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O País que destrói os seus Palácios

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Em 1904, o engenheiro Souza Aguiar projetou, em estrutura inteiramente metálica, o Pavilhão do Brasil para a Exposição Universal, realizada em Saint Louis, nos Estados Unidos. A construção obteve, no evento, o Grande Prêmio de Arquitetura, tendo sido esta a primeira premiação internacional conseguida pela arquitetura brasileira. Ao final da Exposição, o Pavilhão foi desmontado e transportado para o Rio de Janeiro e reconstruído numa área entre a Cinelândia e a Baía da Guanabara.
Batizado com o nome de Palácio Monroe, em homenagem ao presidente norte-americano James Monroe, a edificação tornou-se um dos cartões-postais da cidade. Foi utilizada pelo Governo em várias funções e sediou, provisoriamente, a Câmara dos Deputados. Em maio de 1925, passou a ser a sede do Senado Federal, até a sua mudança para Brasília.


Palácio Monroe em um cartão-postal do Rio de Janeiro

Na última sessão do Senado realizada no Palácio Monroe, em abril de 1960, o senador paraibano Argemiro Figueiredo assim manifestou-se na tribuna:

“Os nossos discursos, os debates calorosos, os pequenos incidentes, o rumor dos nossos passos subindo e descendo os degraus deste recinto, este teto sóbrio e nobre, estas colunas romanas, a agitação dos taquígrafos, a curiosidade indiscreta dos jornalistas e o ruído dos tímpanos, tudo que lembrarmos transmuda-se em saudades tão intensas que nos levam a dizer que esta casa, ao cerrar as suas portas, guardará também alguma coisa de nossa própria vida”.

O Monroe, a partir daí, funcionou como uma representação do Senado no Rio, o “Senadinho” e abrigou órgãos do Governo Federal. Em 1976, em uma polêmica decisão, foi determinada a demolição do edifício. O Palácio, um dos ícones do Rio, laureado com prêmio internacional de arquitetura, que foi sede da Câmara dos Deputados e, durante trinta e cinco anos, do Senado Federal, findou, ingloriamente, seus dias, como descreve notícia publicada, em dez de fevereiro de 1976, na Tribuna da Imprensa:

“Monroe está caindo – O Palácio Monroe está cedendo à ação do vaivém da picareta. Agora, sob seus escombros, onde se acumulam toneladas de mármore de Carrara e de bronze suíço, jazem páginas gloriosas do esforço de muitos brasileiros para solidificar o Poder Legislativo do País, como instituição. Por entre as árvores que ainda restam do antigo jardim do Palácio, instalou-se uma movimentada feira-livre de antiguidades, com colecionadores disputando, a preços de ouro, anjos, leões, portas, janelas, colunas, vidros e outros ornamentos que faziam, da quase secular sede do Senado, um dos prédios mais nobres da antiga Capital Federal”



Demolição do Palácio Monroe, foto de Evandro Teixeira.

Eu escrevi o texto acima na orelha do livro Um Político da República Velha, publicado em 2017 (Ideia, 506 páginas), em que utilizei fotos do Palácio Monroe, na capa (fachada do edifício) e contracapa (plenário do antigo Senado).

Capa de Carlos Moreira González

A demolição do Palácio Monroe, perpetrada ao tempo da ditadura militar, foi um dos maiores crimes cometidos contra o patrimônio cultural do País. Compunha, juntamente com os edifícios do Teatro Municipal, do Museu Nacional de Belas Artes e da Biblioteca Nacional, todos construídos mais ou menos no mesmo período, um dos principais espaços arquitetônicos da área central do Rio de Janeiro, localizada no entorno da chamada Cinelândia. No plenário do antigo Senado Federal, no Palácio Monroe, tomaram assento figuras destacadas da política brasileira no século passado, como João Mangabeira, Luís Carlos Prestes, Gilberto Amado, Flores da Cunha, Roberto Simonsen, Paulo de Frontin, José Américo de Almeida, Epitácio Pessoa e tantos outros. A tribuna do Monroe foi palco de memoráveis cenas, uma das quais, envolvendo paraibanos, proximamente, relatarei.
Plenário do Palácio Monroe, vendo-se o busto de Ruy Barbosa por trás da mesa diretora.

