Por: Joao Vicente Machado Sobrinho;
A Alemanha sempre foi apresentada ao mundo, como o país mais desenvolvido da Europa Ocidental, e na verdade isso é fato. Aquele país do Norte que tem como sistema de governo uma República Federal Parlamentarista, nos tempos atuais é uma das maiores potências econômicas do mundo. A Alemanha desde há muito, foi um modelo de racionalidade política e sempre preservou a reputação de um país muito desenvolvimento no campo científico e tecnológico. Além de tudo isso tem uma grande consciência histórica.
Entretanto, parece estar vivendo no presente, uma fase de inquietante ambiguidade. Na medida que as crises globais vão se acentuando e se sucedendo, as chagas do modelo de desenvolvimento capitalista, passam a ser expostas e mais visíveis: imigração intensa, instabilidade econômica, guerras frequentes, tensões dentro da União Europeia e o aumento do tom dos discursos vindos de países periféricos, antes considerados marginais e que na atual conjuntura pleiteiam espaço no mercado internacional.
A Alemanha do pós guerra, chegou ao ponto de construir monumentos para não perder de vista os seus erros passados, mas parece acalentar certas sombras que jurou haver deixado para trás. A atual conjuntura de multipolaridade econômica, é um terreno fértil para o surgimento de sentimentos xenofóbicos, para o endurecimento ideológico e para a exumação do velho nacionalismo alemão, repaginado com um forte verniz moral que nos estimula a uma pergunta, talvez incômoda:

Será que a Alemanha estaria revivendo de forma solerte, um sonho de retorno ao passado?
Até parece, pois, de forma inoportuna, descortês, presunçosa e xenofóbica, o Chanceler alemão Friedrich Merz, comparou de forma depreciativa, o Brasil com a Alemanha em um dos discursos que proferiu na COP-30. A sua fala, além de deselegante, grotesca e de xenofóbica, no nosso entendimento tem um viés nitidamente ideológico que soou como um recado. Ao se reportar a temas como a imigração e à segurança, o chanceler verbalizou um reposicionamento identitário, que poderá influenciar no futuro os demais países da Europa e, reconfigurar o papel da Alemanha no século XXI.

A propósito disso, é prudencial estarmos atentos à visível escalada armamentista da Alemanha nos últimos tempos, uma realidade deveras preocupante. Para constatar basta passar em revista o orçamento federal daquele país referente ao ano de 2024 e compara-lo com a previsão orçamentaria proposta para 2025. Os números apontam para a dotação de US$ 8,5 bilhões em 2024 e (= 52 bilhões em 2025. Em se tratando de um país que não está vivendo um momento de guerra e aparentemente não tem nenhum conflito internacional em vista, é sem dúvidas muito dinheiro para quem tem em seu favor, um vasto histórico de grandes descobertas cientificas. Os alemãos exibem com muito orgulho e justa razão, o pomposo título de autoria da 2ª revolução industrial, que modificou completamente o mundo, com a descoberta do motor a explosão. Já no campo da Filosofia, que se situa acima de todas as ciências, podemos constatar que vários filósofos e pensadores nasceram em território alemão. Se não vejamos:
“Coube ao escritor e filósofo F.G. Herder, um dos pais do romantismo alemão profetizar que estava reservado à Alemanha o papel de ser a pátria de poetas e de pensadores (Dichter und Denker). Imaginou-a um centro pedagógico da humanidade. Se bem que a trajetória histórica dos alemães foi brutalmente alterada pelas duas guerras mundiais e pela violência das paixões ideológicas que a sacudiram durante o século XX, foi inegável o papel representado na modernidade por seus escritores, filósofos, artistas e demais visionários. A tal ponto alcançou a importância deles que dificilmente podemos imaginar o existir contemporâneo sem a presença de: Goethe, Kant, Hegel, Marx, Beethoven, Wagner, Nietzsche ou Einstein.” (1)

