Por: João Vicente Machado Sobrinho;
A democracia é um sistema político antigo, que foi idealizado e proposto em Atenas na Grécia, no século Va.C. A ideia emergiu de um grupo de estudiosos, pensadores e filósofos, entre os quais se destacou Clistenes, a quem foi atribuída a autoria, passando ele a ser considerado como o pai da democracia.
Naquela época a humanidade vivia o auge da longa e cruel vigência do escravismo, um regime político de exploração total que iria colidir de frente com a ideia de democracia. A ideia foi, sem nenhuma dúvida, um gigantesco avanço político, econômico e social para a época, porém totalmente contraditória e extemporânea. Por motivos mais do que óbvios a proposta sintetizada por Clistenes, era radicalmente antagônica ao ideário escravista praticado pela Grécia de então e, não chegou sequer a ser considerada por total falta de condições subjetivas. Ou seja, a proposta de uma democracia liberal naquela ocasião, era totalmente inoportuna e, mal saída do berçário, foi logo enviada diretamente para o armário do tempo.
Dando asas ao pensamento, foi a vez do filósofo e pensador Aristóteles, (384a.C–322a.C) esboçar na sua obra, A Política, a ideia de um poder a ser exercido em três instancias separadas, ao qual deu o nome de poder tripartite. A esses poderes caberia tomar as decisões do Estado, de forma deliberativa, executiva e judiciária.
O Império Romano que foi o último bastião do escravismo como modelo político, não teve um fim instantâneo. Ele definhou e se arrastou cambaleante por quase todo século V, num processo de esvaziamento contínuo, até a debacle final, que culminou com a deposição do seu último imperador Rômulo Augusto, em 476 d.C. Era o fim de mais ou menos dez mil anos de vigência do modelo de desenvolvimento escravista.
Com o fim do império romano, e a tomada de Constantinopla pelos chamados povos Bárbaros, a humanidade ingressou no período feudal, por volta do século V d.C, regime que se estendeu até o século XV d.C. O feudalismo foi um sistema político característico do mundo ocidental, e teve seu auge na chamada idade média, se alongando durante mil anos. O seu ocaso foi marcado por profundas e revolucionarias transformações, as quais foram ditadas por uma nova ordem intelectual, econômica, política e social.
No chamado período renascentista, a população que houvera escapado do feudo se estruturou em forma de pequenos burgos, os quais se tornaram os embriões das cidades. Os burgos deram origem ao comercio que teve início com uma fase mercantilista, em que os comerciantes acompanhavam as incursões das cruzadas, fornecendo bens de consumo aos combatentes. A sociedade de então, desde o início do escravismo, era dividida em duas classes, a nobreza e a plebe. Com a nova forma de organização política e social, a sociedade da época foi subdividida em mais duas novas classes, quais sejam a burguesia e suas subdivisões e a pobreza e as suas subdivisões.
A transição do feudalismo para o capitalismo, talvez tenha sido a mais longa entre todos os modelos econômicos pretéritos. Isso pela necessidade de obedecer no exercício da governança, a um complexo receituário de profundas transformações filosóficas políticas, econômicas e sociais. O feudalismo que naquela época já era um modelo econômico arquejante, foi estruturado com base na agricultura e nas relações de servidão de mão de obra.
Em seu lugar surgiu a proposta de um modelo de desenvolvimento, novo para a época, porem o que havia de mais moderno. Era estruturado com base nas relações de mercado, tendo a propriedade privada como um pressuposto sagrado que estimulava o apetite pela acumulação de capital como objetivo maior. Era a entrada em cena do novo modo de produção capitalista!
O modelo surgente representava a ascensão da burguesia, como classe social voltada para o comercio, bem como para as inúmeras atividades urbanas prestadoras de serviço, inclusive o serviço financeiro que viria a se transformar em Bancos. O século XVIII foi também denominado como século das luzes, sendo o berçário de uma corrente de pensamento chamada iluminismo, que teve grande difusão na França.
Os iluministas tinham a vã ilusão de poder promover as necessárias reformas, bem como a reestruturação do regime moribundo, também chamado pelos franceses ancien régime. Para tanto propunham a introdução de pressupostos filosóficos da razão prevalecendo sobre a fé, bem como um melhor entendimento e uma solução mais adequada para os anseios da sociedade. Pelo visto a ideia de reformar, de renovar, de reestruturar e de modernizar o atual ancien regime capitalista, tem pai, tem mãe e tem parteira. Para tanto contam com a inércia a leniência e aquiescência da chamada esquerda liberal, a qual tem se contentado apenas com migalhas, através de um número sem fim de políticas públicas para emplacar, quando muito, uma de cada dez.
