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A Tragédia de Princesa: O caso de Dr. Ildefonso Augusto de Lacerda Leite

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A curta passagem do Dr. Ildefonso Augusto de Lacerda Leite no planeta terra foi rápida, marcante e trágica. Na minha vida ela foi invasiva, arrebatadora e constante, acabei atribuindo a um dos meus carmas. Após 116 anos do seu estúpido assassinato, o jovem moço que teve sua vida interrompida aos 26 anos de idade com um belo e promissor futuro, aguardou pacientemente e silenciosamente que eu entrasse em cena para assumir o papel de Sherlock Holmes na sua fascinante história que envolveu riqueza, política, poder, religiosidade, amor, traição e sangue numa mistura bombástica resultando no seu cruel assassinato.

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Para investigar a trajetória do médico menino não fiz um trabalho de exumação, porque, eu precisava mais do que seu corpo, eu carecia do corpo e da alma, por isso, tive que ressuscitá-lo, trazer a tona tudo que envolveu seus dias nesta existência: caráter, personalidade, gostos, sonhos, ideais e como funcionava o sistema socioeconômico e político da época em que viveu. E, plagiando Machado de Assis em Memórias Póstumas de Brás Cubas: Ildefonso não é um personagem defunto, é um defunto personagem, porque, tive que trazê-lo de volta a vida para escrever sua história.

Falar de Dr. Ildefonso Lacerda é revirar um baú de mistérios coberto de poeira, mofo e teia de aranha, e convenhamos daquelas venenosas como a tarântula e a aranha marrom, um verdadeiro covil de serpentes, as mesmas que eliminaram Cleópatra, a exuberante rainha do Egito. Nada foi fácil, no entanto, o próprio Ildefonso guiou cada passo, clareou todo pensamento e elucidou qualquer enigma. Os segredos que envolveram seus dias até sua morte eram sedutores, quanto mais mistério mais fascínio, a cada descoberta o baú se abria e nele verdadeiros tesouros de informações surgiam.

Primogênito de uma família abastada e poderosa seu nascimento foi um verdadeiro acontecimento, sua infância rica e cheia de mimos foi ele o centro das atenções da casa-grande da fazenda da sua avó; inteligente e curioso sua vida de estudante foi cheia de dúvidas e desavenças, sua inquietude e perspicácia acabou lhe acarretando muitos problemas e incredulidade. Fatos que lhes trouxeram incompreensão, perseguição e o levaram a morte.

As páginas nas quais discorrem sua vida foram minuciosamente trabalhadas. Em cada capítulo procurei escrever em ordem cronológica contextualizando o tempo e os espaços por ele percorridos, observando a situação socioeconômica e política da sua época. Além da cultura e dos costumes dos diversos lugares em que ele viveu, desde a vila onde nasceu, aos seminários, escolas e faculdades que frequentou. Através da sua tese de doutoramento pude sentir e extrair dela a sua personalidade e seu caráter. O seu mapa astral mostrou muito do seu comportamento, assim como, seu signo, ascendente e planeta que regeram e influenciaram sua vida. Eu precisava do Ildefonso gente, daquele que nasceu em janeiro de 1876, que frequentou os seminários e o Liceu do Ceará, do Ildefonso que morou na capital federal, que desfrutou das mais belas noitadas cariocas e das altas rodas intelectuais daquela cidade que um dia fora a Corte, porque, só se falava do Dr. Ildefonso assassinado em janeiro de 1902. Como poderia escrever a história de um personagem a partir da sua morte, precisava falar dele a partir do seu nascimento.

Sua trajetória foi brilhante, teve a companhia e influência do tio materno, Dr. Ildefonso Correia Lima, que já formado em Medicina não poupou esforços e prestígio para proporcionar ao sobrinho o melhor que o Rio de Janeiro e a Medicina da época ofereciam. Estagiou nos melhores hospitais, frequentou a mais alta sociedade carioca e devido ao seu pensamento darwinista, positivista e filosófico integrou a Maçonaria na capital da República.

Em meados de 1900, voltou ao Ceará e passou a clinicar na sua terra natal, na cidade de Lavras, e em Cajazeiras na Paraíba, onde residiam parentes da sua avó materna, Dona Fideralina Augusto Lima. No final daquele ano, a peste bubônica chega ao Nordeste pela linha férrea na capital pernambucana, e segue desenfreada interior adentro, chegando ao Vale do Pajeú e por questão geográfica no Vale do Piancó. Primeiro em Triunfo – PE, e depois, em Princesa-PB. Terra de valentes e prestigiosos coronéis e lugar que residiam muitos parentes do lado paterno do Dr. Ildefonso. Formado em medicina e especialista em doenças tropicais, muda-se para a pequena Vila de Princesa com o objetivo de exercer sua profissão e pôr em prática o que aprendera com o mestre Dr. Oswaldo Cruz.

Foi nessa pequena Vila que Dr. Ildefonso encontrou e viveu todos os bons e maus sentimentos num curto espaço de tempo. A mistura de peste, ódio, amor, cobiça, inveja e conspiração selaram o destino daquele que tinha sido escolhido para ocupar os mais altos cargos e o legado de uma grande oligarquia nordestina: os Augustos de Lavras da Mangabeira.

A distância entre sua existência, a vergonhosa covardia do seu assassinato e as revelações sobre sua curta vida acabaram dando sumiço a documentos, silenciando testemunhas e apagando vestígios, muitas perguntas permanecerão sem respostas, ficando apenas no campo da suposição. A intensidade que foi sua vida foi sua morte, seu corpo saiu de cena, mas sua história se eternizou. Mataram o homem e ficou o mito.

Fortaleza, 16 de março de 2018.
Cristina Couto.

 

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