
Por: Rui Leitão;
É assustador testemunharmos governantes ignorarem o direito como instrumento de mediação dos conflitos humanos, fazendo da violência — física, verbal ou institucional — o caminho oposto ao processo civilizatório. Trata-se do uso da força bruta em manifesto desprezo à razão e à importância do diálogo. O direito nasce, justamente, da necessidade de conter a violência. É por meio dele que se criam regras de convivência, instituições e mecanismos que garantem a justiça e a proteção. Quando a violência se instala, o direito se enfraquece e a democracia adoece. O uso da força não pode ser normalizado, sob pena de se negar a dignidade como princípio supremo.
Que mundo estranho este em que vivemos, onde quem ordena e comanda um espetáculo de horror — que resultou em mais de cem mortes — recebe aplausos de parte da população afetada pela ação brutal de forças policiais! Como legitimar a violência praticada pelo Estado, com execuções sumárias a pretexto de resolver os problemas da criminalidade? O que estamos presenciando, com extrema preocupação, é a aceitação social de um cenário de retrocesso, no qual prevalece a adesão ao chavão “bandido bom é bandido morto”, muito usado pela extrema direita, sancionando a letalidade policial e banalizando a morte.

Isso é inaceitável em um Estado Democrático de Direito que observa o princípio da legalidade. O discurso que exalta o enfrentamento policial em determinadas situações estimula uma política bélica que coloca tanto os próprios policiais quanto os alvos de suas operações em situação de extrema vulnerabilidade. Está comprovado que nem todos os mortos na megaoperação carioca da semana passada eram criminosos. Na verdade, muitos eram indivíduos desprotegidos pelo ordenamento jurídico e excluídos socialmente.
Na tentativa de justificar a medida, seus promotores se apressaram em desqualificar as vítimas, rotulando todas como “criminosos”. Pelo menos 30% dos mortos não tinham antecedentes criminais. A teoria dominante — de que, para vencer o crime organizado, é preciso o confronto que resulta em massacre, ainda que morram inocentes — tem sido reiteradamente desmentida pela História. Essas operações policiais marcadas pela brutalidade são ineficazes e destrutivas para o tecido social e democrático.

Em 1850, o escritor francês Victor Hugo, ao discursar na Assembleia Nacional de seu país, já conclamava: “é necessário colocar o direito no lugar da violência”. Quase dois séculos depois, continuamos sem atender a essa observação de grande sabedoria. A sociedade contemporânea teima em não compreender que essa é a fórmula para se alcançar a paz pública, insistindo em não curar o espírito doente de quem se vangloria em praticar atos de violência no exercício do poder.
A verdadeira segurança não se mede pelo número de mortes contabilizadas em operações policiais, mas pela capacidade do Estado de garantir direitos e justiça de forma permanente, sem se apresentar como agente de extermínio dos supostos criminosos, pondo em risco a integridade e as liberdades fundamentais da população. Até porque não existe pena de morte no Brasil. É imprescindível, portanto, que as operações policiais sejam realizadas em observância aos preceitos constitucionais e em respeito à dignidade da pessoa humana.




