O Imperador e o Artista

Por: Antonio Henrique Couras;

São incontáveis as histórias ao redor do mundo que nos ensinam quem nem todos têm “olhos de ver e ouvidos de ouvir” como diz a tradição abraâmica. No ocidente é comum o dizer “dar pérolas aos porcos” que simboliza dar algo de extrema beleza a quem não é capaz de apreciá-la. Na tradição chinesa há uma fábula que muito me chamou a atenção, e aqui peço licença ao leitor para conta-la:

Um imperador, conhecido por sua apreciação das artes, ouviu falar de um artista cujas pinturas eram tão extraordinárias que pareciam transportar quem as contemplava para outro mundo. Curioso, o imperador convocou o artista à sua corte e ordenou que ele criasse uma obra digna de sua fama.

O artista passou meses trabalhando em segredo. Quando terminou, convidou o imperador para ver sua obra. Era uma paisagem magnífica: um vasto vale com montanhas imponentes, rios cristalinos e um portal antigo que parecia convidar o espectador a atravessá-lo. A pintura era tão vívida que o imperador sentiu como se pudesse entrar naquele mundo.

Enquanto contemplava a obra, o imperador começou a sentir uma estranha inquietação, como se a paisagem estivesse viva. Ele jurava ouvir o som do rio e o farfalhar das árvores.

Ao dar um passo à frente, quase tocando o portal na pintura, foi tomado por um súbito medo, uma sensação de que, se entrasse naquele mundo, nunca mais voltaria. Assustado, ele recuou.

Ao dar esse passo para trás, a pintura começou a desvanecer. Surpreso, o imperador perguntou ao artista o que havia acontecido. O artista respondeu com serenidade:
“Essa obra não é apenas para ser vista; é para ser vivida. Somente aqueles que se permitem ser capturados pela arte podem verdadeiramente experimentá-la. Quando você recuou, ela deixou de falar com você.”

O imperador ficou pensativo, percebendo que o verdadeiro poder da arte está na disposição de se entregar a ela, de aceitar o convite para explorar o desconhecido e sentir algo além da compreensão racional.

A moral dessa fábula sobre o imperador e o artista reflete a natureza profundamente subjetiva e transformadora da arte, além de destacar a relação essencial entre a obra e o observador. Ela nos ensina que a arte não é apenas um objeto estático a ser admirado, mas um convite à experiência, à reflexão e à conexão emocional. Para que possamos compreender e sentir plenamente o impacto de uma obra, precisamos estar dispostos a nos entregar a ela, a permitir que nos toque de maneira íntima e única.

A arte não existe isolada; ela se completa na interação com o observador. Quando o imperador recua da pintura, ele simboliza o medo da entrega, o receio de abrir mão do controle e se permitir ser transportado para um espaço desconhecido e possivelmente transformador. Esse gesto de recuo reflete a resistência que muitas vezes temos ao desconhecido, à vulnerabilidade ou até mesmo à introspecção que a arte pode despertar em nós. O desaparecimento da pintura não é um mero truque mágico; é uma representação do quanto a arte perde sua potência quando olhada apenas superficialmente ou com distanciamento.

A verdadeira conexão com a arte exige coragem. Coragem para abandonar preconceitos, para explorar o que ela nos provoca e até mesmo para enfrentar nossas emoções mais profundas. Quando nos aproximamos de uma obra com abertura e curiosidade, permitimos que ela nos conte histórias, evoque memórias e nos transforme. Essa entrega pode nos revelar partes de nós mesmos que antes não reconhecíamos, criando um espaço para crescimento e autoconhecimento.

Ao mesmo tempo, a fábula também reflete sobre o poder efêmero da arte. Como o artista explica ao imperador, a arte “fala” apenas quando nos dispomos a ouvi-la. Ela existe em um espaço de interação, em um momento único entre a criação e o observador. Esse aspecto fugaz e subjetivo da experiência artística é o que a torna tão especial. Não se trata apenas do que o artista coloca na obra, mas do que o observador traz para ela — suas experiências, sentimentos e perspectivas… É nesse encontro que a mágica acontece.

A lição aqui também transcende a arte visual e se aplica a outras formas de expressão, como a música, a literatura e até mesmo as interações humanas. Quando nos aproximamos com medo ou distanciamento, perdemos a riqueza e a profundidade dessas experiências. Mas quando nos abrimos, a possibilidade de transformação se torna infinita.

Portanto, a moral da história é um chamado para que sejamos mais receptivos e corajosos diante da arte e da vida. Somente quando nos permitimos ser capturados — seja por uma pintura, uma música ou um momento — podemos compreender plenamente sua essência e deixá-la transformar nossa percepção do mundo e de nós mesmos. E aqui deixo, ao fim, uma dica ao leitor, não se incomode com os porcos que não são capazes de admirar as pérolas, também são eles, que diferentes de nós, são capazes de encontras as preciosíssimas trufas, esses famosos fungos que crescem nas raízes de grandes e frondosos carvalhos. Cada um com seus olhos (ou narizes) capazes de apreciar a beleza das pérolas ou o aroma das trufas.

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