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A intimidade da alma e a pressa de viver no coração selvagem de um Jovem Latino Americano : Aprendemos com Belchior

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No final do ano de 1977, Belchior lançou o álbum Coração Selvagem. Na capa o rosto do artista em um close espetacular e o fundo rosa escuro puxando um degradê até escurecer. Bigode farto e bem definido, sem camisa, tinha uma expressão forte no olhar e um rosto quase sorrindo…

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A letra da música Coração Selvagem que tem o mesmo nome do álbum era exatamente tudo que o nosso coração jovial queria dizer, nossa adolescência queria viver e os nossos pais não queriam entender. Vivemos a época dos barzinhos, da Coca-Cola, do sanduiche, do blusão e da amizade colorida.

A intimidade da nossa alma pulsava tão forte que não fazíamos mais questão de esconder nada, as frases de amor estavam dentro das canções de então, os beijos não eram mais escondidos atrás das portas, eram escondidos num abraço, num aconchego ou num cheiro dado na roupa, nas dobras do blusão. Já podíamos tomar aquela geladinha acompanhada numa mesa de bar, no mesmo copo, desfrutando do colo e da pele. Como era descrita na primeira estrofe da canção:

“Meu bem, guarde uma frase pra mim dentro da sua canção. Esconda um beijo pra mim sob as dobras do blusão, eu quero um gole de cerveja no seu copo, no seu colo e nesse bar”.

A passagem da modernidade sólida para a líquida foi para nós, jovens daquela época, um verdadeiro desafio: a quebra de padrões comportamentais e a incerteza de tudo chegaram num momento crucial. Aquilo que aprendemos com nossos pais já não existia mais, eles insistiam e nós resistíamos. Na velocidade da paixão passamos a viver a liquidez do tempo, a brevidade da vida e a urgência do amor.

Tomamos muito cedo a consciência que nada era eterno e que os instantes passavam num estalar de dedos. Éramos jovens modernos filhos de pais antigos.

A pluralidade de conceitos, a liberdade de escolha e a autonomia dos sentimentos nos fez mergulhar numa onda de fragilidade e desejos conflitantes, num misto de estreitar e afrouxar laços e relacionamentos amorosos sem criar vínculos, sem amarras e sem compromissos. Figuras típicas dos tempos modernos.

Não tínhamos lugar determinado, o nosso lugar era onde o nosso coração nos levava, tão bem descrito no verso: “Meu bem, o meu lugar é onde você quer que ele seja”; sem raciocinar, levados pelas emoções e pelos desejos da alma que vislumbrava a natureza, o sobrenatural e profano (arco-íris, anjo rebelde e o corpo). Tínhamos pressa de viver. Nada era eterno, só os momentos vividos ficariam eternizados na nossa memória.

A dualidade da urgência de viver e a calma que exigia os momentos de amor entravam em conflito no entendimento dos pensamentos arcaicos e no nosso inconsciente. Era preciso sentir o aconchego do abraço apertado e do beijo alucinado que despertava e alimentava a paixão vivida nos versões da canção do nosso jovem Belchior: “mas quando você me amar me abrace e me beije bem devagar, que é para eu ter tempo, tempo de me apaixonar”, tempo onde os meninos pegavam o carro do pai e desfilava com as meninas ouvindo sons, músicas estouradas nas paradas do sucesso dos velhos e bons programas de rádio e da TV: “tempo para ouvir o rádio no carro”.

Um tempo em que andávamos em turma, turma de jovens disputando beleza, jovialidade e amores, se fazia necessário provar a conquista (tempo para a turma de o outro bairro ver e saber que eu te amo). Embora esse amor, essa conquista não durava mais que um verão, umas férias do mês de julho. Erámos aventureiros e sabíamos da grandeza do mundo e dos caminhos da vida, caminhos que poderia nos levar adiante (meu bem, o mundo inteiro está naquela estrada ali em frente); tomar refrigerante, comer cachorro-quente era diversão, brincadeira, interação sem perder tempo e com pressa de viver. A gente misturava e diluía tudo.

”Meu bem, mas quando a vida nos violentar, pediremos ao bom Deus que nos ajude. Falaremos para a vida: vida, pisa devagar, meu coração, cuidado, é frágil, meu coração é como um vidro, como um beijo de novela”. Inexperientes e sonhadores fomos atiramos e pisamos num mundo real e cruel, cheio de ciladas e de curvas que nos fizeram sofrer e aprender com fragilidade do coração e com a liquidez da vida, em um mundo onde tudo passava rapidamente e nada valia mais que um momento.

Tudo que vivemos e experimentamos nos ensinou a sermos sozinhos, a extravasar a nossa sanha através do nosso som, o som da nossa voz e da nossa música, sempre com pressa de viver, para viver tudo com intensidade e com paixão, sem certeza arriscando tudo pela simples alegria de ser, mesmo andando por caminhos errados, o importante era existir como pessoa.

A fragilidade da vida e a certeza da morte estão presentes e bem presentes na letra da canção, além do apelo de viver intensamente e correr perigo até a morte como parte da vida. Ainda na incerteza e efemeridade da vida ele questiona o destino e suas peças: “talvez eu morra jovem” e oferece opções de morrer fatalmente: “alguma curva do caminho, algum punhal de amor traído”, como complemento que o destino nos reserva e encerra nossa existência.

No apelo incessante de viver, de correr perigo, de morrer comigo ele chama a parceira de meu bem, modo carinhoso a que se referia à pessoa amada, moda trazida da Jovem Guarda nas músicas de Roberto Carlos e Ronnie Von que embalou a geração na qual Belchior viveu. Depois, o tropicalismo em ironia a internacionalização da cultura no Brasil, seus cantores passam a chamar de Baby, e ele insiste em dizer Meu Bem, fortalecendo nosso idioma e a preservação da nossa cultura.

 

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