O Perfume Macabro da Rosa de Hiroshima

Por: João Vicente Machado Sobrinho;

Não, aqui nós não trataremos apenas da oportuna e pungente canção composta por Vinicius de Moraes e imortalizada na voz de Ney Matogrosso, à época ainda integrante do grupo Secos & Molhados. Antes, à guisa de contextualização, reportar-nos-emos a um tipo de “planta mineral” conhecida como urânio, da qual brotou uma pétala devastadora em forma de rosa: a bomba atômica.

Essas “rosas” exalaram um perfume irrespirável, e seus efeitos deletérios persistem até hoje. Foram duas flores mortas que desabrocharam nos jardins das cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, nos dias 6 e 9 de agosto de agosto de 1945, exterminado mais de 200 mil vidas humanas.

Essas plantas não brotaram da terra espontaneamente, como pragas vegetais inofensivas. Foram “plantadas “de forma deliberada pela mão humana, mais especificamente pelas mãos de jardineiros estadunidenses.

Mesmo que alguns dos cientistas envolvidos ignorassem a magnitude da destruição, os artefatos criados resultaram não apenas em ruinas materiais, mas em uma catástrofe humana em escala jamais vista.

Nesse mesmo espaço do nosso site JVM, já tratamos algumas vezes, dos principais fatos que envolvem a economia política que mereceram destaque em todo decorrer do século XX. Por vezes também já nos reportamos a fatos marcantes, cuja causa é repetidamente simplificada pela maioria dos historiadores e pela imprensa oficial. Tomemos como exemplo, a 1ª e 2ª Grande Guerra Mundial, justamente neste momento em que ocorrem escaramuças bélicas ameaçadoras como as de agora.

Há que se desconfiar das versões simplificadas. A 1ª Guerra Mundial raramente teve a ver com o assassinato do arquiduque austríaco. A verdadeira razão foi uma disputa acirrada por mercados globais entre nações industrializadas, diante da ineficácia diplomática.

 A Alemanha, à frente das inovações industriais, formou alianças com o Império Austro-Húngaro, o Otomano e a Bulgária. Do outro lado, o Reino Unido, França, Rússia, Itália e os USAN (o N de Norte por pertinência) mantinham suas próprias ambições. A guerra foi a única alternativa para redefinir o mapa-múndi.

O sistema capitalista se viu cercado por duas ameaças: o socialismo soviético, que propunha uma sociedade igualitária sem exploração do trabalho, e o nazifascismo, pregando um Estado autoritário, centralizado e anticomunista.

A proposta socialista elaborada por Marx e Engels se resumia: em abolir definitivamente as classes sociais; em abandonar em definitivo o liberal capitalismo como modelo político de desenvolvimento; de instaurar uma sociedade igualitária e sem classes, onde os meios de produção, seriam de propriedade coletiva devendo ser apropriados por todos, indistintamente; e a abolição definitiva da exploração do trabalho. O objetivo final de toda essa luta seria a efetivação da total liberdade humana e da autonomia individual dos povos através do comunismo.

As propostas nazifascistas por sua vez, eram carregadas de profundas conotações de viés totalitário além de muito autoritarismo; A proposta nazifascista era: pela a criação de um estado forte e centralizado, comandado por um líder carismático, que na Itália seria o Duce Mussolini e na Alemanha seria o Führer Adolf Hitler; pela supressão da oposição política; pelo controle da mídia e da educação; por um anticomunismo radical; por um nacionalismo exacerbado; pela discriminação e a perseguição das minorias. Propunham ainda mais a expansão territorial da Alemanha, através da força militar, anexando outros países e nações. O nazismo de modo particular, adicionava a tudo isso o racismo, a misoginia e o antissemitismo como elementos centrais, além da crença na superioridade da raça ariana e a necessidade de eliminar as etnias julgadas inferiores.

Ao fim da 1ª Guerra os USAN estavam intocados fisicamente, mas atolados em uma crise de abundância: muito a produzir e pouco a consumir. A Europa destruída não tinha condições de absorver os excedentes estadunidenses.