A despeito de servir de ter servido de berço para todos esses pendores intelectuais, pesa sobre os ombros da Alemanha, o ônus da responsabilidade por duas guerras mundiais, uma como consequência da outra. Em ambas as guerras houve a perda inestimável de quase uma centena de milhões de vidas humanas, fato que desgastou e deixou o conhecido orgulho alemão muito abalado.
Em relação ao pensamento filosófico, que é fonte alimentadora do saber e da cultura, houve um confronto ideológico entre duas correntes filosóficas, colocando de um lado a corrente idealista, liderada por Friedrich Hegel e do outro lado a corrente da razão, liderada por René Descartes e Immanuel Kant. Dessa dicotomia, viria a surgir uma terceira corrente filosófica, a corrente materialista, capitaneada por Karl Marx e Friedrich Engels. Na verdade, uma reação concreta às profundas mudanças econômicas e sociais, que foram impostas pela 1ª Revolução Industrial.
A teoria de Marx e Engels, sugere que a base material de toda a sociedade, é o motor da sua evolução e não são somente as ideias, mas sim e fundamentalmente as condições materiais e os modos de produção e acumulação de riquezas. Essa a rigor, é a forma como a sociedade produz para atender às suas necessidades.

Hegel havia proposto o método dialético, como o caminho mais adequado para compreender a dinâmica das ideias e vinculou o seu método ao idealismo, condicionando-o a ícones sagrados. Não é difícil perceber que a história e o pensamento estão sempre de mãos dadas. As ideias vão brotando sob a forma de Teses, que ao serem contraditadas, incorporam novas ideias, dando lugar às Antíteses, resultando num novo estágio. Esse estágio adquire novos elementos, que consensuados se transformam em Síntese, passando a ter validade. Esse é o processo de Aufhebung que nega, conserva e eleva.
Resumindo: os termos tese, antítese e síntese, descrevem o processo dialético, que é o método de investigação filosófica e de desenvolvimento de ideias popularizado por Hegel. É um processo continuo pois a síntese na qual se transformará numa nova tese, irá confrontar uma nova antítese, dando origem a uma nova síntese, para impulsionar o pensamento e a nova realidade.

O inglês Adam Smith, fez uso da teoria de Hegel por inteiro, abdicando da razão e se apegando ao idealismo icônico e abstrato, para defender um modelo de desenvolvimento liberal capitalista. O capitalismo liberal na Alemanha, fincou os seus marcos iniciais no século XIX, principalmente depois das reformas econômicas alemãs das décadas de 1860 e 1870, vindo a se estabelecer e se estabilizar em definitivo após a 2ª guerra mundial.
A partir de 1840, os alemãos Karl Marx e Friedrich Engels, adotaram o pensamento materialista, aplicando a ele uma perspectiva à dialética do compatriota Hegel. O resultado foi usado por eles, com o objetivo de melhorar o entendimento da coexistência das sociedades humanas, das suas contradições e dos seus conflitos de classe, a partir da produção material. Esse era o que chamaram de materialismo histórico. O aprofundamento no tema fez com que chegassem à conclusão de que tanto a dialética quanto a realidade não são estáticas e estão sempre em permanente transformação através de conflitos e de contradições. Essa é a forma mais concreta e didática de compreender a realidade, ou de alcançar a verdade através da apreciação dessas forças que se opõem e do movimento que elas geram. Essa síntese adquiriu o nome de materialismo dialético.