Os grandes expoentes do iluminismo foram: Adam Smith, Voltaire, Montesquieu, Rousseau, John Loke, Denis Diderot, e Immanuel Kant.
Um deles, Adam Smith, (1723-1790) era um filósofo e economista escocês, que teve a sua vida cronológica inteira inserida no período consagrado ao iluminismo, ou seja, viveu integralmente no chamado século das luzes. O filósofo escocês Adam Smith é considerado pelos seus adeptos, como o pai da economia moderna e o precursor do liberalismo econômico.
O ambiente intelectual do século XVIII foi muito fértil em termos filosóficos, em termos científicos e em termos econômicos e essa efervescência, revolucionou na acepção da palavra, o período transitório para o capitalismo. Os fatos mais impactantes ocorridos no século citado foram sem dúvidas: O iluminismo, a 1ª Revolução Industrial, a Revolução Burguesa da França e a Independência dos Estados Unidos da América do Norte-USAN.
A 1ª Revolução Industrial se materializou de fato, quando da divulgação da grande descoberta da máquina a vapor que, além de propiciar a modernidade da indústria de um modo geral, modernizou também a navegação fluvial e marítima, que substituiu o uso da máquina a vapor, ao invés da energia da vela e da força humana. Possibilitou a facilidade de deslocamento das pessoas, modernizando a forma de mobilidade com o avento do modal de transportes ferroviário para vencer as grandes distancias em menos tempo, em substituição ao lombo dos cavalos.
Como tudo sempre tem um preço a pagar, a Revolução Industrial alterou de forma substancial a forma de divisão do trabalho, até então predominantemente manual. A produção industrial, como por exemplo a da indústria têxtil, que exigia nos teares que eram acionados através de mão humana, a presença física de um número mínimo de dez ou mais operários. Com o advento da máquina a vapor, o processo foi invertido e, um único operário passou a manusear e a operar dez ou mais máquinas de maneira simultânea.
O impacto do invento fez com que pelo menos durante trinta anos, a máquina a vapor não pudesse ser utilizada. A reação do operariado foi tamanha que chegaram ao ponto de ir às raias da violência destruindo as máquinas. Os operários fabris de então, não tinham conhecimento nem consciência suficiente do modus operandis da nova forma de divisão do trabalho e da divisão injusta da riqueza decorrente. Os mais revoltados foram aqueles artífices mais qualificados, habituados a produzir objetos de consumo de forma artesanal, para prover o seu sustento e o sustento da sua família. A reação esboçada de quebrar as máquinas pode até parecer irracional, mas as máquinas eram vistas como suas inimigas, quando de fato o grande inimigo da classe trabalhadora era o dono das máquinas e do capital.
Os níveis de exploração foram tamanhos que chegaram a um ponto insuportável. Sobretudo com a introdução da linha de montagem. Os habitantes do andar térreo do edifício da exploração, não suportavam mais carregar nas suas costas o peso da esbórnia praticada nos andares de cima, que abrigavam as classes superiores.
Foi quando os trabalhadores franceses resolveram atacar e destruir o presidio da Bastilha e, dele libertar os insurretos que lá estavam presos e que eram seus companheiros de trabalho e de infortúnio. Paradoxalmente tiveram o apoio da burguesia, a qual despontava como classe dominante. A Revolução Burguesa da França aconteceu entre maio de 1789 e novembro de 1799. Em seguida veio o domínio ditatorial de Napoleão Bonaparte, que se estendeu de 1789 a 1815 ingressando no século XIX. (aqui)
A tomada do poder na França, por Napoleão Bonaparte, foi uma decorrencia direta das contradições econômicas e políticas, resultantes da divisão dos poderes na sequência da revolução burguesa.
Por ocasião da Assembleia Nacional, o auditório acomodou de forma involuntária os participantes entre os lados esquerdo e direito do plenário para deliberar sobre a continuidade do apoio à monarquia e a promoção de mudanças sociais.
Os Girondinos que eram representantes da alta burguesia, ocuparam o lado direito do plenário, acompanhados das alas conservadoras, as quais defendiam a implantação de uma monarquia constitucional, com a manutenção da ordem social vigente. Juntaram-se em um só lado às referências ideológicas de viés moderado e conservador da época, tais como Jacques Pierre Brissot, Madame Roland e seu marido, além do pensador matemático Contorcet.
