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A geografia da fome redviva e explicita

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O pernambucano Josué de Castro foi médico, nutrólogo, professor, cientista social, geografo, político, escritor e grande ativista do combate à fome e um homem para além do seu tempo.

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Josué escreveu um livro celebre, que foi incorporado à lista dos best selers não somente no Brasil, mas em toda América Latina e no mundo, como um tratado sociológico de grande magnitude e relevância.

 

Bertoldo Kruse Grande de Arruda também médico e escritor, Secretário de Saúde de Pernambuco entre 1959 – 1963, em referência ao trabalho de Josué de Castro, assim se pronunciou:

“Geografia da Fome revela a associação harmoniosa da capacidade de argumentar com a segurança científica, um novo modo de pensar e de agir frente à realidade alimentar e nutricional e também uma abordagem pioneira no dimensionamento da fome coletiva como um fenômeno geograficamente universal.”

E prossegue Bertoldo:

“Nesse livro-manifesto, Josué de Castro reinterpretou o papel da geografia clássica, incorporando uma das dimensões explicativas mais importantes, que é a da análise política, para desvendar a significação e consequências do desenvolvimento espacial desigual. A releitura de Geografia da Fome mostra que seus delineamentos conceituais e propositivos continuam vivos e constituem instrumentos indispensáveis para repensar criticamente a realidade brasileira e, em particular, a nordestina. Geografia da Fome, no seu cinquentenário, torna-se um livro atual pela sua mensagem estimuladora e perturbadora.”

Tivemos de fazer a releitura do excepcional livro do genial pernambucano depois de vermos cenas chocantes mostradas pela imprensa, onde um grupo de famintos da cidade de Fortaleza  capital do estado do Ceará, premidos pela extrema necessidade, catavam restos de alimentos de um caminhão de coleta de lixo para sobreviver.

A sofreguidão com que as pessoas catavam os restos do repasto da burguesia, mostrava na nítida expressão facial dos famélicos uma cruel realidade. Realidade que se repete secularmente e com os mesmos ingredientes, 75 anos depois do lançamento do livro denuncia de Josué de Castro.

Recém formado em medicina em Salvador e trabalhando diretamente com operários de uma fábrica no Recife, ele fez uma constatação até então escamoteada, para afirmar categoricamente que: os grandes problemas por ele diagnosticados naquele nicho tinham uma mesma causa, a fome.

Conterrâneo de Josué de Castro, o pernambucano Chico Science, de visão social penetrante e falecido precocemente  em 1997. Ele  repetia o mesmo brado crítico de Josué, 51 anos depois.

A sintonia entre a acuidade visual de Josué de Castro e Chico Science não é uma mera coincidência e sim uma cruel constatação da fragilidade social endêmica que tem permeado a vida da classe trabalhadora ao longo dos séculos.

Outro pernambucano não menos famoso, o laureado poeta modernista Manoel Bandeira, escreveu um poema de titulo O Bicho em que ele também chama a atenção para o problema da fome e essa é a terceira opinião convergente a considerar.

Há um ditado chinês que diz: se o cavalo ganhar uma vez foi por sorte; se o cavalo ganhar duas vezes foi por coincidência; porém se o cavalo ganhar a terceira vez pode apostar no cavalo!

Seres humanos catando comida no lixo em Fortaleza

A imagem mostrada na fotografia é muito forte e revela mais do que um grupo de famélicos. Ela desnuda a crueldade da exclusão social e expõe na prática, o que muitos escondem que é a divisão da sociedade em classes sociais, além da falência do modelo econômico liberal capitalista.

As pessoas vistas na fotografia e que serão visualizadas com mais detalhes no vídeo, fazem parte da pequena ponta visível de um iceberg social que esconde 21% da população que passa fome. Essa é uma flagrante e inquestionável contradição, num país que é o terceiro maior produtor e segundo maior exportador de alimentos do mundo.

Se compararmos a população do Brasil que tem 213 milhões de habitantes, com a população dos Estados Unidos que têm 330 milhões e a da China que tem 1,5 bilhões de habitantes, constataremos outra contradição que é uma maior incidência de fome exatamente num país de menor índice populacional. Ora, a população do Brasil representa 64,5% da população dos USA e 14,2% da população da China.

