Por: João Vicente Machado Sobrinho;
Continua rendendo uma grande polêmica a que foi instalada com a decisão do Congresso Nacional, de tornar sem efeito um decreto de autoria do Presidente da República, dispondo sobre a majoração da cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras-IOF.
Por um lado, da contenda, um Presidente da República eleito pela vontade popular, o qual assumiu o mandato com um programa de governo com alguns compromissos sociais mínimos, assumidos com a população carente. A iniciativa do Presidente que gerou toda essa celeuma, foi no sentido de fazer uma provisão orçamentária que fosse suficiente para aplacar a fome de 40% da nossa população, um extrato populacional situado abaixo da linha da pobreza. Além do mais, com a metade dele, ou seja 20%, em estado de miséria absoluta.
O laureado escritor paraibano José Américo de Almeida, já dizia com grande inspiração de nordestino sofrido, que:
“Há uma miséria maior do que morrer de fome no deserto: é não ter o que comer na terra de Canaã.”
No outro lado da contenda o Congresso Nacional, um dos poderes da república, que é eleito pelo voto de toda população, com a obrigação constitucional de representar o povo, mas que tem deixado muito a desejar. Os atuais mandatários do Congresso Nacional ao dar de ombros para o princípio da isonomia, têm fugido à responsabilidade e agido de maneira seletiva. Priorizam os interesses das elites econômico-financeiras, em detrimento da grande massa de representados.
Esse imbróglio todo que não é de agora. Ele sempre esteve presente nas relações da nação brasileira com o sistema tripartite de governo. A pratica da democracia liberal no modelo presidencialista de coalizão, tem sido um rosário de contradições que na medida que surgem vão exigindo alianças cada vez mais heterogêneas e difíceis.
O impasse que vivemos nesse momento, é um exemplo do que falamos e tem sodo um obstáculo secular à pratica de um debate dialético sobre o modus operandi liberal capitalista de divisão do trabalho e da renda vigentes.
Comecemos por reprisar as contradições mais evidentes desse estado de fragilidade socioeconômica que nos foi imposto, na verdade um filho bastardo do modelo liberal capitalista:
. Como é concebível que um país que é o terceiro maior produtor de alimentos do mundo, e é também o segundo maior exportador mundial de grãos, assista inerte quase metade (40%) da sua população em estado de pobreza e miséria?
. Como é concebível que um país com um Produto Interno Bruto-PIB do tamanho do nosso, que nos situa no ranking mundial como a 10ª economia do mundo, seja classificado em 84° lugar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano-IDH?
Como essa riqueza vem sendo distribuída?
Assim?
Aliás, os números que espelham a nossa economia, são eivados de contradições, e de uma negatividade que nos envergonha. É baseado nesses números, que a partir daqui, iremos fazer uma imersão dialética nas causas geradoras desse estado de coisas. Para isso vamos apresentar mais dois iconográficos, onde o primeiro, a pirâmide, mostra não somente a distribuição de rendas no Brasil, como também uma realidade que nos entristece, pelo fato da décima economia do mundo conviver com uma pobreza endêmica.
O segundo iconográfico mostra o Índice de Desenvolvimento Humano-do Brasil na 84ª colocação. Esse índice mostra , como a renda nacional é mal distribuída entre as diversas classes sociais.
A primeira figura revela claramente a grave injustiça distributiva, que é a concentração de rendas mostrada na pirâmide. Nela vê-se claramente que, apenas 1% da população é o nicho privilegiado em um país de mais de 200 milhões de habitantes. Ao que parece, é apenas com esse extrato que a maioria do atual Congresso tem compromisso.
Se nos voltarmos para os detalhes da pirâmide, encontraremos seis faixas de cores diferentes, onde o tronco de pirâmide a partir da faixa amarela até a base, abriga 82% da população, que tinha renda familiar máxima de R$3.390 em 2018.
*(Lembrando que essa pirâmide é do ano de 2018 quando o salário mínimo equivalia a R$ 901,78. Hoje o salário mínimo é de R$1.518,00 com um reajuste de 68,33% no período.)
Pois bem, a atual e maçante polêmica, se instalou quando Presidente da República no usos das suas prerrogativas constitucionais, publicou um decreto majorando a alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras-IOF, para transferir aos párias da nossa sociedade.
Ora, o IOF é imposto cobrado sobre operações financeiras, às quais mais de 80% da população não tem acesso, por incapacidade de renda. Vejam o que aconteceu no ano de 2024:
Quais foram então os argumentos usados pelos opositores, os quais em sessão conjunta do Congresso, formaram ampla maioria contrária a ideia do Executivo e, anularam sumariamente o decreto presidencial:
“Os principais argumentos da oposição foram:
1. 1. Inconstitucionalidade:
A oposição alegou que o aumento do IOF por decreto, sem a aprovação do Congresso, violaria o princípio da separação de poderes e a competência privativa do Legislativo para legislar sobre impostos.
2. 2. Impacto econômico negativo:
A oposição argumentou que o aumento do IOF encareceria o crédito, afetaria as empresas, especialmente as pequenas e médias, e prejudicaria a competitividade do país.
3. 3. Natureza arrecadatória do IOF:
A oposição contestou a alegação do governo de que o IOF seria utilizado para fins regulatórios, argumentando que o aumento pretendido teria uma finalidade exclusivamente arrecadatória, o que estaria fora do escopo do imposto.