Os Jacobinos, por sua vez, tomaram assento à esquerda do plenário da assembleia nacional e juntaram-se aos que professavam ideias políticas mais radicais e pugnavam por mudanças mais profundas na estrutura da sociedade francesa. Eram todos eles oriundos da média burguesia a qual representavam, além das camadas mais populares. O grupo era liderado por Maximilien Robespierre, que era o expoente de maior destaque ala radical e indiscutivelmente o mais culto entre todos eles.
Os Girondinos que se destacaram na revolução burguesa defendendo ideias moderadas, concordavam em termos com a soberania popular e na assembleia nacional eles continuaram a defender a soberania popular e um governo representativo. Além da garantia dos direitos individuais e da sacralidade da propriedade privada, os Girondinos ansiavam a separação de poderes e a economia conduzida à base do Lassay Faire.
Os conflitos e contradições foram tamanhos que o ingresso na era napoleônica não tardou a acontecer e se deu no período entre 1799 e 1815 por meio do golpe de 18 de Brumário.
“Durante a Era Napoleônica, importantes mudanças foram realizadas na França, e os valores do iluminismo se consolidaram no país. Esse período também ficou marcado por conflitos da França contra outras nações europeias, como o Reino Unido, Prússia, Áustria e Rússia. Napoleão foi derrotado em 1815, na Batalha de Waterloo, sendo deposto, preso e exilado.” (1)
A França entre a era napoleônica e a comuna de Paris, experimentou um período convulsionado, que foi marcado por profundas transformações e grandes conflitos. O ideário iluminista ganhou força expandindo o poder francês pela Europa e culminando com a restauração da monarquia implantada com o golpe do 18 de Brumário de Luís Bonaparte em 1851.
“Karl Marx na sua obra O 18 de brumário de Luís Bonaparte traz a célebre análise de Karl Marx sobre o processo que levou da Revolução de 1848 para o golpe de Estado de 1851 na França. Escrito no calor dos fatos, entre dezembro de 1851 e fevereiro de 1852, teve sua primeira publicação em maio de 1852, com o Título Der 18te Brumaire des Louis Napoleon, na estreia da revista alemã Die Revolution. A tradução brasileira tem por base a segunda edição, revisada por Marx em 1869, em Hamburgo.
Nesse texto fundamental, o filósofo desenvolve o estudo do papel da luta de classes como força motriz da história e aprofunda a teoria do Estado, sobretudo demonstrando que todas as revoluções burguesas apenas aperfeiçoaram a máquina estatal para oprimir as classes. Embasado por essa observação, Marx propõe, pela primeira vez, a tese de que o proletariado não deve assumir o aparato existente, mas desmanchá-lo.” (2)
Desde então a França e de resto a Europa Ocidental, incorporou a proposta de Montesquieu de separação de poderes, logo após a revolução burguesa de 1789 num contágio ideológico epidêmico que se espalhou pelos demais países da Europa ocidental e do médio oriente, que também passaram a adota-lo com adaptações e as variações que julgaram pertinentes em cada caso.
A Comuna de Paris, foi uma revolta popular violenta, que desaguou num movimento revolucionário muito forte e corajoso, que Marx julgou intempestivo, mas à Comuna deu todo seu apoio, classificando-o como um Assalto ao Céu, dada a dimensão da sua ousadia.
Vladimir Ilitch Lênin, na sua obra mais expressiva O Estado e a Revolução, faz uma análise inigualável sobre o desenrolar da Comuna de Paris e uma crítica ácida, ao trabalho erosivo dos oportunistas no sentido de desclassifica-lo de reduzi-lo e de simplifica-lo. (5)
No caso do Brasil, na constituição que foi outorgada por ocasião da instauração da República Monarquista de 1823, foi imposta pelo imperador D. Pedro I a ideia de um tal “Poder Moderador.” Seria um poder absoluto e ditatorial concedido ao imperador, para controlar os demais poderes. Essa ideia que deveria ter fenecido em 1899 com a Proclamação da República, foi a partir de 1823 apropriada pelo exército, prevalecendo até a promulgação da Constituição Federal de 1988 e foi o grande pretexto para o desfecho de 5 (cinco) golpes militares entre 1823 e 1964. Usavam o pretexto de Garantia da Lei e da Ordem- GLO.