No século XX a Alemanha protagonizou duas guerras mundiais em menos de 40 anos, deixando um rastro macabro de um morticínio gigantesco. A bem da verdade a 1ª guerra mundial foi uma disputa de mercado entre países capitalistas. O salto qualitativo dado pela Alemanha em termos científicos e tecnológicos foi o credenciamento de que precisava para reivindicar por via diplomática um espaço no mercado mundial, que redundou em um rotundo fracasso.
Diante de tantas portas fechadas só restava ao povo alemão procurar outra forma de consenso. Surgiu a ideia de tentar redesenhar o mapa Mundi através das armas e para tanto a Alemanha preparou a guerra, juntamente com o concurso da Itália de Benito Mussolini.
Mal saída da primeira guerra e com a economia destruída e o orgulho alemão ferido, os grupos econômicos e financeiros da Alemanha, estimularam o crescimento de uma liderança desconhecida do cenário político do país. Uma figura oportunista, ambiciosa, e fleumática em relação às questões humanitárias, que era Adolf Hitler.
Ao contrário do que muitas pessoas pensam, o fenômeno Adolf Hitler não surgiu de forma espontânea, nem tampouco brotou da mente de uma única pessoa. Hitler tinha o perfil que atendia as exigências das elites econômico-financeiras e com ele conquistou a simpatia do empresariado mundial vindo a alcançar o poder devido a uma complexa interação de fatores históricos, sociais e econômicos na Alemanha do pós-Guerra. A sua chegada ao governo foi o resultado de uma combinação entre as elites que lhe emprestaram forte apoio popular e financeiro, mesmo em um contexto de crise.
Para o capitalismo liberal o maior fantasma que rondava o mundo era, e ainda continua a ser nos tempos atuais, comunismo. Ele não assustava somente a Alemanha, mas a todo mundo ocidental capitalista. A grave depressão de 1929 que aconteceu nos USAN, com sérias consequências na Alemanha assistiu a aceleração do desemprego, da fome e da miséria, tornando a sua economia muito vulnerável e o seu povo muito receptivo ao discurso radical de Hitler, que prometia soluções miraculosas.
Com um empolgante discurso nacionalista e antissemita: Adolf Hitler fundou o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães, (Partido Nazista), oferecendo a um povo desesperado, um discurso em que culpava não o capital, mas as minorias–especialmente os judeus, socialistas e bolcheviques, pela derrota na guerra e pelos problemas do país. Essa fala encontrou eco numa sociedade em busca de bodes expiatórios e na receptividade do empresariado mundial que foi imediata. Isso facilitou o financiamento daquele “herói” a quem denominaram de Führer. (líder) A partir de então, Hitler soube explorar as vulnerabilidades emocionais da nação alemã e ascendeu ao poder com a ajuda de um contexto favorável e o apoio de atores políticos e econômicos que a princípio o subestimaram. O resultado foi a criação de um dos regimes mais totalitários da história da humanidade.

A pergunta central do título, xenofobismo ou ideologia? Talvez não seja suficiente para capturar plenamente o que ocorre no cenário alemão da atualidade. O que se vê é uma interseção complexa entre medo, pragmatismo, cálculo político e lembranças mal resolvidas. A Alemanha talvez não reviva explicitamente os fantasmas do seu passado que lhe acompanham. Todavia terá dificuldade de impedir que eles recrudesçam e voltem a assombrar seus debates públicos.
Se não houver uma reflexão profunda sobre a instrumentalização da moralidade, sobre a retórica da identidade e sobre os limites da liderança alemã na Europa, o país corre o risco de repetir — ainda que em versão moderna — velhos padrões de arrogância política.
O “retorno ao passado” poderá não se dá através de rupturas dramáticas; às vezes ele ocorre silenciosamente, nos discursos moderados, nas políticas justificadas pela segurança e nos consensos que ninguém mais ousa questionar. Cabe à Alemanha, e à Europa como um todo, decidir se deseja avançar para o futuro ou se, seduzida por uma suposta superioridade moral, caminhará novamente por trilhas que conhece bem — e que sabe onde podem terminar.

Referências:
https://www.terra.com.br/noticias/educacao/historia/alemanha-nacao-de-poetas-e-pensadores; (1)
Mein Kampf |-Adolf Hitler. Amazon.com.br;
Crítica da filosofia do Direito de Hegel- Karl Marx_miolo.indd;
A ideologia alemã-Boitempo Editora;
Manifesto Comunista Boitempo Editora
Carlo Cafiero: Karl Marx’s Capital
Fotografias:
O Perfume Macabro da Rosa de Hiroshima | Site do João Vicente Machado;
(19) Porta-voz descarta desculpas de chanceler alemão por falas sobre Belém | CNN 360º – YouTube;
Histo é História: O Materialismo Histórico Dialético: uma breve consideração;
O discurso de Hitler para as multidões. – Pesquisa Google;