4. 4. Desnecessidade do aumento:
A oposição defendeu que o governo deveria buscar alternativas para equilibrar as contas públicas, como corte de gastos e redução de despesas, em vez de aumentar a carga tributária da população.
5. 5. Impacto na população:
A oposição argumentou que o aumento do IOF afetaria diretamente o consumidor, aumentando o custo de produtos e serviços, além de onerar as operações de câmbio e investimentos.” (1)
As alegações apresentadas merecem uma apreciação mais aprofundada em alguns dos seus aspectos, senão vejamos:
1 – Inconstitucionalidade: O IOF, como já frisamos, é um imposto que incide sobre operações financeiras, como crédito, câmbio e seguros e a Constituição Federal no seu artigo 84 autoriza o poder executivo a alterar as alíquotas desse imposto através de decreto. Portanto o Congresso ao Anular o decreto em questão, se contrapôs a uma cláusula pétrea da carta magna e essa atitude não pode prevalecer.
2 – Impacto econômico negativo: O IOF encareceria o crédito! de qual extrato social? que tipo de empresa afetaria? Prejudicaria a competitividade do país! Em que ponto essa competitividade seria prejudicada? Falam, falam, falam, mas não responderam a nenhuma dessas questões até agora!
3 – Natureza arrecadatória do IOF: alegar que a taxação do IOF tinha fins exclusivamente arrecadatórios é relativizar por completo as obrigações sociais do Estado. É ignorar deliberadamente a fome da legião de famintos que moram nas ruas por onde passam diariamente as elites nos seus carrões.
4 – Desnecessidade do aumento: “O governo deveria buscar alternativas para equilibrar as contas públicas” os disseram e eles mesmos responderam: “corte de gastos e redução de despesas.!”
É elementar que a arrecadação pública é obtida através de tarifas ou de impostos. Como os parlamentares de oposição não concordam com o IOF que é um imposto, a outra via de obtenção de recursos é o corte das “despesas”. Mas cortar em que? Em moradia, em educação, em saúde, em segurança, em mobilidade etc, etc, etc.
5 -Impacto na população: sobre os impactos na população nós já tratamos neste texto e eles são vários e profundos: desemprego, desabrigo, fome, miséria, droga, prostituição, criminalidade etc, etc, etc.
Vamos examinar nos detalhes a execução orçamentaria de 2024 no iconográfico que se segue em forma de pizza:
Notem que todas as rubricas das janelas do lado direito da pizza em número de 7 totalizam 14,66%. A janela comprida do lado esquerdo mostra nitidamente que em 20 rubricas foi investido apenas 3,11% do orçamento. Entre eles estão o saneamento básico com 0,0052% e a habitação com 0,0003%.
Enquanto isso o sistema financeiro que tem sido a menina dos olhos do mercado e da maioria do Congresso Nacional abocanhou, sem dar um prego, 42,96% da peça orçamentária, ou seja, quase metade do nosso orçamento foi consumido para o pagamento de juros de uma dívida que nunca foi sequer auditada.
Por fim a bazófia da classe dominante de que o Brasil não pode alterar a tabela do Imposto de Rendas-IR para beneficiar os que ganham até R$ 5,000,00 por ser o país que mais cobra esse tributo no mundo.
Isso será verdade?
Não é isso que mostra o Money Times sobre o imposto de rendas de 2024, onde a Finlândia cuja educação é elogiada por todos ocupa 1° lugar em cobrança desse tributo com uma alíquota de 57%.
Em contrapartida o Índice de Desenvolvimento Humano-IDH da Finlândia é 0,942 e o Índice de Retorno do Beneficio Social-IRBES é de 142,35% *ESTUDO SOBRE CARGA TRIBUTÁRIA-PIB – 2022 X IDH 2022 IRBES abril 2024.pdf – Google Drive
Já o Brasil ocupa o 88° lugar na cobrança do IR, com uma alíquota de 27,5%, e em contrapartida tem um IDH de 0,765. Com relação ao IRBES e segundo a ONU:
“O Brasil, em vários estudos do IBPT, tem apresentado um dos piores resultados no IRBES, indicando que a alta carga tributária não se traduz em melhorias significativas na qualidade de vida da
população.” (2)
Os números apresentados são mais do que suficientes para desnudar a inconsistente argumentação de parte de um congresso nacional apartado da maioria dos seus representados.
Referências:
Quais foram os argumentos para a oposição anular o decreto do IOF – Pesquisa Google; (1)
Portal da Câmara dos Deputados-Constituição1988;
Imposto de Renda: Brasil não tem maior imposto do mundo; veja onde a mordida do Leão é mais forte – Money Times
ONU IDH e IRBES do Brasil; (2)
ESTUDO SOBRE CARGA TRIBUTÁRIA-PIB – 2022 X IDH 2022 IRBES abril 2024.pdf – Google Drive
Fotografias:
Brasil volta ao top 10 no ranking de maiores economias do mundo;
Brasil cai cinco posições no ranking mundial de IDH;
Brasil tem 2ª maior concentração de renda do mundo, diz relatório da ONU | Mundo | G1;
[O Brasil é pobre!] Gráfico da pirâmide de renda organizado pela OCDE em 2018 : r/brasil;