A beleza e a tristeza da chuva que cai

Por: Neves Couras;

São exatamente 1h40 da manhã. Como sertaneja e criada em casas cobertas com telhas de barro, me chega a saudade das noites dormidas na casa do meu avô, de nossa casa no sítio. Um dos sons mais belos para mim é, justamente, o da chuva caindo. Desde pequena, paro para ouvir esse som. Como é belo, quantas lembranças ele nos traz à mente.

Lembro-me de que todos os dias no sítio, após uma noite de chuva, eram de conversas alegres e de graças dadas a Deus pela chuva. Era sempre uma festa. É claro que, naquela época, eu não participava das conversas, mas não podia ver uma calha com água forte escorrendo sem correr para tomar banho de chuva.

Me vem à mente também o tempo em que morei em Brasília, estudando o primeiro grau em uma escola bem distante de casa. Não andávamos de ônibus porque a distância não coincidia com o trajeto escolar. Lá chovia muito e por longos períodos. Sabendo disso, eu andava com uma capa de chuva, mas não era para me proteger, e sim para proteger os livros, e ia do colégio até em casa tomando banho de chuva. Era uma festa. Chegando em casa, a recepção não era das mais agradáveis, mas no dia seguinte eu fazia a mesma coisa.

A chuva caindo sobre meu corpo é sinal de liberdade, de interação com um dos mais belos fenômenos da natureza. Hoje ainda tomo banho de chuva, mas hoje faço isso com mais discrição. Aqui em casa tem uma calha que me dá o grande prazer de sentir meu corpo lavado. Para mim, Deus está mandando um tipo de purificação para a minha alma.

Entretanto, não posso deixar de pensar nos que estão na chuva porque não têm a opção de se proteger. É aí que a chuva dói em nosso corpo: sem proteção e sem a possibilidade de ter um lugar para se agasalhar. O banho, nesse caso, não significa alegria, mas tristeza.

Me vem à cabeça quantos prédios abandonados existem no centro da cidade, e quantas pessoas usufruiriam desses espaços. Fico pensando que se fosse desenvolvida uma política de solidariedade com organização e amor, muita gente teria na chuva motivos de alegria e não de tristeza.

Me pergunto, sempre que vejo grandes prédios que certamente pertencem a famílias ricas deste Estado e que, por disputas judiciais, estão abandonados, caindo aos pedaços, causando problemas… Será que resolvendo essas questões por meio da desapropriação, ou outra medida, não seria possível resolver o problema de moradia de grande parte da população da cidade?

Haverá quem diga: “De que adianta? Acabam vendendo.”, ou dizem que aqueles que ali estão fizeram por merecer estarem ali, se envolvem com drogas ou com o crime. Ainda que esse seja o caso, o ser humano, independente de suas ações não deixa de ser humano, merecedor de direitos. Se há envolvimento no crime, quase sempre é por necessidade. A droga vem para preencher o vazio da fome, da solidão, da tristeza. Ao vício deve-se dar tratamento, não exclusão. Precisamos acolher nossos irmãos sem julgamento.

Se houvesse um cadastro único, que permitisse que cada família em situação de vulnerabilidade tivesse acesso a um tipo de moradia adequada, e com o apoio de bons pensadores, que muitas vezes só têm discurso, certamente a chuva seria comemorada como bênção dos céus, e não como prenúncio de noites tristes para tantos.

Sei que dizer que não há solução é mais fácil do que buscar uma saída, mas, com um pouco de solidariedade, amor e vontade de resolver o problema, poderíamos enfrentar muitas das dificuldades em nossas cidades.

Posso estar sonhando em ver, em nosso Estado, uma atenção mais humana para os que mais precisam. Mas como seria a vida se não sonhássemos? Continuarei sonhando e acreditando que os homens podem se tornar mais humanos.

Não me tirem o direito de me indignar com o que vemos no mundo neste momento. Continuarei a ser o passarinho que leva em seu bico a gota d’água para apagar o fogo da desigualdade. E continuarei a sonhar que a chuva traga a todos o melhor som que a natureza pode nos oferecer.

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