Por: João Vicente Machado
Toda cidade e ate mesmo alguns estados, têm suas figuras singulares que fazem parte do cotidiano e com as suas peripécias humoradas compõem a paisagem e dela passam a fazer parte.
Conheço algumas personagens desse tipo em lugares diferentes que apesar da individualidade muito se parecem nas ações, tornando a vida menos amarga com um humor escrachado mas inofensivo.
O nível cultural deles é diverso e geralmente essas figuras brotam do seio do povo, alunos da sabedoria popular, onde a vida é construída com exemplos e com mais humor e esperança. A tessitura dos fatos é feita com o fio do dia a dia local e a caricatura sai perfeita e muito agradável, alem de engraçada.
Campina Grande tem figuras exóticas como Pedro Cancha, Biu do Violão e ainda produziu de quebra Carbureto e o exportou para a Parahyba, para aliar-se a Vassoura, Mocidade e Manoel Caixa D’água.
Biu do Violão, em Campina Grande, não conseguiu o epíteto de Roberto Carlos, mas ainda hoje perambula pelas ruas com o seu inseparável violão e não canta músicas de outrem, pela fidelidade musical a Roberto Carlos que para ele é um monstro sagrado.
Patos teve Manduri que foi mestre e exemplo para seu Lunga do Juazeiro do Norte, teve Zezinho Pintor que não era muito amante da verdade e até um tal de Miringaba de costumes exóticos impublicáveis.
Lavras da Mangabeira, a minha querida cidade natal, também produziu algumas figuras excêntricas, simpáticas e engraçadas e ainda importou algumas outras.
Hilnê Costa Lima de saudosa memória escreveu sobre esses personagens e seria repetitivo citá-los. Vou me prender a dois “estrangeiros”.
Um deles era sapateiro e trabalhava com Letícia irmã de Loura e sócia de Valdemar Sapateiro. Eles tinham uma fabriqueta e uma loja de calçados e conseguiram o concurso de um sapateiro de nome Antônio, que gostava de cantar e era chamado pela cidade de La Bohème e a bem da verdade era afinado.
O outro era pintor de paredes, originário do Crato que, por ser morada de alguns conterrâneos, vez por outra recebia a indicação para fazer algum trabalho de pintura em Lavras. O nome dele eu não sei e acho que poucos sabem, pelo fato do apelido ter se apropriado dele, tomando conta da sua identidade, sendo conhecido e reverenciado como Nelson pintor.
O nome foi em virtude da admiração que tinha pelo cantor Nelson Gonçalves, um dos maiores cantores da nossa história e ele não respondia a nenhuma pergunta que não fosse com uma música de Nelson.
Não disponho da fotografia de Nelson Pintor, mas vou contar um fato engraçado que me foi narrado pelo meu dileto amigo José Vilmar de Oliveira, o nosso China, um cearense apaixonado pelo e Crato hoje morando em Barra Mansa estado do Rio de Janeiro. Casado com Amélia, filha do professor José do Vale Arraes Feitosa, formando um dos casais mais harmoniosos que conheço.
Contou-me China um fato ocorrido entre Nelson o Pintor e Nelson o cantor que foi vivido no Crato e é muito engraçado:
Nelson Gonçalves houvera feito um show na cidade e após o show foi convidado por um grupo de fãs e dirigiram-se ao famoso cabaré de Glorinha na área dos depósitos de gesso, mineral extraído no município do Crato, o maior produtor do Brasil e próximo à estação ferroviária.
Nelson Pintor vislumbrou a oportunidade de aproximar-se do ídolo e ao entrar no cabaré foi apresentado a Nelson Gonçalves com todos os adjetivos qualificativos da sua capacidade musical e do seu talento, além da sua incondicional admiração pelo cantor.
Nelson Cantor deu-lhe uma nota hoje equivalente a R$ 100,00 (cem Reais) e pediu-lhe que cantasse uma música. Nelson Pintor já com o dinheiro no bolso vira-se para ele e diz:
“Nelson, dois bicudos não se beijam”! a risada foi uníssona à de Nelson Gonçalves e ele, para espanto de todos, saiu do recinto sem cantar, talvez pelo fato de fazê-lo no seu dia a dia.