de perto a realidade, acabei concluindo que muitas delas vivem sem estrutura, sem conhecimento de sua representatividade e absorvendo a cultura de massa vinda de fora das suas cercas.

Em 2007, fui afastada da Vice Prefeitura e logicamente do projeto que já tinha sido aprovado pela Petrobras, infelizmente, quem ficou no meu lugar não tocou o projeto e ele foi abortado. Com tudo me restou à experiência e a conclusão que é possível as Comunidades Quilombolas superar desafios e sonhar com vários caminhos, trilhando sem desistir diante das barreiras. Foi quando entendi o porquê do descrédito de sua gente, que cansada de tanta exploração, de tantos trabalhos, seminários, congressos que nada resolvem e nem voltam para agradecer ou apenas apresentar o resultado.

As Comunidades Quilombolas querem e merecem mais, precisam descobrir o que restou dos costumes e hábitos antigos, a quem pertence o legado do saber no convívio com a natureza, e quantos são na realidade os seus integrantes. Faz-se necessário a elaboração de ações conjuntas que orientem, informem e ofereçam facilidades para o processo de desenvolvimento das Comunidades. Deixemos o blá-blá de lado e vamos partir para o concreto, com propostas de trabalho que sirvam de elo entre os órgãos competentes, o movimento negro e as comunidades quilombolas na busca de benefícios sociais, resgate da cidadania para devolver aos afros descentes identidade, autonomia e o orgulho da sua história e sua cultura.

É verdade que no princípio do governo do PT, em 2003, uma pequena luz se acendeu no fim do túnel, clareou um raio de esperança no coração de um povo que tanto contribuiu e contribui para a economia e cultura brasileira, mas, não passou de um facho de luz, de relâmpago que vez por outra surge e rapidamente desaparece no horizonte. Ainda, estamos longe de reparar tamanha injustiça. E, depois da desconstrução nacional e do atraso promovida pelo atual governo nossas comunidades estão à deriva.
O maior patrimônio de um povo é a sua história de luta e de resistência que traz do seu passado de sofrimento de pertencimento e libertação.

 

FOTO 4: ETNIA QUILOMBOLA

FOTO3: QUILOMBO

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