A quebra da Bolsa de Nova York em 1929, escancarou as contradições do capitalismo: como a fartura poderia gerar miséria? A resposta do presidente Rooselvet foi o New Deal, uma intervenção estatal proposta por John Maynard Keynes para reativar o consumo através do emprego público. A ideia onírica de Adam Smith da regulação do mercado através da sua mão invisível, era uma lenda para inglês ver, ou seja, O Rei estava nu!

A despeito de tudo isso, a crise catastrófica que se abateu sobre os USAN, a potência econômico-financeira emergente, ao invés de entrar numa crise de escassez, entrou numa grande crise de abundância. Revelou com isso uma das facetas do sistema capitalista que são as frequentes e repetidas contradições.

Não é necessário ser um renomado economista, para entender essa característica peculiar do capitalismo. As próprias contradições desmascaram a face milagreira do mercado e da sua mão invisível, matriz das contradições. A essa pergunta eles até os dias de hoje, nunca responderam: como é possível a crise ser gerada pela abundancia?

Com o parque industrial europeu quase todo destroçado pelos efeitos da guerra e o espirito de revanche impregnado no espirito do orgulhoso do povo alemão, a mão de obra disponível que poderia ser a grande consumidora dos bens produzidos pelos USAN, estava ocupada cuidando de afinar a máquina de guerra. A indústria estadunidense que estava num ritmo de produção frenética, de repente se achou numa situação de não ter a quem vender. Assim a riqueza estadunidense apesar de existir de fato, estava imobilizada em mercadorias e bens duráveis, sem ter aquilo que o sistema financeiro chama de liquidez.

Nesse interim a Rússia que vivia um processo de efervescência interna com a auto afirmação do socialismo, percebeu os rumos que vinham sendo dados à geopolítica mundial pelos países ricos e, pressentindo a estratégia capitalista, como país pobre, resolveu inverter o rumo das suas prioridades sociais, para investir tudo quanto dispunha num projeto de sobrevivência, não somente da Rússia, mas da humanidade.

Ou seja, sacrificou o seu sofrido povo, ao dirigir todos os seus parcos recursos que tinham outra prioridade, para investir pesadamente na fabricação das armas de que precisava para encarar o que denominaram com toda propriedade uma guerra pátria.

A essas alturas Hitler já tinha assumido o poder total na Alemanha, Mussolini já dominava a Itália, Franco tinha a Espanha sob seu controle e Oliveira Salazar dominava Portugal. Enfim a extrema direita que contava com simpatias de grande parcela de um mundo dito democrático começou a preparar a guerra.

John Maynard Keynes, um economista heterodoxo britânico, foi escolhido e contratado por Rooselvet para formatar e aplicar o New Deal. A ideia consistia na entrada total do Estado na Economia para, através da renda advinda do emprego público, ativar o consumo e quebrar a inercia dos demais segmentos da economia paralisada.

Assim foi feito e a economia começou a sair do buraco. Foi aí que os grupos econômicos não tiveram a menor dúvida em optar pelo nazifascismo. Afinal de contas o modelo lhes era mais familiar por ser um derivativo da filosofia capitalista. O nazifascismo para as elites econômicas seria um mal menor e certamente seria resolvido a contento depois.

Nomes de grupos econômicos poderosos como: Rockfeller, Rotschild, Ford, General Motors, Volkswagen Kruper, BMW, Mercedes, Hugo Boss, Deutsche Bank, IBM, Mc Donalds entre outros, se bandearam para o nazifascismo, lhe emprestando apoio e financiamento. Alguns desses grupos econômicos chegaram até a utilizar nas suas linhas de produção, a mão de obra de prisioneiros escravos retirados dos campos de concentração para fazer funcionar suas fábricas a custo zero.

Quando a guerra começou efetivamente em 1939 com a invasão do corredor da Polônia, Hitler passou a mostrar as cartas, as armas e as suas reais intenções. Daí em diante foi um passeio, tal e qual um jogo de dominós em que caíram: Polônia, (1939) Dinamarca, (abril de 1940) Noruega, (abril de 1940) Bélgica, (maio de 1940) Holanda, (maio de 1940) França, (maio de 1940) Iugoslávia, (abril de 1941) Grécia, (abril de 1941) Luxemburgo, (maio de 1941).