O triste fim do Palácio Monroe pode ser descrito pelo destino que tiveram várias peças do prédio, dentre elas as quatro imponentes esculturas de leões que ornamentavam as entradas do edifício. Esculpidas na Itália, em mármore de Carrara, com uma altura de dois metros, os leões do Monroe eram um dos mais lembrados símbolos do antigo Palácio e comumente usados nos cartões postais do Rio de Janeiro. Para Ruy Castro, no seu livro Metrópole à Beira Mar – o Rio Moderno dos anos 20, na época, “os leões do Monroe reinavam sobre a cidade que se reconstruía sem parar”.

Cartão Postal, em francês, com os leões do Palácio Monroe.


Anos atrás, quando se preparava para filmar o documentário Crônica da Demolição, o cineasta Eduardo Ades fez algumas pesquisas sobre o desmonte do Palácio Monroe,  cujo resultado foi objeto de uma matéria publicada no jornal O Globo. O Palácio Monroe integrava os bens da União e o processo da sua demolição, decorrente de uma decisão autoritária de um governo inculto e antidemocrático, sem que fossem considerados os pareceres das entidades e órgãos envolvidos com a preservação do patrimônio histórico nacional, dá uma ideia perfeita do descaso com que é tratado o acervo cultural do País. A ordem de demolição foi determinada pelo presidente, general Geisel, e expressa num simples memorando do general Golbery, que era uma espécie de condestável do regime militar da época. Foi feita uma licitação para a execução da demolição, que foi ganha por um empreiteiro que estava mais interessado no reaproveitamento da estrutura metálica do prédio, tendo o valor contratado sido de 191 mil cruzeiros (moeda da época). Mas, somente com a venda de duas das quatro esculturas de leões, o empreiteiro obteve 200 mil cruzeiros (valor informado pelo próprio comprador das esculturas ao jornal O Globo), mais do que o valor que o empreiteiro transferiu ao governo federal pela contratação. Estimativas indicam que, apenas com a transação do material da estrutura metálica, o contratado teria obtido nove milhões de cruzeiros, quase 50 vezes o valor total da contratação da execução da obra de desmanche do prédio.

Retirada das esculturas após a demolição do Palácio Monroe

Muito mais do que qualquer análise do aspecto financeiro da contratação dos serviços, o que deve ser ressaltado é o desprezo das autoridades de então com o destino de bens tão relevantes para a história nacional, o que pode bem ser exemplificado pelo que foi feito com os famosos leões do Monroe. Quando da demolição, um fazendeiro de Minas Gerais que ia passando pelo local resolveu comprar as quatro esculturas dos leões para colocar na sua fazenda em Uberaba. Depois de um tempo de posse das peças, se desfez, de duas delas, certamente vendendo-as com um ágio atraente. Essas duas esculturas que não permaneceram na propriedade rural no interior de Minas Gerais, felizmente, se encontram, atualmente, no Instituto Ricardo Brennand, no Recife.

Instituto Ricardo Brennand – Recife

Pela reportagem de O Globo se tem conhecimento onde findaram algumas outras partes retiradas do Palácio Monroe. Quase todas passaram para mãos de particulares, vitrais desmontados foram levados para a França, portões, balaústres e anjos de cobre da cúpula transferidos para mansões de empresários endinheirados. Realmente, não se sabe como conseguiram escapar alguns objetos, como os imensos microfones do plenário, hoje depositados no Museu do Senado, em Brasília. Também sobreviveu ao desmanche do Palácio o busto de Ruy Barbosa, que, atualmente, está colocado, no plenário do Senado, por trás da mesa diretora. Mas, eu tenho quase a certeza de que o grande tribuno e civilista baiano, cultor da língua portuguesa castiça, pelo nível intelectual dos atuais senadores que têm assento naquela casa legislativa, preferiria que seu busto estivesse muito longe dali.




Busto de Ruy Barbosa, plenário do Senado
Esses dois, curtos e excelentes, vídeos dão uma amostra da história do Palácio Monroe. 
    
Trailer do filme Crônica da Demolição, de Eduardo Ades  


Palácio Monroe – Documentário da TV Senado

Flávio Ramalho de Brito

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