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Um casal quase perfeito

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Por: Emerson Monteiro;

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Eram conhecidos quais exemplo de harmonia, vivendo um para o outro, durante mais de 60 anos, sem o desconforto das briguinhas inconvenientes da maioria dos casais. Criaram nove filhos, espalhando-os pelo mundo. Na redondeza, ninguém conhecia o que lhes desabonasse tamanha afinidade.

Nesse clima de correção, mereceram o reconhecimento das pessoas do lugar. Receberiam medalha votada com especialidade para isso. As autoridades, numa noite memorável, numa homenagem sem igual, distinguiriam perante todos aquela vitória do bom convívio.

Um dos secretários da prefeitura se responsabilizou para fazer os contatos e numa tarde se dirigiu ao vilarejo onde moravam.

Ao chegar com os assessores, encontrou apenas a mulher, que lhe recebeu com muita satisfação. Depois de explicar o motivo da visita, detalhes da comenda, esperou chegar o marido que se achava na roça.

Mais tarde, quase ao escurecer, o homem retornou suado, maltrapilho, exausto. Notou ansioso a presença das novidades. Cabisbaixo, entrou meio desconfiado e ficou escutando as justificativas daquilo tudo, os motivos das ilustres presenças.

Ele logo desconversou. Queria saber de nenhuma homenagem, não! E fechou a cara. Aquilo dizia pouco de quem andava fora das festas; pouco gostava de lugar de muita gente; estava bem no sossego dos matos, etc., etc.

– Mas, marido, perder a vez de conhecer outras pessoas… Fazer amizades, tu que se agrada em ver cara nova… E o doutor prefeito foi quem escolheu a nossa família para isso… – era a companheira se desfolhando nas maiores explicações, disposta a convencer a qualquer custo o parceiro renitente.

– Não, não! Até hoje passamos sem isso – arrematou o marido.

Perante o impasse, num gesto cordial, a dona da casa levou as visitas até o terreiro, avisando-as baixinho que tivessem paciência, seguissem com a programação e, na data, tudo iria dar certo.

Quando lá dentro, de novo repetiu a carga. Justificava com intensidade as razões de aceitar a oferta dos seus conterrâneos. Somos nós os mais unidos dessa localidade. O casal que sabe viver melhor, marido – foi dizendo carinhosa.

– Olhe, mulher! Disse não, pois é não mesmo!

– Mas, marido…

– Nem mais, nem menos. Não, e pronto! Ouviu? – falou bruto, afastando ríspido o corpo frágil da mulher, que pendeu entristecida em face da resistência do companheiro.

Nessa hora, a mulher parou num canto, circulou os quatro lados da caixa dos pensamentos e viu ficar pouquinha a humilde resignação de tanto tempo. Bem ali conheceria os limites das décadas da extrema penúria que em segredo eles viveram. Pensou. Pensou um pouco mais… Quis chorar; ciente, no entanto, que pouco adiantaria derramar as lavas do vulcão das emoções a lhe sacudir o peito, proveniente das entranhas de um coração magoado. Daí, então, soltou a matraca, detonou cantilena de fala jamais imaginada pelo parceiro dos anos de casados:

– Quantos sonhos perdidos nos cuidados que agüento contigo – suspirou, alongando a voz. – Tu e teu carrancismo, nessa falta absoluta de amor comigo, sem querer atender coisa alguma, faz uma eternidade… Quanta noite passei sozinha, te vendo chegar das farras fedendo a cachaça, grudado que eras nos sambas de latada, bebendo, prosando, gastando o pouco que reunia… Voltavas dos braços das outras mulheres. E nunca eu disse tantinho assim. Segurei aquilo tudo, tudo, calada para manter as aparências do casamento que negara a mim mesma. Vezes e vezes amargurei tuas grosserias, em nome do lar, dos filhos que criei sozinha. E agora, nesta rara oportunidade de mostrar aos outros o que construí na renúncia do isolamento, tu demonstras intransigência, má-vontade, o que me ofereceu durante a vida inteira… Só lembras de ti e mais nada… Chega… Chega…

Após essa rusga ninguém soube da homenagem programada, pois logo adiante a velhinha se despediu de casa e mudou-se para São Paulo, onde viveu alguns anos na companhia de um filho, distante da terrinha que nunca antes pensara em abandonar.

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