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Ouro Negro na Paraíba

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Por: Flávio Ramalho de Brito

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    Com 55 anos de idade ele ainda não sabia ao certo quando e onde nascera. “Eu me sentia como um órfão, sem saber direito o meu nome, nem quando nasci. Parecia uma criatura numa pedra no meio do mar, com as águas batendo, como se fosse as pessoas perguntando: ‘Quem é você? Qual o seu nome? Quando você nasceu? Onde você nasceu?’, e eu não sabia de nada”.

   Descobriu, enfim, que nascera “entre os preás e os mocós” na zonal rural de Bom Nome, distrito do município pernambucano de São José do Belmonte. Na descoberta, tomou conhecimento, também, que seu nome que até então grafara como Moacir fora anotado por descuidado escrivão como Muacy e que o seu sobrenome Santos que sempre usara não aparecia nos sobrenomes dos seus pais. Aos dois anos, sua mãe, abandonada pelo marido que ingressou numa volante de perseguição a cangaceiros, mudou-se com os cinco filhos para a cidade de Flores, fronteiriça ao município de Princesa, na Paraíba. No ano seguinte, com o falecimento da sua mãe, ele e seus irmãos foram distribuídos entre as famílias remediadas do lugar.

  Criança ainda, já manifestava grande aptidão para a música. “Quando eu entendi a vida, que era um ser vivo, a música já estava comigo, de forma inata”. Com tarefa de cuidar dos instrumentos da Banda de Música local terminou aprendendo a tocar todos eles. Aos 13 anos, já tocava profissionalmente em Flores e nas cidades próximas. Revoltado com as exaustivas tarefas que lhe eram dadas pela família que o adotara, decidiu fugir do lugar.

    Perambulou por diversas cidades sempre procurando uma banda de música onde pudesse tocar. Ao chegar em Monteiro, na Paraíba, conseguiu um emprego na coletoria local, por influência do coronel Andrelino Rafael, que havia sido um dos fundadores da banda da cidade de Sumé, que tomou ciência das suas habilidades musicais. Em Monteiro, segundo ele, foi “tratado como príncipe” transformando-se no “mascote da cidade e fazendo vibrar a juventude com seu clarinete”, mas, irrequieto e aventureiro não passava muito tempo nos lugares, continuou sua peregrinação por várias cidades até chegar em Recife. A esperança de ingressar em uma banda que a aeronáutica estava formando frustrou-se porque o grupo só aceitava músicos brancos. Tomou conhecimento, na ocasião, que a Polícia Militar da Paraíba estava recrutando soldados músicos e viajou para João Pessoa para tentar o posto e aproveitar para cumprir o serviço militar.

  O jovem Moacir Santos chegou à Paraíba confiante na sua incorporação como “músico de primeira classe” nos quadros da Polícia Militar. Submetida, pelo regente da banda, a sua admissão ao comandante da corporação teria havido, conforme Moacir, uma restrição pelo fato de ele ser negro, o que foi refutado pelo maestro com a argumentação de que alguns músicos negros da banda eram muito melhores do que os brancos. Enfim admitido, o tempo de permanência de Moacir na Polícia da Paraíba foi maior do que o que ele já havia permanecido em qualquer das cidades por onde passara desde que fugira de Flores. Mas, um fato veio fazer com que ele se desligasse da corporação militar. Em 1945, o maestro Severino Araújo regente da Jazz Band da PRI-4 Rádio Tabajara da Paraíba deixou, juntamente com alguns músicos, a emissora para tentar ascender na carreira no Rio de Janeiro, o que veio a ocorrer com a formação da Orquestra Tabajara, o mais longevo grupo musical brasileiro.

  Precisava-se, então, urgentemente, recompor o grupo musical da Rádio Tabajara e a solução foi requisitar aquele jovem músico, de pouco mais de 20 anos, que se destacava na Banda da Polícia Militar. Segundo Moacir, ele conseguiu a baixa da corporação antes do prazo regimental pela interferência do coronel Elias Fernandes. Já como maestro da Rádio Tabajara, Moacir casou com a paraibana Cleonice, sua esposa por quase 60 anos. Um descontentamento com a nova direção da emissora fez com que Moacir decidisse deixar a Paraíba. Com uma carta de recomendação do político e usineiro Renato Ribeiro Coutinho, seu admirador, foi para o Rio para ingressar na Rádio Nacional, naquela época o maior núcleo de produção musical do País.

    Após três anos como músico, se tornou um dos maestros da Rádio Nacional. Aprofundou seus estudos de música com Guerra Peixe, Cláudio Santoro e o alemão Koellreuter, de quem se tornou assistente. No final dos anos 50, iniciou intensa atividade como professor, tendo como alunos, dentre outros, Paulo Moura, Baden Powell, Sérgio Mendes, João Donato, Carlos Lyra e Roberto Menescal, o que fez com que fosse chamado “Patrono da Bossa-Nova”. Fez arranjos para discos e compôs trilhas para filmes. Em 1965, gravou o disco Coisas, um dos mais importantes da música instrumental brasileira. Em 1967, decidiu ir morar nos Estados Unidos onde continuou exercendo o magistério, trabalhando em trilhas para filmes e gravando discos, três deles na conceituada gravadora de jazz Blue Note.

    Reverenciado por Vinícius de Morais no Samba da Benção: “…A bênção, Maestro Moacir Santos, que não és um só, mas tantos, tantos como o meu Brasil de todos os Santos…”, o Maestro recebeu, em 1996, a comenda da Ordem do Rio Branco conferida pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 2006, o Presidente Lula lhe concedeu a Medalha da Ordem Cultural, recebida pela sua viúva e seu filho. Moacir Santos havia falecido três meses antes. Embora cultuada pelos maiores músicos do mundo, a música do Ouro Negro do Brasil, infelizmente, não é tocada nas rádios e televisões da terra em que ele, “entre os preás e os mocós”, nasceu.

Sou Eu – (letra de Nei Lopes), com Djavan e Orquestra Ouro Negro.

Coisa nº 5 (Nãnã), com o baterista Edison Machado, arranjos do Ouro Negro.

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