Pelos números projetados na fotografia a seguir, até 2026/2027 o Brasil estará produzindo 41% a mais do que produz hoje em alimentos. Afinal, qual é o real motivo da fome?

Se formos conversar com algum pequeno burguês “politicamente correto”, daqueles que fazem concurso público para altos cargos e veste a fantasia do rico, ele encontrará a resposta de maneira bem simples: preguiça! Será somente isso?

Eles que abandonaram a classe social à qual pertencem por origem, são seduzidos pela miragem de falsa riqueza e passam a fazer parte de um estamento social que embora com altos salários continuam pobres.

No dizer do laureado professor da USP Alysson Mascaro, eles se tornam amigos do dono do porrete para não apanhar e passam a bater para agrada – lo.  Dessa forma, sem nenhum drama de consciência ele irá culpar os famélicos pela sua própria fome. Todavia jamais irão poder negar que no somatório das nossas quatro regiões 44,8% da população brasileira está situada abaixo da linha de pobreza,   entre os quais 21% está na miséria e passando fome.

A procura por restos de comida catada do lixo que aconteceu  no bairro da Varjota em Fortaleza, poderia ter ocorrido em qualquer bairro de uma outra cidade brasileira onde com certeza a miséria estará presente, ou seja o problema é nacional.

Paradoxalmente, enquanto temos um contingente de pelo menos 10% da população passando fome, emerge simultaneamente à crise da covid 19, vinte novos bilionários. Qual seria a receita para tanto sucesso?

Com certeza eles irão justificar o acúmulo de tamanha fortuna em apenas dois anos,  alegando que tudo aconteceu “à custa de muito esforço e muito trabalho”. E o pior é que ainda há quem acredite!

Será que isso é verdade? será que o capital passou a se multiplicar sem necessitar da força do trabalho, contrariando tudo quanto Marx escreveu? será que o operário de uma fábrica de sapatos qualquer que produz 100 pares de sapatos por dia necessitaria do valor apurado com a venda de todos os sapatos por ele produzidos para viver? será que a venda de dois pares de sapatos não seria suficiente para atender as suas necessidades? enfim, o que seria feito dos 98 pares restantes? perceberam? isso tem um nome: mais valia

Pelo visto a crise da covid 19 somente existe para a classe trabalhadora cuja renda encolheu ou sumiu. Enquanto isso, do seio da burguesia “brotaram à custa de muito trabalho e esforço” 20 novos bilionários com B de bola. Eles se juntarão aos 45 bilionários existentes para totalizar segundo o DIEESE, 65 bilionários.

De maneira geral, 660 pessoas entraram para a seleta lista dos mais ricos do mundo. Mas, se contabilizarmos apenas o período da pandemia, a partir de março de 2020, o contingente de bilionários foi acrescido de 493 novatos — ou seja, quase um novo bilionário a cada 17 horas nos últimos 12 meses.

O ranking da revista Forbes agora conta com 2.755 bilionários, cuja fortuna somada ultrapassa a casa dos US$ 13,1 trilhões, valor bem maior do que os US$ 8 trilhões do ano passado.” Sabem o que isso representa? Simplesmente três vezes o orçamento anual do Brasil!

Essa é uma realidade que não pode continuar a ser banalizada e vista com a indiferença atual. É preciso entender que a locomotiva do trem econômico liberal conservador está com sérios problemas mecânicos e não será trocando de maquinistas que iremos resolver os percalços da longa viagem da história da humanidade!

É preciso mudar não somente a locomotiva e sim todo comboio!

O BICHO
Manoel Bandeira

Vi ontem um bicho
Na imundície do pátio
Catando comida entre os detritos.

Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.

O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.

O bicho, meu Deus, era um homem.

Rio, 27 de dezembro de 1947

Percebam a data, 1947. “ Tudo continua como dantes no quartel de Abrantes!”
O ser humano ainda se arvora em dizer que é racional. Será?

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