Mundo de máquinas

Por: Emerson Monteiro;

Quem diria que a vida na Terra chegasse a essa total dependência das máquinas por quase todos os lados. Andar daqui ali e entram no meio as máquinas de colher distâncias, movidas a biogás, a diesel, a gasolina, sentadas em pneus apressados. Quer-se comer fruta no café da manhã, entra em campo a máquina de fazer suco que estronda no silêncio da madrugada com seu ronco imprudente. Falar com o vereador para sarar os buracos deixados pelas águas fortes da estação passada, se pega no celular e chama. Pensar em vacinar bezerra recém nascida, chega o veterinário com máquina pontiaguda e fere o quarto da rês, na maior sem cerimônia, espanto da ciência oficial.

As notícias do dia rasgam os primeiros claros da Lua no vítreo ativo da máquina de imagem posta na sala de jantar, no dormitório e no quarto da funcionária, que conta os acontecimentos do mundo, que retornarão mais tarde, pelo jornal do dia seguinte, cedo saído às bancas, hoje visto nas telas matinais só a meia verdades.

Escrever do próprio punho, nem sonhar. Há de ser tudo em forma de computador, para criar o bilhete que entra na rede e chega às casas mais distantes, nesse mundão de meu Deus.

Depois, rompe a vontade de um som nos ouvidos. Em seguida, os aparelhos eletrônicos prontos na medida, enfiados em fios ligados diretos no interior da cabeça, acionam a consciência auditiva dos jovens afoitos, excitados no drama das engrenagens fervilhantes.

Tudo, enfim, agora, que se busque, envolve uma desculpa na forma de geringonça. Sai-se do chuveiro elétrico e se pega a empunhar o secador, barbeador, alisador de cabelo.

Para cruzar a rua, uma máquina ordena que aguarde; que passe. Eleições e candidatos, as usinas de barulho que gritam nomes e siglas ao vento. Nisso, máquinas registram votos e vomitam resultados – enquanto nenhum papel serve por documento da escolha.

Os tempos artesanais ficaram na história, apenas. Cogitou-se viver, engenhocas funcionam, produtos mecânicos, analógicos e digitais, ao sabor das vitrines de lojas iluminadas, ficções de inúmeras possibilidades.

Assim, satélites artificiais decoram o firmamento. No mar, correm navios. No céu, aviões. Na terra, tratores, caminhões. Nas veias, petróleo, ácido acetilsalicílico dissolvido em soro fisiológico. Carboidratos. Colesteróis. Eletroencefalografias. No ar, essas ondas magnéticas de mil atividades econômico-financeiras, urbano-industriais.

Diante da neurose coisificada dos materiais animados, o expectador olha pela janela e avista um jardim. Acorda do pesadelo mecânico. Dissipa os véus da imaginação e move o corpo enferrujado. Esfrega olhos sapecados de insônia. Retira das tralhas esquecidas no velho jarro de barro. Revira móveis até encontrar a tesoura de poda, e corta do galho algumas rosas perfumadas. Com elas, arranja sobre a mesa o trunfo que lhe resta e admira o pouco que produz em criatividade nas garras do sistema das vidas artificiais e vazias dos momentos do presente.

 

 

 

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