Exercício

Por: Antonio Henrique Couras;

Acredito que a maneira mais honesta de começar o artigo dessa semana é fazendo um esclarecimento ao leitor: todas as semanas eu enfrento dois grandes desafios ao escrever esse texto. O primeiro é me lembrar de escrever o texto em tempo hábil, o segundo é o tema do texto.

Na correria da semana, com trabalho, estudo, os bichos para tomar de conta, o jardim que precisa ser irrigado… tudo cobra a minha atenção. Preciso de um temporizador ao meu lado que me lembre de mudar a mangueira de lugar ou desligá-la. Preciso de alarmes no celular que me lembrem das aulas, anotações na agenda que me lembrem para qual telefone ligar e com quem falar a respeito de tal ou qual assunto.

Dizem que incontáveis árvores nascem a partir de roedores, com a memória parecida com a minha, que simplesmente esquecem onde enterraram as suas sementes. Outro dia perdi uma pasta onde guardo todos os meus documentos. Deus sabe por que motivo eu a tirei do meu escritório e guardei-a dentro de uma bolsa no meu guarda-roupas.

Já estava pronto para precisar fazer a minha peregrinação pelas mais diversas instituições e cartórios pedindo a segunda via de tudo que possuo, quando minha mãe, em poucos minutos, conseguiu encontrá-la. Não raras são as vezes em que dependo até da coitada da minha sobrinha de 4 anos de idade para encontrar as coisas (que ela encontra com a maior facilidade).

Esqueço-me de tomar a medicação que mantém mais ou menos são, e só percebo que esqueci de tomá-la quando começo a ter enjoos ou tremeliques. Olho na caixinha que tenho na mesinha de cabeceira e percebo que a medicação separada para a noite anterior não foi tomada.

Graças às boas secretárias dos consultórios médicos não perco as consultas que agendo, mas ainda me esqueço frequentemente de comer. Essa semana devo ter almoçado duas vezes. Me levanto, faço mil coisas e lembro de tomar café só as 11 da manhã. O almoço é esquecido e substituído por um jantar as 5 da tarde, ou, quando esse também é esquecido, janto só às 10 da noite.

Preciso de um checklist diário para lembrar de comer, tomar meus remédios, escovar os dentes, tomar banho, dar comida aos gatos…

O segundo desafio é ter sobre o que falar.
Eu sei que pode parecer óbvio, muitas vezes, os temas mais urgentes a serem tratados, mas ultimamente venho acreditando que as notícias do mundo já são tão amplamente debatidas que eu seria apenas mais um eco do que uma opinião. Talvez fosse essa a minha missão? A de refletir o mundo pelos meus olhos? Não sei. Mas sou grato pelo espaço que tenho aqui e que me força a exercitar minhas palavras.

Acredito que a quem interessa a prisão de um tal ex-presidente da República, esses irão procurar se informar da melhor maneira possível sobre o tema, não cabendo a mim ser o mensageiro de boas notícias.

Sobre guerras, conflitos e debates internacionais, atualmente venho tão absorto em meus pensamentos temendo o fim do mês que debates sobre o fim do mundo me parecem demasiado distantes.

Assim, cá estou eu martelando as teclas do meu barulhento teclado falando sobre o falar. Me utilizando da metalinguagem quase como um espelho colocado diante do outro refletindo-se ao infinito.

As vezes vejo alguma reportagem, vídeo ou música que fazem brotar em mim a sanha de dizer “vocês perceberam isso?”. Outras vezes, como hoje, os temas me fogem dos dedos como fumaça.

Essa semana não vi nada que me chamasse a atenção no mundo, não por falta de coisas interessantes no mundo per se, mas pela minha negligência em olhar para o mundo ao meu redor com os olhos de cronista.

Ontem fui a praia com a minha irmã e minha sobrinha aproveitar as águas mornas do verão já no final da tarde. Me estatelei em uma piscina natural rodeado de peixinhos e me pus a olhar o céu em busca de uma mísera nuvem que me inspirasse.

Talvez nas formas nefelinas encontrasse alguma inspiração, mas nada. Brancas nuvens em formato de nuvens em um belíssimo céu azul tinto ora de amarelo, ora de cor-de-rosa. Nenhuma inspiração mitológica, botânica ou histórica.

Só claríssimos dias ensolarados e o cotidiano da vida. Assim, peço que o leitor aceite esse meu texto sobre tudo e sobre nada como minha contribuição semanal para a sua reflexão.

Façam como eu venho tentando fazer, ainda que nem sempre sejamos bem-sucedidos, mantenham os olhos abertos para ver o mundo.

 

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