Finalmente em 1988, a chamada constituição cidadã proclamada pelo Doutor Ulisses Guimaraes, efetivou legalmente os três poderes, que mesmo assim em 8 de janeiro de 2024 ainda passou por uma ameaça de golpe militar.
Ao concluirmos não será demais indagar se a ideia de Montesquieu estaria certa?
Recapitulemos: . Poder legislativo: é o responsável pela elaboração e pela aprovação das leis. Somente. No Brasil o Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, (Senado e Câmara dos Deputados) assembleias legislativas estaduais e câmaras de Vereadores municipais;
. Poder Executivo: é o responsável pela administração pública e pela execução das leis. Somente. No Brasil é exercido pelo Presidente da República, governadores de estado e prefeitos municipais;
. Poder Judiciário: é o responsável pela aplicação das leis e julgar de acordo com as leis. Somente. No Brasil é exercido por juízes, desembargadores e ministros;
Em sã consciência, esses três poderes estão se comportando em obediência plena aos pressupostos do Sistema Tripartite proposto por Montesquieu? Existe limites de espaço e harmonia de convivência entre eles conforme obriga a Constituição Federal? Onde está o interesse do povo?
Vejamos o que nos ensina o Art. 2° da C.F. nos seus incisos:
Artigos 2º e 3° da Constituição Federal:
“Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – Construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – Garantir o desenvolvimento nacional;
III – Erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – Promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.” (3)
Considerações finais:
. O poder legislativo que tem como obrigação apresentar, votar e regulamentar as leis, não tem se comportado apenas assim?
. Encontram-se encalhados e sem regulamentação entre as casa legislativas o congresso nacional:
• Senado Federal2.358
• Câmara dos Deputados1.276
• Congresso Nacional768; (4)
. Aqui no Brasil, o Congresso não vota as matérias e ficam esperando que o poder executivo promova o “diálogo” movido a “contrapartida”. A sociedade cobra e o executivo responde com o instituto da Medida Provisória que tem vida de um mês e também é sujeita a “contrapartida” e a “dialogo”.
. O poder judiciário que também é cobrado emite um decreto. O Congresso amuado e com interesses individuais em jogo, veta o decreto.
Perceberam a lambança? Decididamente esse modelo de desenvolvimento liberal capitalista está com o prazo vencido e os dias contados. Só não enxerga isso a esquerda liberal e os liberaloides destros.
Essa afirmação dos liberaloides destros de que o modelo socialista não deu certo em lugar nenhum do mundo é risível. Mentira!
. Ele não deu certo na comunidade primitiva, onde o poder dominante impôs à força o escravismo;
. Ele não deu certo na idade média, onde o poder dominante impôs à força uma sociedade feudal em regime de servidão;
. Ele não deu certo quando a burguesia se apossou à força da revolução francesa, onde o poder dominante impôs à golpes de guilhotina o modelo capitalista.
. A única tentativa socialista que fracassou foi por ocasião da efêmera experiência soviética de 1917, cercada de opressão por todos os lados e em que mesmo assim venceu a 2° guerra mundial no campo de batalha, salvando a humanidade do Nazismo.
Referências:
Tripartição dos Poderes: origem e conceito [resumo];
História e Artigo 2º | Trilhante;
A separação dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário;
Feudalismo – História da Idade Média – InfoEscola;
Iluminismo: o que foi e qual a sua importância?
Como devem funcionar os três poderes do estado tripartite? – Pesquisa Google;
Era Napoleônica: resumo, fases, contexto, características; (1)
O 18 de brumário de Luís Bonaparte; (2)
Constituição Federal de 1988-Planalto; (3)
Busca – Portal do Congresso Nacional; (4)
Documento-04-A-EXPERIÊNCIA-DA-COMUNA-DE-PARIS-ANÁLISE-DE-MARX.pdf (5)
Fotografias:
Invasions of the Roman Empire 1 – Império Romano do Ocidente – Wikipédia, a enciclopédia livre;
O peso das classes da pirâmide feudal nos ombros dos oproimidos. – Pesquisa Google
Filósofos iluministas: quem são, ideias, o que defendiam;
Cena do filme de Chaplin em tempos modernos – Pesquisa Google;
A queda da bastilha filme – Pesquisa Google;
Comuna de Paris: a utopia em ação – Revista Focus Brasil | Revista Focus Brasil;