Em não conseguindo ocupar a Grã Bretanha, pelo natural obstáculo do Canal da Mancha e pela reação da poderosa armada marinha real inglesa, as forças do nazifascismo se voltaram para a União das Republicas Socialistas Soviéticas-URSS que foi invadida subitamente em (22 de junho de 1941).

Os USAN, a essas alturas capitalizados como únicos vendedores na grande crise, permaneceram contemplativos e à distância.  Até sofrerem um inesperado ataque aéreo japonês à base naval de Pearl Harbour em 7 de dezembro de 1941. Em 8 de dezembro de 1941 resolveram tardiamente declarar guerra aos países do eixo Roma-Berlim.

A partir de então as tropas dos USAN foram tomando chegada na guerra pelas beiradas e na sombra. Mas não sem antes juntar uma plêiade de cientistas diversos, entre eles alguns alemãos, aos quais delegou a atribuição de desenvolver secretamente e em tempo record, um artefato de guerra de destruição em massa, no chamado Projeto Manhattan.

Somente a partir de 1942 é que os USA começaram a enviar tropas para o cenário da guerra na Europa, inicialmente com o envio de um pequeno contingente que ainda recebeu treinamento dos ingleses. Em 1943 em uma ação conjunta com o Reino Unido e o Canada, os USAN deram início à campanha na Itália, fora do epicentro das grandes batalhas. Desembarcaram inicialmente na ilha da Sicília, depois atravessaram o Mar Mediterrâneo, para alcançar a parte continental do país fascista da bota, a Itália.

Somente em 6 junho de 1944, com a guerra praticamente vencida pela Rússia, é que armaram a pantomima do dia D com o desembarque na costa da Normandia na França.

Finalmente em maio de 1945, quando as tropas soviéticas já tinham ocupado Berlim e hasteado a bandeira russa na chancelaria alemã, é que os USAN chegaram como retardatários para juntar-se aos vitoriosos.

 A essas alturas as duas bombas atômicas estavam prontas e os USAN precisavam mostrar ao mundo como é que seria o jogo da geopolítica dali para frente. Usaram o território de um Japão combalido que já estava praticamente rendido para despejar duas bombas atômicas. As bombas que tinham até nome, foram lançadas a primeira de nome Little Boy, em 6 de agosto de 1945 em Hiroshima e a segunda de nome Fat Man, em 9 de agosto de 1945 em Nagasaki.

A Rosa de Hiroshima não acabou com o fim da guerra; ela floresceu no terreno tóxico da Guerra Fria, onde o perfume do medo ainda intoxica o mundo. Mas isso será tema para outra reflexão.

 

 

 

 

Referências:
https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/segunda-guerra-mundial.htm;
Incidente de Mayerling: como um suicídio levou ao estopim da Primeira Guerra Mundial – BBC News Brasil;
Os dez dias que abalaram o mundo – John Red;
Mein Kampf é proibido ? Não o livro é traduzido e é de autoria do próprio Adolf Hitler;
A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda-John Maynard Keynes:
Ideologia alemã-Marx e Engels
O dezoito de brumário de luís Bonaparte-Karl Marx;
Fotografias:
Hiroshima e Nagasaki: 75 anos das duas rosas radioativas, estúpidas e atômicas – Esquerda Online;
Bomba atômica, holocausto de 1945: hoje, uma terrível ameaça – Vatican News;
Assassinato do Arquiduque Franz Ferdinand | Visitar a Bósnia-Herzegovina;
Primeira Guerra Mundial Resumo – Aula Zen;
https://slideplayer.com.br/slide/1625182/-proposta socialista;
Nazismo: o que é, resumo, líder, consequências – História do Mundo;
Histérica História: Os 90 anos da Queda da Bolsa de Nova York (ocorrida em 24/10/1929);
“Eu Voltarei.” Recriei o General Douglas MacArthur da 2ª Guerra Mundial em Red Dead Redemption 2 : r/reddeadredemption
113. 2º Guerra – Sombrios Capítulos Finais – Blog do Professor Clebinho
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