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Nos limites da saudade

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Por: Cristina Couto

Ao compor Pedaço de Mim, Chico Buarque de Hollanda, como o mestre das palavras define com a precisão de um relógio suíço a saudade sentida nas relações quando se vão.  A forma como ela se apresenta ao indivíduo é universal, as reações e o modo de sentir é que divergem, pois, depende da personalidade e de quem a sente.

Na letra da canção PEDAÇO DE MIM Chico reuniu todas as formas de sentir saudades e as descreveu, em quais circunstâncias ela aparece e a dor que cada uma acarreta dentro do universo que se instaura. Na primeira e segunda estrofe o compositor fala do sentimento puro, da saudade vivida por circunstâncias da vida; nas três estrofes a seguir ele descreve saudades mais especifica: a morte, a perda e o abandono.

Nos cincos versos da canção o sujeito do discurso é sempre um pedaço dele, o outro é só saudade. No primeiro verso da primeira estrofe uma metade é ele e a outra metade é afastada dele, ou seja, apartada, que já não é mais como antes, é estranho aquele sentimento de está distante da pessoa amada, e essa ausência é substituída pela saudade; no primeiro verso da segunda estrofe a metade saudosa é exilada, ele tenta fugir dele mesmo, querer ficar longe daquela metade que lhe traz dor e sofrimento; no primeiro verso da terceira estrofe essa metade é arrancada, retirada a força, num ato de agressão, quer livrar-se daquele sentimento que lhe maltrata; já no primeiro verso da quarta estrofe o ato é mais concreto, a metade é amputada, jogada fora, por não mais interessar, recusada; e no primeiro verso da última estrofe ao que parece o personagem acaba se acostumando com a saudade e passa a adorá-la.  Durante toda a canção os atos são de afastamento a todo custo e ao final ele acaba criando um afeto para essa saudade ou se entrega de vez a ela.

“Oh, metade afastada de mim”
“Oh, metade exilada de mim”
“Oh, metade arrancada de mim”
“Oh, metade amputada de mim”
“Oh, metade adorada de mim”

Durante todo o poema ele faz um apelo insistente em levar parte dela e dele para que nada mais reste entre os dois, ou, somente assim, a saudade vá junto com elementos físicos traduzidos pelos aspectos espirituais através de sinais corporais.
“Leva o teu olhar  (através do afastamento – objeto de atração)
“Leva os teus sinais” (através do exilo – objeto de sedução)
“Leva o vulto teu   (que foi arrancado – objeto de obsessão)
“Leva o que há de ti” (no que foi amputado – objeto de ligação)
“Leva os olhos meus  (parte dele ir com ela – objeto de contemplação).

Das metades saudosas ele se despede, ou, tenta levar o desligamento as últimas consequencias, a saudade vai se configurando com o passar do tempo e sua forma de sentir também alcança novos rumos.  No primeiro verso da primeira estrofe, ele sente a saudade como o pior dos tormentos, é como se esquecer, perder a memória, não existir mais interesse, é como se entrevar, ficar imobilizado ou com dificuldade de locomoção, paralisado diante daquela dor dilacerante.  Na segunda estrofe a saudade como algo que está se afastando, como um barco prestes a partir, sente que está indo embora, e à medida que vai se afastando do cais as águas em seu entorno vai se abrindo e formando um arco em todo o rasto por onde passa, assim é a saudade dele que está se afastando, espalhando dor por todo seu ser, mas, está se indo e não voltará mais, claro na frase: “evita atracar no cais”.  A saudade na terceira estrofe é uma referencia a vida e a morte, é o oposto de ganhar é perder; o compositor compara o nascimento do amor e a sua perda, sendo o contrário de um parto, é a perda desse filho e ainda ter arrumar o quarto, o local mais íntimo de quem não existe mais,  não voltará nunca mais, ida sem volta, pois ele já morrera; na quarta estrofe a saudade dói latejada, dor latente, sem trégua, sem descanso, pulsante e a compara com uma fisgada, uma dor constante e que dá umas pontadas de vez em quando, em um membro que já não existe mais, é comum em pessoas que  amputam algum membro sentir coçar, doer. É uma impressão da presença de algo inexistente, por ter passado muito tempo junto. E por fim, ele reconhece que a saudade é o pior castigo, e ele não quer carregar ou pagar sozinho o peso dessa pena. E se despede com um adeus demonstrando que os dois jamais se encontrarão. É mesmo definitivo, sem retorno.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Mais uma vez Cristina Couto nos brinda com um texto leve e agradável sobre a fecunda obra de Chico Buarque de quem ela é uma estudiosa.
    A escrita dela é inconfundível e de uma transversalidade contextual impressionante e nós temos o prazer de tê-la como colaboradora de muita qualidade. Parabéns Cris.

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